Despedimento ilícito pode ser alargado às vítimas de assédio

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O assédio no local de trabalho afeta mais as mulheres do que os homens [Fotografia: Shutterstock]

Portugal tem mais do triplo de vítimas de assédio moral do que a média europeia, uma realidade que atinge mais as mulheres do que os homens. Dados – recolhidos e publicados num inquérito levado a cabo pela Comissão para a Igualdade no Trabalho e no Emprego (CITE) – e que levaram o Bloco de Esquerda a preparar um Projeto de Lei em torno desta realidade. Um diploma que quer levar a discussão no Parlamento, a 18 de janeiro.

Para o PS e para a deputada Isabel Moreira – também ela vítima de assédio no trabalho no início da carreira -, a disparidade da realidade portuguesa face à Europa (também confirmada pelo Working Condition Survey, que aponta para os 2%) e as “centenas” de mensagens que recebeu relatando testemunhos semelhantes, levaram-na a apresentar, na sexta-feira, 13, também um projeto no mesmo sentido.

Neste momento, o assédio moral e sexual é punível por lei e constitui contraordenação muito grave, mas para os parlamentares é preciso ir mais além nesta matéria. Com medidas distintas nos projetos-lei, os documentos preveem uma maior proteção disciplinar para as testemunhas, a anulação de obrigatoriedade de haver um trabalhador nas mesmas circunstâncias para que haja um processo, empresas mais responsabilizadas e reforço da fiscalização.

Regras mais apertadas para empresas

PS e BE estão de acordo num ponto: o trabalhador que seja vítima de assédio no local de trabalho – e seja despedido na sequência disso – deve ter direito a indemnização.

“Quando o trabalhador se despede e mesmo que se prove posteriormente que foi vítima de assédio, queremos que isso seja considerado uma doença resultante do contexto profissional, com custos imputados à empresa”, afirma José Soeiro.

Para o deputado bloquista, “um trabalhador que saia da empresa na sequência de um processo de assédio moral, essa mesma saída deve ser considerada despedimento ilícito, e daí devem decorrer os direitos que geralmente são aplicados nessas circunstâncias”.

No projeto do BE consta ainda a intenção de transferir a responsabilidade da Segurança Social para a entidade empregadora sempre que o assédio seja causa de risco de doenças profissionais.

“Queremos reformular o artigo do Código do Trabalho, evidenciando de forma mais explicita e direta o direito à indemnização e constituir contraordenação muito grave”, afirma Isabel Moreira.

As sanções aos empregadores constituem eixos da proposta do BE, que propõe medidas que vão desde o custo da imagem até à inibição de participar em concursos públicos. “Entendemos que deveria ser agravado o quadro sancionatório às empresas que são acusadas de assédio. Prevemos novas formas, imputando-lhes custos de imagem através da criação de uma listagem pública em site oficial onde figurem, pelo menos por um ano, as que foram condenadas por assédio. Há depois sanções acessórias como não poderem aceder a concursos públicos”, especifica o deputado bloquista. Só pela punição das empresas, “que são sempre quem beneficia com a saída, por assédio moral, de um trabalhador”, é que, defende José Soeiro, uma parte desta realidade pode mudar.

Obriga a empresa a ter um cuidado maior com a promoção de relações saudáveis entre trabalhadores, responsabiliza-a. Atualmente, o assédio moral compensa, uma empresa que se queira a ‘ver livre’ de alguém, poderá fazer tortura psicológica e não há lugar a indemnização”, diz Soeiro.

Em matéria de contraordenações, Isabel Moreira também propõe um agravamento das sanções:

“Com o intuito de contrariar a inércia, um dos deveres do empregador passa por adotar códigos de boa conduta no que diz respeito ao assédio trabalho e instaurar processos disciplinares. Acautelando que o incumprimento constitui contraordenação grave.”

