#delasexplica: plano para Agressores de Violência Doméstica

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O nome já entrou no léxico das vítimas e no dos agressores de violência doméstica há muitos anos, mas volta a ser foco de curiosidade. Sobretudo, depois de Manuel Maria Carrilho ter sido condenado a quatro anos e meio de pena suspensa e à frequência de um plano de sensibilização para o tipo de crime, no âmbito do processo interposto pela ex-mulher, Bárbara Guimarães. O ex-ministro da Cultura revelou, de imediato, que iria recorrer da decisão deste processo que o opõe à apresentadora da SIC.

O Delas.pt foi saber, junto da Direção Geral dos Serviços Prisionais e Reinserção Social (DGSPRS), o que é, em que consiste, qual a duração e qual a eficácia do Plano para Agressores de Violência Doméstica (PAVD) – que até ao final de 2016 estava a integrar e tinha integrado 1.809 indivíduos. Se umas questões foram respondidas pela entidade oficial, outras foram esclarecidas por quem conhece e estuda o programa.

O que é o PAVD?

“É uma intervenção estruturada, baseada num modelo com orientação cognitivo-comportamental, dirigida a acusados/condenados pelo artigo 152.º do Código Penal – Violência Doméstica (VD) sempre que o agressor (do sexo masculino) mantém ou tenha mantido relação de intimidade com vítima do sexo feminino. É aplicado pelos tribunais e executado pela DGRSP, visando promover nos agressores a consciência e assunção da responsabilidade do comportamento violento e a utilização de estratégias alternativas ao mesmo, com vista à diminuição da reincidência criminal”, diz aquela entidade que aplica estes programas.

Quanto tempo dura?

Tem a duração mínima de 18 meses, em Medida de Coação, Suspensão Provisória do Processo, Suspensão de Execução da Pena, como pena acessória ou agregado ao Sistema de Vigilância Eletrónica”, afirma a Direção Geral. Dos mais de 1800 pessoas que já integraram e integram o programa, “a maioria dos sujeitos cumpre-o no âmbito de uma medida judicial com uma duração de 18 meses, seguidos do que têm medidas entre os 2 anos e os 2 anos e meio”.

Como e a quem pode ser aplicado?

“Pode ser aplicado no âmbito de qualquer pena ou medida judicial de execução na comunidade – residente em território continental, com exceção da Comarca de Cascais [onde se aplica o programa CONTIGO, ver abaixo]”, escreve a DGSPRS.

Pelo que o Delas.pt pôde apurar, só podem participar neste programa agressores condenados que façam reconhecimento de culpa. A investigadora Dalila Cerejo, a trabalhar no pós-doutoramento em torno do PAVD, vinca que são “agressores sem traços de sociopatia”. “São homens normais, com modelos de masculinidade exacerbados, aos quais, ao longo da vida, lhes é ensinado que a violência e o uso da mesma é uma arma legítima no contexto dos modelos e valores de género de masculinidade”, explica. A DGSPRS diz ainda que “a integração de sujeitos obriga à prévia avaliação do risco (Fase 0), essencial para determinar se os mesmos reúnem condições pessoais para serem alvo e beneficiarem com esta intervenção”.


Recorde os dados de 2016 apresentados pelo Relatório Anual de Segurança Interna e pela APAV, ambos de 2016

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Da análise dos dados, a DGSPRS explica que “dos sujeitos em PAVD, para os quais existem dados sobre os antecedentes criminais, 62,8% são primários, 11% têm antecedentes criminais por violência doméstica, 6,1% têm factos correlacionados com aquele crime e outros atos. Verifica-se ainda que 20,1% (ou seja 1/5) tem antecedentes por outros crimes que não a violência doméstica”.

Quais são as fases concretas do PAVD e em que consistem?

“Na fase 1, a estabilização, é feita a gestão individual do caso com recurso a técnicas motivacionais; Na fase 2, abordagem psicoeducacional, há intervenção grupal com 20 sessões estruturadas onde se trabalham temas associados à violência conjugal; Na fase 3, prevenção da recaída, há o acompanhamento individual dirigido à consolidação das aprendizagens realizadas com vista à prevenção da reincidência criminal”, explica a DGSPRS. O cumprimento do plano, diz ainda a entidade,“está dependente da realização sequencial das várias fases”.

Quem dá a formação?

Técnicos de Reinserção Social, cujas áreas técnicas não foram reveladas. Em todo o caso, vários elementos conhecedores desta realidade e contactados pelo Delas.pt referem a existência de “psicólogos” e “juristas”, podendo existir outros, nas equipas do PAVD.

Onde é dada a formação?

A DGSPRS não forneceu estes dados, mas fontes próximas do processo revelaram ao Delas.pt que “podem ter lugar nos serviços afetos à direção geral, um pouco por todo o país”. Consoante a dimensão do serviço, “pode haver equipas dedicadas”.


