Dilma avisa Senado que a sua destituição vai abrir “terrível precedente”

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Dilma Rousseff no discurso perante o Senado (REUTERS/Ueslei Marcelino)

Dilma Rousseff fez, esta segunda-feira, o seu discurso de defesa perante o Senado brasileiro, no âmbito do julgamento que encerra o processo de destituição iniciado em maio.

Na sua última intervenção naquela instituição, antes de os senadores decidirem se o seu afastamento da presidência será definitivo, Dilma voltou a afirmar a sua inocência e a classificar de “golpe” e de “clamoroso desvio de poder” o impeachment de que é alvo.

“Venho para olhar diretamente nos olhos de vossas excelências e dizer, com a serenidade dos que nada têm a esconder, que não cometi nenhum crime de responsabilidade. Não cometi os crimes dos quais sou acusada injusta e arbitrariamente”, afirmou no início do discurso.

Classificando toda esta ação de antidemocrática, Dilma Rousseff lembrou que foi eleita, para um segundo mandato, em 2015, por “mais de 54 milhões de votos” e avisou que, não é apenas o Brasil, que está atento a este processo, mas também “o mundo e a história”, que aguardam o seu desfecho.

Em relação às acusações de irregularidades fiscais, que estão na origem do pedido de destituição, defendeu-se com a fraca sustentação das provas apresentadas, alegando que os seus decretos foram assinados antes das alterações feitas pelo Tribunal de Contas da União (TCU). “Há uma tentativa de dizer que cometi um crime antes da definição da tese de que haveria um crime. Uma tese que nunca havia surgido antes”, criticou, reafirmando que não praticou nenhum ato ilícito, nem agiu “dolosamente em nada”. “Os atos praticados estavam inteiramente voltados aos interesses da sociedade. Nenhuma lesão trouxeram ao erário ou ao património público”, defendeu.

Para a Presidente, afastada do cargo há quatro meses, os argumentos usados para defender este impeachment são “apenas pretextos” para derrubar “o governo de uma mulher que ousou ganhar duas eleições presidenciais consecutivas”.

Em causa, disse, estão as conquistas feitas nos “últimos 13 anos”, nas áreas sociais, do trabalho e da educação, e o facto de terem sido o seu governo e o de Lula da Silva que criaram condições e leis para melhorar o combate à corrupção, apesar do envolvimento de vários ministros do seu partido, e do próprio Lula, em processos de desvio de dinheiros públicos.

“Contrariei, com essa minha postura, muitos interesses. Por isso, paguei e pago um elevado preço pessoal pela postura que tive”, afirmou, lançando acusações ao ex-presidente da Câmara dos Deputados, Eduardo Cunha, que impulsionou o processo de impeachment mas foi entretanto afastado por envolvimento no escândalo de corrupção da Petrobras.

Acompanhada, na sessão, pelo ex-Presidente Luiz Inácio Lula da Silva, por dezenas de ex-ministros do seu Governo e por apoiantes, como o cantor Chico Buarque, Dilma Rousseff foi presente aos senadores na qualidade de ré. Eles, por sua vez, serão os juízes que amanhã votarão e decidirão, também com base nos relatos das testemunhas ouvidas o futuro do seu mandato no processo de destituição.

Essa mistura de justiça com política, que levou a que testemunhas, tanto do lado da defesa como da acusação, passassem à condição de informantes por serem pouco imparciais, não foi esquecida no discurso, com Dilma a comparar os seus adversários políticos com aqueles que ao longo da história foram derrubando governantes democraticamente eleitos e o julgamento com a sua experiência durante a ditadura.

“Este é o segundo julgamento a que sou submetida em que a democracia tem assento, junto comigo, no banco dos réus. Na primeira vez, fui condenada por um tribunal de exceção. Daquela época, além das marcas dolorosas da tortura, ficou o registo, em uma foto, da minha presença diante de meus algozes, num momento em que eu os olhava de cabeça erguida enquanto eles escondiam os rostos, com medo de serem reconhecidos e julgados pela história”, recordou emocionada.

Dilma referiu que, apesar das diferenças com o momento atual, permanece o sentimento de injustiça e teme que a sua possível condenação arraste a própria democracia, abrindo um “terrível precedente”. “Não aceitem um golpe que, em vez de solucionar, agravará a crise brasileira”.

O agradecimento às mulheres

No seu discurso, a Presidente brasileira não esqueceu as mulheres e o apoio que tem recebido do eleitorado feminino, que considerou “fundamental” para conseguir resistir a este período.

“Parceiras incansáveis de uma batalha em que a misoginia e o preconceito mostraram suas garras, as brasileiras expressaram, neste combate pela democracia e pelos direitos, sua força e resiliência”, afirmou a primeira mulher Presidente do Brasil.

Dilma acusou o governo interino de Michel Temer de não ter ministros do sexo feminino, “quando o povo, nas urnas, escolheu uma mulher para comandar o país” e que as conquistas feitas pela igualdade de género estão ameaçadas “pela submissão a princípios ultraconservadores”.

A decisão dos senadores é conhecida amanhã. Se for considerada culpada por 54 dos 81 eleitos do Senado, Dilma Rousseff perderá o mandato e o direito de ocupar cargos públicos eletivos por oito anos.


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Imagem de destaque: REUTERS/Ueslei Marcelino