Diário negro de uma empregada de loja portuguesa em época de saldos

Percorra a galeria e veja como o dia-a-dia dos colaboradores de loja muda. O número de horas que trabalham a mais e a paciência que é preciso ganhar [Fotografias: Shutterstock]

Os saldos começam sempre em alturas diferentes: há a data dos clientes e a data dos trabalhadores. Para estes, este período de azáfama começa, pelo menos, uma semana antes. O armazém é dividido em peças de nova coleção e vestuário em saldos. Falamos ainda de duas secções: homem e senhora, excluindo aquelas que têm secção de criança.

A disposição da loja fica diferente. As peças são penduradas na lateral e já não ficam dispostas em “frontais”. Tal acontece para que caibam mais peças de roupa, mais tamanhos e mais cores numa única parede de loja. Um trabalho que começa a ser feito dias antes e o ideal é ter lugar fora de horas. Chegam a ser criados turnos especiais, como por exemplo entrar às cinco da manhã para uma loja que abre às dez.

As paredes são organizadas por modelos e preços. Por exemplo, uma parede só de camisas com uma cartelaria (indica os preços) “desde €5,99” são colocadas camisas com preços a partir desse valor até outro preço qualquer superior. Outra de calças com cartelaria “desde €9,99” e outra de T-shirts “tudo a €3,99”, por exemplo. Mobiliário mais pequeno, como mesas ou charriots, têm lotes de menor dimensão para que possam ser apresentados com cartelaria a dizer “Tudo a x”. Estas soluções ajudam na arrumação dos artigos e a manter a loja “limpa” de roupas no chão. Também este processo começa dias antes.

Quando há baixas de preço, estas só podem ser feitas com a loja fechada. Portanto, há no mínimo quatro colaboradores que a partir das 23.00 horas (normalmente a hora de que se baixam as grades) têm que etiquetar peça a peça com o novo preço. É preciso muita atenção porque, caso nos enganemos no preço e a peça seja etiquetada com um valor inferior, terá de ser vendida assim. Com isto a loja perde dinheiro. E todos os cêntimos contam.

Em altura de etiquetagens, quando há baixas de preços em que mais de metade da loja é composta por peças em saldos, as horas são pagas. É feita uma estimativa e, normalmente, um colaborador full-time começa a trabalhar as 15.00 horas, com uma hora de saída prevista para as 3.00h da manhã. Normalmente saem as 4.30/5.00horas da madrugada.

A reposição está sempre a sair. Estamos sempre a vender, portanto estamos sempre a encher a loja com roupa. Ao mesmo tempo, temos que etiquetar todas as peças com os preços corrigidos antes de as pendurar no cabide, pronta para venda.

Há mais roupa no chão do que propriamente pendurada e arrumada.

Não é fácil manter a loja bem recheada com roupa quando nos abordam para tudo: “tem este tamanho?”, “esta peça está a onde?” , “o preço é mesmo este?”.

A mobilidade dentro da loja fica muito dificultada, parecendo que não há lugar para todos. É bom lembrar que, para um empregado de loja, é muito difícil andar com roupa nos braços, o que tira quase completamente a visibilidade.

Por norma, as lojas têm sempre poucas caixas para estas alturas de comércio. Seriam necessárias pelo menos umas cinco para evitar filas, e todos tinham que trabalhar a um bom ritmo.

Na caixa, duas peças iguais com preços diferentes geram sempre conflitos. É a altura em que os clientes mais reclamam. Nestes casos é um pouco ridículo, porque a peça pode ser igual mas as duas são independentes uma da outra. Por exemplo, uma é o tamanho L e outra o M. O preço original de saldo é €9,99. O tamanho L está a €2,99 e o tamanho M a €9,99. Normalmente, o cliente quer o médio ao preço do large, que é o errado por engano da casa. Ora, nestes casos assumimos o erro e se o cliente quiser levar a peça que está a €2,99 tudo bem, se não, a outra tem mesmo de ser vendida ao preço que está marcado . Não é possível fazer o ajuste de preço ali. Contudo, é importante lembrar que se trata da re-etiquetagem de enormes quantidades de preço e há sempre margem para erros. Afinal, não somos máquinas. No entanto, sabemos assumir o erro, mas com regras.

A hora de fecho em centros comerciais é, geralmente, às 23.00 horas. No entanto, em época de saldos, tal nunca acontece. Há sempre clientes que ficam a ver roupa e a experimentar tudo. A fila tem que ficar sem ninguém e, para que se possa fechar a a grade, é preciso que todos saiam, incluindo aqueles que estão nos provadores. Muitas vezes, estes parecem não ter relógio por perto nem, em situações limite, bom senso.

A partir do momento em que a loja fecha, é preciso arrumá-la, apanhar a roupa do chão, dobrar e manter tudo impecável para o dia seguinte. As limpezas ficam a cargo de uma especialista, que chega pelas 7.00 horas da manhã do dia seguinte. No entanto, muito antes disso é preciso apanhar toda a roupa e cabides do chão e pendurar tudo no devido sítio. E por ordem: por preços, em degradé de cores e mantendo os charriôts e os armários bem cheios de roupa. Ora, essa é a função dos colaboradores do turno da noite. E se este geralmente termina pela meia-noite, nestes dias essa hora é apenas uma miragem. Pouco importa se tudo fica arrumado pelas 3.00 horas da madrugada. Nem todas as lojas pagam estas horas extra ou criam soluções para que possam ser usadas em benefício do trabalhador noutras alturas.