Recorde o perfil do agressor e da vítima

Releia a entrevista a Cristina Soeiro, responsável pelo Gabinete de Psicologia e Seleção na Escola de Polícia Judiciária.


Há avaliação no final? Como é que é feita?

A DGSPRS diz que sim: “Transversal a todas as fases do Programa decorre o acompanhamento da medida judicial (com envio de relatórios periódicos ao tribunal), o trabalho articulado com a rede comunitária e a aplicação, mediante participação voluntária, de protocolos de Avaliação do Impacto do Programa a sujeitos com obrigação judicial de frequência do PAVD (Grupo Experimental) e a sujeitos acusados/condenados pelo crime de “violência contra cônjuge ou análogos” a quem não foi aplicado o Programa (Grupo de Comparação).

Quantas pessoas já participaram?

“No final do ano de 2016 encontravam-se integrados no PAVD, ou já o haviam terminado, um total de 1.809 sujeitos. Destes, a maioria encontra-se em cumprimento de uma Suspensão da Execução da Pena de Prisão – 53% com Regime de Prova e 11% com Imposição de Regras de Conduta – , seguidos de situações de Suspensão Provisória do Processo (35%). Apenas 1% está no âmbito de uma Medida de Coação”, refere a Direção Geral.

A mesma entidade diz que, 
”durante os anos de 2014, 2015 e 2016, o PAVD foi aplicado respetivamente a 8.4%, 10.3% e 9,9% dos sujeitos acompanhados pelas ERS, pelo crime de Violência Doméstica “contra cônjuges ou análogos”.

E o que dizem os dados de 2016?

Só no ano passado, “a nível nacional, foram iniciadas um total de 402 novas penas/medidas com obrigação de frequência de PAVD”, conta a DGSPRS. E acrescenta: “Durante 2016, foram intervencionados, segundo a metodologia do PAVD, um total de 1.142 sujeitos com obrigação judicial de frequência do Programa”.

“Dos sujeitos ainda integrados em PAVD, 66% está na Fase 1 do Programa, 18%, na Fase 2, e 16% está na última Fase. 
Em 2016, foram concluídos 26 grupos Psicoeducacionais (com 228 sujeitos), tendo entrado em funcionamento outros 15 grupos que integram 162 arguidos/condenados que prosseguiram para 2017”. A direção Geral diz ainda que “a 1 de Janeiro de 2016, 814 sujeitos em PAVD eram acompanhados pelas ERS, que terminaram o ano a acompanhar 841 em PAVD (mais 27 sujeitos)”.

E as vítimas?

“O programa integra procedimentos de intervenção junto de vítimas/companheiras com o objetivo duplo de avaliar o risco de reincidência do agressor e proporcionar-lhes enquadramento por Entidade de Apoio à Vítima (EAV)”, refere a Direção Geral. Há, contudo, quem afirme que as vítimas estão a ficar de fora destes planos e que tal pode acarretar problemas. Daniel Cotrim, psicólogo e assessor técnico da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV), relata que “o PAVD pode encaminhar as vítimas, mas fazem-no quando consideram que elas precisam de apoio específico, como psicologia, e fazem-no tal como a polícia reencaminha vítimas de casos para nós (APAV). No entanto, não há permuta de informação no sentido de preparar a vítima ou de fazer a contextualização face ao que o agressor está a fazer no PAVD.”


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Quais são os resultados?

“Os dados científicos da avaliação do programa indicam que o programa para agressores de violência doméstica (PAVD) revela capacidade de neutralização dos ciclos de violência doméstica”, diz a DGSPRS. Esta entidade explica ainda que, com base no estudo liderado por Alexandra Serra, da CESPU, do Porto, “os agressores intervencionados diminuíram. na sua grande maioria, quer o respetivo grau de tolerância e aceitação relativamente à violência conjugal, quer o respetivo grau de legitimação da violência pela sua atribuição a causas externas”. Ora, “em conjugação com a intervenção transversal levada a cabo pelos Técnicos Superiores de Reinserção Social, conduz à diminuição do risco de violência doméstica”, analisa fonte oficial da Direção-Geral.

Há reincidências depois dos agressores frequentarem o programa?

Os vários especialistas contactados pelo Delas.pt alertam para o facto de estes programas “criarem uma falsa ilusão nas vítimas de que os agressores vão ficar curados e não é assim que isto se processa”. Daniel Cotrim diz ao Delas.pt que não existem dados coligidos sobre esta realidade, a DGSPRS também não adiantou quaisquer estatísticas sobre este tipo de situações”. No entanto, o assessor técnico da APAV e psicólogo lembra que “há mulheres que estão em casas-abrigo [da instituição] cujos companheiros frequentaram o PAVD e, mesmo depois disso, tiveram de fugir de casa e de se refugiar”. Portanto, prossegue Cotrim, “o programa não garante nada e por isso é que é tão importante acompanhar a vítima ao mesmo tempo que agressor frequenta o PAVD, por isso temos de trabalhar esta realidade de forma integral”. O psicólogo da APAV fala em “três a quatro casos de mulheres com quem a associação trabalha”.