Fiscalização mais apertada

“As entidades fiscalizadoras, quer no contexto laboral no setor privado – por via da Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT) -, quer na função pública (Inspeção Geral de Finanças), devem disponibilizar endereços eletrónicos próprios para receber queixas e identificação de práticas de assédio”, defende Isabel Moreira.

A deputada socialista quer também alargar esta informação “à identificação de medidas de combate e reação” e quer que aquelas entidades “incluam, no seu relatório anual, os resultados estatísticos resultantes da atividade desenvolvida ao longo do ano”.

Matéria “silenciosa, muda”

Para o deputado bloquista José Soeiro há uma “grande discrepância entre o peso da realidade dos trabalhadores que identificam o assédio moral face aos que recorrem às instâncias para fazer face a este fenómeno”, diz, enumerando:

“Em 2013, a CITE recebeu três queixas por assédio moral, em 2014 cinco e em 2015, oito”. “Isto é um indicador de que o enquadramento que existe, seja ao nível legislativo, seja ao nível da eficácia na intervenção, é claramente insuficiente porque não está a permitir às vítimas fazerem valer os seus direitos”, conclui o deputado bloquista.

“Um número muito reduzido”, considera o parlamentar, “devido ao contexto de precarização do mundo de trabalho, que inibe as pessoas e as induz pelo medo, levando-as a que não se sintam em condições de fazer valer os seus direitos”, afirma.

Isabel Moreira completa: “Quando a TVI24 exibiu, em julho do ano passado, uma reportagem sobre o tema, a maior parte das pessoas nem sequer sabia que estava perante um crime”.

“Esta é uma matéria silenciosa, é muda por causa do medo e das represálias, mas que atinge milhares de pessoas. O assédio mata laboralmente”, recorda a socialista e primeira subscritora deste projeto-lei.

A sua presença nesse trabalho acabou por trazer até si centenas de relatos, testemunhos que nunca chegaram a ser denunciados às autoridades competentes.

A ACT também reporta um número baixo nesta matéria. Em 2015, de acordo com o relatório publicado no site, foram feitas 3 advertências e registadas 12 infrações no capítulo do assedio moral.

Isabel Moreira crê que uma parte do trabalho já está adiantada, mas longe de estar concluída: “Já tinha havido um progresso na legislatura passada, quando se criou o crime de perseguição – inclui o assédio no local de trabalho.

“Agora, esta iniciativa vem contribuir para esse esforço legislativo e para a análise de dispositivos legais no setor privado e na administração pública”, salvaguarda Isabel Moreira. Soeiro crê que “o código legal que existe para a proteção das vítimas e das testemunhas está, ele próprio, aquém do que seria necessário”.

Fenómeno atinge mais as mulheres do que os homens

Atualmente, recorde-se, o assédio moral e sexual no local de trabalho é punível com contraordenação muito grave. Uma realidade que está a afetar muito mais as mulheres do que os homens. De acordo com o estudo promovido pela CITE e feito pelo Centro Interdisciplinar de Estudos de Género (CIEG), Do Instituto de Ciências Sociais e Políticas (ISCSP), em 2015, “as mulheres são o alvo preferencial destas duas formas de assédio [moral e sexual] no local de trabalho”.

Mais de 14,4% das 1243 inquiridas declarou ter sofrido de assédio sexual, face a 8,6% dos 558 homens que participaram no estudo.

Em matéria de assédio moral, os números estão mais equilibrados, mas são de uma diferença gritante face à média europeia: “16,7% das mulheres já experimentou uma situação de assédio moral contra 15,9% de homens”, lê-se no documento do CIEG.

Apesar da disparidade de inquéritos ser grande ao nível do género, os responsáveis do estudo salvaguardam que se tratou de uma sobrerrepresentação feminina deliberada. “O inquérito foi elaborado de forma que os resultados pudessem ser comparados com os do inquérito aplicado em 1989 relativamente ao assédio sexual sobre mulheres.”