‘Detroit’: Como Kathryn Bigelow nos faz pensar nos problemas raciais de hoje

‘Detroit’, o novo filme da realizadora americana Kathryn Bigelow chega esta quinta-feira, 14 de setembro – em estreia antecipada uma semana -, às salas de cinema nacionais.

Inspirado em acontecimentos reais e produzido como uma espécie de híbrido entre ficção e documentário, ‘Detroit’ parte do contexto dos tumultos que abalaram a cidade no verão de 1967 para se centrar no caso do Motel Algiers, ocorrido na noite de 25 para 26 de julho desse ano. Nessa noite, várias forças policiais interrogaram os hóspedes, quase todos negros, recorrendo a um “jogo de morte” numa tentativa de intimidação. Resultado: três homens abatidos a tiro e outros homens e mulheres brutalmente agredidos e aterrorizados.

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Toda a brutalidade passada entre as paredes daquele motel, mas também a vivida, à época, nas ruas da maior cidade do Michigan, é mostrada, sem filtros, por Kathryn Bigelow. A sequência dos acontecimentos é revelada quase sempre de forma crua, sem grandes interlúdios. A componente mais dramática do filme e o pouco que é dado a conhecer sobre cada uma das personagens vão-se revelando através da ação, servida em mais de duas horas de tensão permanente. Como se o espetador estivesse, tal como elas, confinado às paredes daquele motel, sem conseguir sair daquele círculo de abusos e violência – um círculo que prende vítimas e carrascos.


Na fotogaleria, em cima, pode ver imagens das cenas do filme.


A realizadora, que recorreu a imagens reais da época, volta, neste filme, a abordar acontecimentos recentes da história americana. Em dez anos, as suas principais longas-metragens, abordaram a Guerra do Iraque (‘Estado de Guerra’, em 2008, que lhe valeu os Óscares para Melhor Filme e Melhor Realização) e os dez anos entre os atentados de 11 de setembro e a morte de Bin Laden (’00:30 – A Hora Negra’, 2012)

Em ‘Detroit’, Kathryn Bigelow, a primeira mulher a ser distinguida pela Academia na categoria de Melhor Realizador, contou com uma nova geração de atores, onde se destacam John Boyega (‘StarWars: O Despertar da Força’), Will Poulter (‘O Renascido’), Algee Smith (da série de TV ‘Complications’) ou Jacob Latimore (‘Beleza Colateral’).

Os tumultos de Detroit de 1967, sobre os quais passam agora 50 anos, são considerados dos mais violentos e destrutivos da história dos EUA. Ao fim de cinco dias de confrontos, com cerca de sete mil soldados da Guarda Nacional e do Exército envolvidos, contabilizaram-se 43 mortos, 342 feridos e cerca de 1400 edifícios queimados.

Uma história com 50 anos com eco em polémicas atuais

Apesar das diferenças temporais, culturais e históricas sobre os acontecimentos que o filme retrata, ‘Detroit’ estreia-se em Portugal uma semana depois de o Ministério Público ter pedido a suspensão imediata dos 18 agentes da esquadra de Alfragide (Amadora) acusados de tortura, racismo e injúria contra seis jovens de origem cabo-verdiana da Cova da Moura.

Cá como lá, o racismo e as tensões raciais continuam na ordem do dia, seja sob a forma de abuso policial – a que se refere o filme e o caso português da esquadra de Alfragide – seja pela ascensão de grupos de extrema-direita um pouco por toda Europa e também nos Estados Unidos.

A manifestação de supremacistas brancos, em Charlottesville, no estado da Virgínia, em agosto passado, que provocou a morte a uma ativista, veio agitar ainda mais a discussão sobre os direitos das minorias e lançar o debate sobre até que ponto eles estão realmente assegurados.

Na América, a discussão do tema é de tal forma abrangente que leva a questionar, inclusivamente, a autoridade moral da realizadora Kathryn Bigelow e do argumentista Mark Boal, ambos brancos de fazerem um filme sobre parte da história da comunidade afro-americana, como dá conta Owen Gleiberman, o editor de crítica de cinema da revista Variety, num artigo intitulado ‘Deverão os Cineastas Brancos contar a História de Detroit’.


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O crítico conclui que o problema advém da “falta de diversidade entre os realizadores, produtores e dos executivos com poder de decisão” e de tal “continuar a ser um facto duro e escandaloso”, em 2017. Se não há realizadores afro-americanos a fazerem esse tipo de filmes, isso “emerge do facto de não haver realizadores negros suficientes em Hollywood‘, conclui o crítico.

 

Ana Tomás

Imagens: Fotografias Promocionais/ DR