Pode-se desistir do PAVD?

Segundo a lei, não. E a não comparência deverá levar os Serviços de Reinserção Social a informar o tribunal para que este reaprecie a pena. Daniel Cotrim diz que há desistências e que pouco ou nada é feito: “De acordo com os números da DGSPRS, apresentados no ano passado, tinham sido abertos 328 casos e o número de processos terminados eram 273, e não havia casos a transitar para o ano seguinte.” Portanto, insiste o psicólogo da APAV, “há um número de pessoas que desistem e interrompem o PAVD. Normalmente, informa-se o tribunal e, normalmente, opta-se pela suspensão provisória e há uma outra medida, que é – volto a dizer normalmente – uma pena de prisão”. Porém, afirma Cotrim, “a pena de prisão não decretada pelo tribunal nestes casos acaba sempre por ser uma “pena de prisão” (em casas-abrigo) para a vítima e de mais ano e meio, o tempo médio que uma mulher vítima deste crime precisa para se autonomizar”.

Plano para agressores alargado às prisões

Para quando o alargamento do PAVD ao contexto prisional?

“No decorrer do primeiro semestre do ano de 2017 foi alargado ao contexto prisional a resposta reabilitativa de combate e prevenção do fenómeno de Violência Doméstica (…) O programa a implementar em projeto-piloto, monitorizado e avaliado, em três estabelecimentos prisionais com maior número de sujeitos condenados por esta tipologia de crimes – não especificados ao Delas.pt pela DGSPRS -, é inspirado no seu homólogo comunitário e foi alvo das adaptações técnicas de contexto e ajustamentos na sua dinâmica para fazer face às características específicas da população privada de liberdade”, refere a DGSPRS.

Quais vão ser as diferenças?

“Consiste na aplicação de um programa de cariz cognitivo-comportamental, aplicado pelos Técnicos da Justiça e tem demonstrado, através de resultados apurados por instituição académica, efeitos positivos de neutralização dos ciclos de violência doméstica”, afirma a Direção Geral.Tem a duração de 6 meses de intervenção modelar, é composto por 30 sessões de intervenção em grupo e as sessões que o compõem têm um grau de intensidade crescente e são dirigidas aos principais fatores de risco de violência de género, entre os quais as crenças e os esquemas cognitivos que legitimam no agressor a sua conduta violenta”, esclarece a DGSPRS.

Programa CONTIGO: vítima e agressor em formação conjunta

O que é o programa CONTIGO (que está em curso nos Açores e na Comarca de Cascais)?

“O programa CONTIGO na rede regional contra a violência – Açores visa desenvolver dispositivos flexíveis e integrados vocacionados para a prevenção e combate à violência conjugal/género através de trabalho em rede de âmbito sistémico, agregando ações integradas quer sobre a realidade da vitima quer sobre a realidade do agressor”, diz fonte oficial da DGSPRS.


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Como funciona?

“Na prática, inicia-se aquando da deteção pela PSP/organizações de apoio a vítimas de uma situação de violência conjugal, seguindo-se intervenção especializada de proteção/suporte à vitima e o eventual encaminhamento do agressor, para um processo de reinserção social, mediante uma decisão judicial”, explica aquela entidade ao Delas.pt. E prossegue: “A verificar-se uma efetiva adesão dos candidatos ao Programa – as vitimas, de forma, naturalmente, voluntária e o agressor, mediante decisão judicial –, seguir-se-á para cada um, um percurso autónomo que implicará, eventualmente, uma ação nos vários domínios”.

Que domínios são esses?

“O processo de pré-estabilização emocional e combate a problemáticas aditivas quando tal se revele necessário, como por exemplo o consumo exagerado de bebidas alcoólicas perpetrado pelo agressor;
 a frequência de um módulo psico-educacional constituído por 18 sessões”, explica a DGSPRS.

E se a vítima e agressor ainda viverem juntos?

“A manter-se, eventualmente, um processo de coabitação entre vitima e agressor, ambos poderão participar em sessões de terapia familiar, que deverão envolver o casal e os eventuais descendentes, face ao impacto negativo gerado, por ocorrências de violência conjugal. Paralelamente, há lugar a uma monitorização da conduta do agressor”, afirma fonte oficial da DGSPRS.

Quantas pessoas já participaram?

“No decorrer do ano de 2016, frequentaram o programa CONTIGO nos Açores e na Comarca de Cascais um total de 234 arguidos/condenados a medidas judiciais”.

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