Detox digital: confesse, está mesmo a precisar de se desligar

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Passe uns dias sem computador ou smartphone e (re)aprenda a valorizar a presença dos outros, assim como a contactar com o seu próprio “eu”. Sim, o tédio, por vezes é medicinal.

Independentemente da profissão, um adulto nos países desenvolvidos assiste em média a 4,5 horas de televisão diariamente e fica mais de seis atracado a computadores, tablets ou smartphones. A adição a estes últimos já deu até origem a um termo, nomofobia – a angústia de ficar sem comunicar através de dispositivos eletrónicos que dão acesso a redes sociais como o Facebook, Twitter, Instagram…

A má notícia é que um estudo levado a cabo este ano pela Faculdade de Medicina da Universidade de Pittsburgh, realizado com jovens adultos entre os 19 e os 32 anos, demonstra que aqueles que visitam redes sociais mais frequentemente durante a semana têm uma probabilidade 2,7 vezes superior de desenvolver depressão do que aqueles que passam menos tempo a ver o que se passa no Facebook, ou noutra rede social.

Outra pesquisa publicada no Journal of the American College of Cardiology admitiu que passar demasiado tempo em frente ao ecrã duplica o risco de se ser internado com doenças cardíacas, além de conduzir a desordens ao nível do sono, peso e depressão.

Isto para não falar nas tendinites, dores crónicas nas cervicais, nevralgias e inúmeras complicações ao nível da coluna vertebral, decorrentes do uso de toda esta parafernália que traz inúmeras vantagens, como trabalhar à distância, falar com amigos e familiares que vivem no outro lado do globo ou aceder a informação útil a velocidades brutais, mas pode levar-nos a viver num mundo de ilusões.

Vício ou necessidade?
Definir a linha ténue entre o uso excessivo e a dependência é difícil. Para David Greenfield, fundador do Centro de Vício pela Internet e Tecnologia, nos Estados Unidos, um indivíduo começa a entrar no território da adição quando não para de usar o telemóvel, mesmo quando o ato lhe prejudica por exemplo uma reunião de trabalho, o jantar com a namorada ou o coloca em perigo ao volante. E, sejamos realistas, por vezes há que parar: várias pesquisas demonstram que libertar-nos temporariamente das novas tecnologias incentiva a criatividade e a compreender que a amizade não se faz de meia dúzia de likes no Facebook, ou seja que a vida digital serve apenas de máscara para uma vida social meramente virtual.

Mais: “o tédio por vezes é essencial para nos compreendermos melhor a nós, às nossas necessidades, medos e desejos”, diz o jornalista brasileiro Pedro Brugos, autor do best-seller ‘Manual para a Vida Digital Saudável’ (2014). Após descobrir que 40% das horas que passava em frente do computador (e ele passa muitas!) eram gastas em em ações não-produtivas, decidiu fazer um “total detox” e descrever a experiência.

Foi na altura em que realmente necessitou concentrar-se para cumprir os prazos acordados com a editora que descobriu o que chama “a hora do banho”. “É o momento em que entramos dentro de nós e quando nos desfazemos do multitasking – que quanto a mim é um mito – que surgem as ideias mais fabulosas”, afirma. “Muita gente que conheço admite que os melhores projetos também lhes surgem num dos poucos momentos em que estão sozinhos e sem distrações: no banho”. Outros preferem o jogging, a meditação, o ioga ou ciclismo – desde que longe do Wi-Fi. Por isso, escolha a sua hora de limpeza mental. Como o escritor e filósofo suíço Alain de Botton apregoa “há o tempo para fazer e o tempo para criar”.

Offline em Aljezur
O uso excessivo em especial dos smartphones já está a dar que falar por todo o mundo: especialistas dizem que são cada vez mais comuns os casos de “text neck” – “pescoço de texto” em tradução livre -, dores na cabeça ligadas a tensões na nuca e no pescoço causadas pelo tempo inclinado para visualizar o ecrã. Outro é o “olho fantasma”, síndrome que pode levar à nevralgia occipital – dor na parte de trás da cabeça, que se estima possa já atingir 30% dos utilizadores compulsivos.

Têm, por esse motivo, nascido “clínicas de detox” um pouco por todo o mundo ocidental. Em modo português suave surgiu este ano a Offline House, espaço de reflexão e diversão, onde tecnologia fica à porta: telemóveis, tablets, computadores… Pelo menos essa é a proposta de Rita Gomes e Bárbara Miranda, as responsáveis pela unidade hoteleira em Aljezur, procurada tanto por portugueses como estrangeiros, sobretudo na casa dos 30 (mas também por alguns pais com vontade de desintoxicar as crias), em busca do contacto com a natureza e com outros seres humanos em direto e sem o filtro de um ecrã.

“Propomos uma série de atividades como ioga, música, surf, jantares conjuntos”, explicam. Antes dos clientes entrarem oferecem uma espécie de manual para que eles se sintam mais seguros e a família saiba onde se encontram. “Sugerimos, por exemplo, que as pessoas coloquem uma mensagem nas redes sociais para que os amigos conheçam o seu paradeiro e saibam como nos contactar em qualquer emergência,” dizem. “De forma geral só no primeiro dia é que se denotam ansiedades, mas com o passar do tempo reparamos que vão lendo mais livros e convivendo mais uns com os outros”.

Talvez não seja alheio a esse apaziguamento o facto de a oxitocina, hormona chave para a felicidade, ser libertada quando se praticam desportos, dançamos e abraçamos alguém.
“Não somos radicais”, explicam Bárbara e Rita, “mas procuramos que as pessoas se tornem mais moderadas, especialmente no que toca às redes sociais e que aprendam depois das férias a desligar as notificações nos seus telemóveis e, à noite, a verificar menos vezes os e-mails – este tipo de atitude só lhes trará melhor qualidade de vida”.

Do digital ao real
Inês Matos, 33 anos, designer de comunicação a residir em Dusseldorf confirma-o: “Fui ao retiro durante quatro dias por achar piada ao conceito, e por não me sentir confortável no meu atual emprego, mas gostei tanto que acabei por ficar mais um dia”. De volta à Alemanha recusa-se a abrir o computador à noite com tanta frequência, sente-se mais calma e relaxada. As relações sociais ganharam vida. “Desliguei-me do Messenger e do Facebook; sentia-me sozinha, estava muito fechada e agarrava-me a estas ferramentas”, conta. Os amigos notam uma diferença grande – nunca para entre aulas de alemão, de ioga e os concertos a que vai.

Inês reaprendeu o prazer que é estar com os outros, jogar jogos de tabuleiro, arriscar aulas de surf, e como choveu na estada a “dedicar-se à introspeção”, conta. “Inicialmente achei assustador, mas acabou por ser bom. Pensei mais em mim e nas minhas necessidades, falámos sobre livros e sobre a vida. Até fiz amigos que já reencontrei na Alemanha. Quando saí no último dia, ao chegar ao carro, só conseguia chorar porque a partir daí teria que enfrentar a realidade”. Mas já lá vão uns meses e o seu quotidiano não para de melhorar. Em suma, como resumem Rita e Bárbara, “tudo está bem quando estamos bem e isso passa por não nos refugiarmos por detrás de um computador!”