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Monarquia e casamento homossexual? “Para já, é um fait divers”, diz analista

[Fotografia: Jared Subia/Unsplash]

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A frase é de José Bouza Serrano, antigo diplomata, chefe de Protocolo de Estado, monárquico convicto e que privou com famílias reais europeias. Ao Delas.pt, o especialista, que editou um livro sobre a história da realeza europeia, olha para esta intenção dos Países Baixos e da Suécia sobre o casamento homossexual na Monarquia sem precisar de abdicar como “um fait divers. Pelo menos, “para já”, apesar de considerar que a ideia confere “ar de modernidade”.

Bouza Serrano considera mesmo que a ideia “não vai pegar”. “A natureza da instituição não vai permitir. Creio que vai ser qualquer coisa como ‘ai que modernos que são, mas não se usa”, antecipa ao Delas.pt.

A iniciativa – que não crê que se alargue a mais famílias europeias – põe em causa, na opinião do antigo diplomata, a própria instituição da Monarquia. “Não acho que venha ter grande sucesso nas outras cortes europeias”, vaticina.

“Vai contra a própria natureza da Monarquia e, sobretudo, subverte o esquema. Quando os reis e rainhas eram homossexuais, e há exemplos na História, havia a teoria dos dois corpos do rei: o da procriação e do corpo humano, com as suas fraquezas, as amantes por exemplo”, contextualiza o antigo diplomata. E recorda momentos da vida do príncipe Carlos: “Nas discussões com Lady Di sabe-se que ele lhe pergunta se ela queria que ele fosse o primeiro Príncipe de Gales que não tem amantes e quando andava já com a Camilla Parker Bowles”.

Diplomata José Bouza Serrano (Sara Matos / Global Imagens)

Mas entre amantes e descendência, não se está perante realidades diferentes? José Bouza Serrano crê que não porque defende que a sobrevivência da Monarquia mediante estas novas circunstâncias “terá de obedecer à tal teoria dos dois corpos do rei”. “Se houver pessoas do mesmo sexo, o herdeiro ou herdeira ao trono terá de fazer uma inseminação artificial. Se não já não será a mesma dinastia”, sublinha.

“Se sairmos do padrão genealógico, genético, será já outra família, outro padrão qualquer. E aí, impõe-se a questão: por que razão estamos a dar privilégios especiais a vidas particulares, se elas não descendem daquela dinastia e não reinaram durante séculos?”, indaga.

Então, como resolver? Pergunta, aliás, que permanece sem resposta quer por parte dos Países Baixos – que remete a decisão para quando a questão se colocar – e da Suécia.

Bouza Serrano vê saída nas soluções já conhecidas, mas dentro da realeza: “Há muitos casos de famílias reais que, na dificuldade de terem sucessão, fizeram tratamentos de Procriação Medicamente Assistida, mas dentro do casal e sem mães de aluguer. Aqui, mediante esta nova circunstância, creio que a solução pode passar por aqui, mas com escolha de dadores dentro das famílias reais.”

“Claro, a monarquia nos países mais progressistas vai correndo atrás do que a sociedade civil faz e este é um desses sinais”, analisa Bouza Serrano. Ora, e não é o afeto dos súbditos que legitima, também, a manutenção da instituição? “Mas a monarquia, ao não ser um sistema democrático em que basta nascer e não ir a votos, precisa que as pessoas tenham de ser amadas e adoradas pelo seu povo, e isso explica não só como funciona mas o certo fascínio que existe sobre as famílias reais, levando a que muitos países não a queiram perder. Agora, acho que [a medida] piora porque sai do padrão genético”, reitera Bouza Serrano.

José Bouza Serrano deixa bem claro que é “natural que as famílias reais se tenham de adaptar à legislação e enquadramento jurídico dos súbditos e cidadãos” e que é uma medida que vem “dar um ar de modernidade ao que é milenar”. “É um aggiornamento, mas que, em princípio, vai contra a essência e a natureza de uma instituição que tem ligações à igreja, em que nas várias doutrinas fala de um homem e de uma mulher a terem descendência”, lembra o antigo diplomata e autor de obra em torno das monarquias europeias.

Uma nova abertura à sociedade que agora se trava depois da luta de décadas para que as primogénitas tivessem igual acesso ao trono como os varões, algo que ainda não está definido em todas as casas reais, ou para que príncipes e princesas pudessem casar-se com plebeias ou plebeus. Batalhas bem longas no tempo.

“É verdade que há vários descendentes e todos eles casaram desigualmente, são casais heterossexuais normais, mas acaba por haver descendência e haver uma cadeia de família”, analisa.