Desigualdade salarial e cuidados na saúde materna preocupam nova geração de mulheres

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[Fotografia: Pexels/Gustavo Fring]

Têm entre 20 e 26 anos, exercem profissões distintas como arquitetura, fisioterapia, relações públicas e jornalismo, e querem, a propósito do Dia Internacional da Mulher, que se assinala esta quarta-feira, 8 de março, por no mapa lutas muito concretas no domínio dos direitos. Cada uma das jovens mulheres portuguesas ouvidas pelo Delas.pt escolheu, num mundo que olham – tal como todos os números indicam – como desigual, três principais prioridades. De todas, há um que se destaca: a desigualdade salarial. Das 11 opiniões auscultadas, a disparidade de rendimentos obtida por iguais funções foi enumerada em oito testemunhos, a liberdade da maternidade, a precariedade e os filhos como travão foram citadas por quatro destas mulheres, a segurança no espaço público por três.

Olhares que não deixam escapar problemas como o assédio, a violência doméstica, a sororidade e as questões ambientais.

“É muito difícil elencar somente três preocupações porque acredito que esses aspetos estão relacionados com os direitos das mulheres. Por exemplo, as jornadas de trabalho duplas ou triplas que as mulheres enfrentam diariamente. Além de terem a sua participação no mercado de trabalho, ainda falta a divisão de tarefas domésticas e há uma expectativa que as mulheres devem ser responsabilizadas por toda essa dinâmica doméstica. Além do peso do mercado de trabalho que faz com que as mulheres ainda ganhem 30% menos do que os homens, ainda há uma grande disparidade de salários”, lembra Brunna Baggio, de 26 anos e estudante.

“Os salários pagos a mulheres são uma discrepância em relação aos do homem. Ela é tão ou melhor profissional do que o homem em todas as tarefas e infelizmente não é tratada como tal”, destaca Filipa Quito, jornalista de 24 anos. Uma outra mulher, sob anonimato, arquitecta, de 24 anos, acrescenta: “A mulher e o homem devem ganhar consoante o seu mérito, não pelo seu género. É uma realidade que ainda existe em Portugal e acho que deve ser ultrapassada. A mulher continua a ter um papel bastante inferior, tendo em conta que às vezes tem o mesmo degree que o homem ou até superior e continua a ser bastante desvalorizada”.“Em arquitetura cada vez há mais mulheres e já reparei que isso também acontece na minha área”, lamenta.

“Desigualdade salarial e em termos de cargos”, acrescenta uma profissional da educação básica, com 24 anos, que lamenta o facto de “as mulheres não receberem o salário que devem tendo em conta a função que exercem e não terem o devido reconhecimento quando ocupam cargos desempenhados maioritariamente por homens”.

E se a falta de acesso a iguais rendimentos e cargos são motivos para angustiar estas jovens mulheres, na senda do que tem vindo a ser clamado na sociedade portuguesa, elas destacam o impacto que tal tem nas suas decisões pessoais. “Desigualdade salarial e de oportunidades de emprego relacionado com o facto das mulheres grávidas ficarem muito tempo fora e, às vezes, isso ser um entrave às contratações”, atira uma fisioterapeuta, de 25 anos, que preferiu o anonimato.

E é com esta invocação desta profissional da área da saúde que se entra toda uma nova realidade: a precariedade da saúde e o respeito por se querer ou não ser mãe. Realidades que estas jovens mulheres ouvidas pelo Delas.pt dão também ênfase.

Maternidade: cuidados de saúde e respeito por decisão pessoal

Que o diga Mariana Serrano, de 22 anos, relações públicas, que traça a preceito a imagem de uma implicação transversal. “A maternidade, ao nível da precariedade nos cuidados médicos e a falta de resguardo que as mães encontram no setor de saúde” é uma das preocupações desta jovem profissional. E acrescenta: “Por outro lado, a ausência de direitos no que toca ao não querer ser mãe e a inacessibilidade a medidas preventivas mais definitivas sobre o próprio corpo”. Por isso, vinca que, somadas estas duas “preocupações que se complementam pela ausência de cuidados quanto ao feminino”, tal “demonstra que o descaso não está apenas na escolha, mas sim no feminino”.

“Conheço o caso de uma senhora que trabalhava no restaurante de um hotel e engravidou. Como a sua gravidez era de risco foi recomendado que ficasse em casa, mas acabou por ser despedida porque não podia aparecer para trabalhar. Acho ridículo que situações como estas aconteçam porque não só desrespeitam o direito ao trabalho como também colocam em risco o índice de natalidade do país”, exemplifica e contextualização Sofia Pinheiro, que aos 20 anos, trabalha no gabinete de comunicação de uma associação cultural e elege a questão da gravidez e a forma como a sociedade lembra que os filhos pesam desproporcionalmente às mulheres. É exatamente isso que ressalta, aos 23 anos, uma jornalista que falou com o Delas.pt: “Ainda é esperado que uma mulher tenha que se desdobrar em casa, no trabalho, que se case e que tenha filhos, tudo dentro de uma certa idade. Preocupa-me porque os homens não sofrem este tipo de pressão e têm muito mais compreensão. Às mulheres isso é-lhes quase imposto através das famosas perguntas: “quando casas?”, “quando tens um filho?” ou então “já tens um, quando vais ao segundo?”. Acho que se devia respeitar a vontade e o tempo de todos os indivíduos, sejam mulheres ou homens”. Um sem fim de “pressões relacionadas com carreira, casa, relacionamentos e filhos”, como assinala.

