Diário de uma voluntária, cap. IV, de Lesbos com Amor

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No dia em que se celebrou o amor, fui à praia perto do aeroporto de Mitilini.
Os coletes salva-vidas ainda visíveis são o símbolo da presença das milhares de pessoas que já passaram por Lesbos e cujas histórias ficaram por contar. São objetos que testemunham a dimensão desta tragédia humana. Uma tragédia que tem sido atenuada pelo trabalho de pessoas que se recusaram a ficam indiferentes.
Hoje dedico este capítulo à comunidade de voluntários reunida em Lesbos. Eles são o símbolo de que o amor é mais forte do que os muros e as fronteiras, que a guerra e o poder dos governantes. Ajudam onde a ajuda é necessária. Trabalham até à exaustão, em turnos de 16 horas. Tiram do mar refugiados em risco de vida, oferecem-lhes comida, roupas secas e cuidados médicos. São guerreiros do amor. Combatem a inércia dos governos e a incapacidade das organizações. Recebem com um sorriso pessoas que perderam tudo, que assistiram à destruição das suas casas e sentiram na pele o poder das armas. Às vezes, perante tanta miséria desanimam e entram em guerra com eles próprios. Questionam se a ajuda que oferecem àqueles refugiados será suficiente para aliviar a viagem de sofrimento que ainda os espera? E como dizer a estas pessoas que sonham com a terra prometida, que esta terra não os quer? Que a Europa está a fechar as suas fronteiras, que não tem um plano para os acolher e que, muito provavelmente, quando e se chegarem ao tão sonhado destino serão deportados?

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Até agora, e já lá vai uma semana que estou na Grécia, uma das coisas que mais me impressionou, foi a dedicação das centenas de pessoas oriundas de todo o mundo, que vêm para Lesbos com a missão de se colocarem ao serviço dos outros. Já contactei com voluntários que tinham previsto ficar 2 semanas e já estão aqui há 3 meses. Vi uma mãe que viajava sozinha com 7 crianças e 2 voluntários que se predispuseram a fazer a viagem com ela, a pé, até à fronteira com a Macedónia. Acreditam que o amor pode combater a indiferença e que ninguém merece morrer no mar à procura de um melhor destino. Há uma semana que não chegam barcos e o campo de refugiados de Moria está calmo. Mas os voluntários não baixam os braços. O tempo é aproveitado para fazer limpezas e organizar os armazéns. A maior parte deles diz que esta experiência vai ficar-lhes para a vida. Que já viram mais sofrimento do que qualquer ser humano deveria ver. Que é impossível ficar indiferente.
Assistir a este trabalho e fazer parte dele faz-me pensar se será possível transferir esta energia para o nosso dia-a-dia. Será que são necessárias situações extremas para que os nossos corações acordem? Todos os dias testemunhamos a forma como as pessoas se superam, assistimos à resiliência do ser humano e aos milagres que ele é capaz de realizar. Os voluntários em Lesbos têm mostrado que o coração da humanidade ainda bate. Que a humanidade ainda pode contar com ele.