E se a violência doméstica também é convocada para estas batalhas destacadas por estas jovens mulheres, o assédio no trabalho não fica de fora. Nem o assédio, nem a segurança. Quanto ao primeiro, Joana Filho, estudante de mestrado em busca da igualdade salarial e de oportunidades, de 21 anos, considera tratar-se de “uma preocupação”. “Ainda não me encontro no mercado de trabalho, mas ouvem-se tantos testemunhos sobre o assédio que me fazem estar mais alerta, caso me aconteça a mim ou a uma colega”, revela. Esta questão também é preocupante para a profissional de educação básica, mas alarga-a, invocando o facto de “as mulheres não se sentirem seguras quando saem à noite de forma mais arrojada por receio de serem alvo de críticas ou situações em que há tentativa de contacto físico por algum homem devido à roupa que usam”. ”Penso que poucas mulheres se sentem seguras à noite. Parece que todos os nossos sentidos entram em modo sobrevivência, mesmo em sítios iluminados, andar sozinha na rua à noite é algo que evito e se tenho mesmo de o fazer, então vou sempre atenta ao que me rodeia”, destaca Joana Fialho.

Sofia Pinheiro também convoca atenções para esta realidade da insegurança. “Li uma vez que o desejo mais comum de todas as mulheres é algo tão simples como ir passear à noite na rua. Algo tão simples, mas que desejamos tanto e queremos tanto fazê-lo sem medo. Acho que todas as mulheres já desejaram isso pelo menos uma vez na vida. Aliás, está provado em números e dados já recolhidos: ser mulher acarreta muito mais insegurança do que ser homem. Claro que depois aumenta a gravidade quando estas mulheres pertencem à comunidade LGBT ou têm etnias diferentes”, lembra a assessora de uma associação cultural.

“A mulher ainda é a vítima preferida da opinião pública”

“A mulher ainda é a vítima preferida da opinião pública, a vítima preferida da sociedade”, acrescenta e prossegue: “Uma mulher é julgada por se vestir de uma forma mais reveladora ou por se vestir muito à homem. A mulher é julgada se quiser ter filhos, mas também é julgada se não quiser ter filhos. É julgada se for mãe e quiser ficar em casa, mas também é julgada se for mãe e quiser ir trabalhar. Este tipo de julgamento permanece nos dias de hoje. É um bocado moda e funciona em tudo, isto é, consegues adaptar tudo para julgar todo o tipo de mulheres, seja em qualquer tipo de área.”

“Sororidade”, pede uma das jovens jornalistas de 23 anos ouvidas pelo Delas.pt. “O crescente “ódio” que vemos nas redes sociais de mulheres contra mulheres preocupa-me. Todas defendemos a igualdade de género mas, quando alguma mulher falha, outras mulheres são as primeiras a julgá-la. Só mudaremos alguma coisa se também fizermos por isso”, sublinha. Jornalista, de 23 anos, clama pelo “acesso a informação sobre sexualidade, desmistificação de preconceitos em relação ao corpo da mulher (como o ciclo menstrual, por exemplo), porque crescemos com a normalização da sexualidade dos rapazes e a nossa é feita constantemente um tabu”.

Por isso, é preciso que as mulheres se façam representar no espaço de poder. Uma exortação feita por Bruna Baggio e no sentido de colocar “as mulheres a participarem mais nas tomadas de decisões a respeito dos seus próprios direitos, em relação aos direitos reprodutivos, do próprio corpo, do direito à educação, nas questões de higiene menstrual. São todas questões extremamente importantes para entender o nosso papel na sociedade, na importância de se debater isso em todas as esferas, seja local, estadual, nacional”. Uma luta que tem de ser travada o mais rapidamente possível, porque não faltam novos desafios e batalhas ao virar da esquina. Entre eles, a questão climática e a forma como se vai fazer exercer, mais uma vez de amplitude desproporcional, sobre as mulheres. “Principalmente em países em desenvolvimento, onde o peso da crise climática é muitas vezes mais intenso sobre as mulheres, de terem que buscar comida, se abrigarem. Têm sobre si a responsabilidade por todo o caos que foi e não se conseguem de facto empoderar”.

Quem também olha para fora de portas é a arquitecta de 24 anos. “Há um paralelo no mundo também ligado um pouco à religião, e que muitas vezes nos passam ao lado. Falo daquelas famílias que já têm casamentos prometidos motivados por interesses religiosos e que pode surgir o facto de um deles ou até ambos nem se quererem um ao outro. Já para não falar também das várias realidades paralelas à nossa que ainda não chegaram à mentalidade que temos, como as mulheres se vestirem contra a sua vontade e “se esconderem” por trás de burkas”.

Com Cláudia Rodrigues e Inês Malhado