Dilma reage a destituição e defesa promete recurso

Brazil's President Rousseff looks on during signing of federal land transfer agreement for the government of the state of Amapa at Planalto Palace in Brasilia
Brazil's President Dilma Rousseff looks on during signing of federal land transfer agreement for the government of the state of Amapa at Planalto Palace in Brasilia, Brazil, April 15, 2016. REUTERS/Ueslei Marcelino

A ex-Presidente do Brasil foi destituída ontem do cargo por votação do Senado – 61 votos a favor, 20 contra e zero abstenções. O vice-Presidente, Michel Temer, que tinha assumido a presidência interina do país, durante a suspensão de mandato da governante, é agora o novo Presidente da República.

Na reação à sua destituição, a ex-Presidente disse que os que pensam que venceram “estão enganados” e que “a história será implacável”, prometendo continuar a lutar “pela verdade” e pelo Brasil.

“Sei que todos nós vamos lutar (…). Haverá contra eles a mais determinada oposição que um governo golpista pode sofrer”, afirmou para uma multidão que a esperava à saída do Palácio da Alvorada, uma das residências oficiais usadas pelo Presidente do Brasil.

Referindo que a “mágoa” é “péssima conselheira”, Dilma pediu, contudo, aos brasileiros que “lutem juntos contra o retrocesso” e “contra a agenda conservadora”, numa referência ao governo de Michel Temer, que agora assumirá o país em pleno até 2018.

“Esta história não acaba assim. Estou certa de que a interrupção deste processo pelo golpe de Estado não é definitiva. Não voltaremos apenas para satisfazer nossos desejos ou nossas validades. Voltaremos para continuar a nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano”, disse a ex-Presidente que ontem perdeu o mandato, mas não ficou inibida de concorrer a cargos públicos.

Dilma Rousseff voltou a afirmar a sua inocência e classificar o impeachment (destituição) de “golpe parlamentar” realizado por políticos que procuram escapar à justiça e que ela derrotou nas presidenciais, em 2014.

“É o segundo golpe de estado que enfrento na vida”, desta feita, “com uma farsa jurídica”, alegou, a ex-governante, que lutou contra a ditadura militar, tendo sido presa e torturada.

Para aquela que foi a primeira mulher Presidente do Brasil, este processo tem ainda motivações sexistas e visa atingir os movimentos sociais e as políticas tomadas em relação aos mais desfavorecidos e às minorias.

O advogado da ex-Presidente, José Eduardo Cardozo anunciou que vai recorrer da decisão dos senadores para o Supremo Tribunal Federal (STF) com “duas ações”.

“Entendemos que não existem pressupostos formais. Há uma serie de violações ao devido processo legal e também porque falta a chamada justa causa, o motivo para o impeachment“, disse.

José Eduardo Cardoso recusou-se a falar em vitória na segunda votação, que permitiu que Dilma Rousseff continue a poder ser eleita para cargos públicos, afirmando que “a questão da função pública é uma questão importante sobre um aspeto, mas não afasta a tristeza” do processo.

Mundo dividido face à destituição de Dilma:

As reações à decisão do Senado não se fizeram esperar, tanto do lado dos que apoiaram o processo de destituição, como daqueles que não o aceitam.

No centro de São Paulo, milhares de pessoas participaram num protesto contra o impeachment de Dilma Rousseff. A manifestação, que foi marcada nas redes sociais e começou por volta das 18h00 (22h00 em Lisboa) junto ao Museu de Arte de São Paulo, ficou marcada por distúrbios, com episódios de vandalismo e lançamento de gás lacrimogéneo, pela polícia.

Também de São Paulo chegou uma das primeiras mensagens de apoio ao desfecho do processo. A Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), a mais influente entidade patronal do país, afirmou, em comunicado, que “não só acompanhou, mas apoiou o processo na condição de representante de importantes setores da sociedade brasileira”. A mesma nota lembra que “o processo terminou” e que “agora, é hora de virar a página, deixar para trás as divergências, arregaçar as mangas e, de mãos dadas, reconstruir o Brasil”.

Fora do Brasil:

Do estrangeiro, também começam a chegar reações à destituição de Dilma Rousseff. Vários Estados sul-americanos vieram a público reprovar o processo e secundar a tese de “golpe de Estado”. Bolívia, Venezuela, Nicarágua e Equador condenaram, ontem, na Organização dos Estados Americanos (OEA), o resultado da votação de Brasília, considerando-o um grave retrocesso na democracia da região, em pleno século XXI.

O país liderado por Nicolas Maduro decidiu mesmo retirar o seu embaixador do país e a Bolívia deverá ser o próximo. “Embora este Conselho ainda não tenha sido informado, foi dado um golpe de Estado parlamentar no maior país da América do Sul”, afirmou o embaixador da Bolívia, Diego Pary, acrescentado que “a legitimidade só é concedida pelo voto do povo”.

Já o embaixador do Equador na OEA, Marco Vinicio Albuja, defendeu que “políticos adversários conspiraram para remover Rousseff do cargo” e que “não se provou que a governante tenha cometido crimes”.

Também o governo de Cuba se manifestou, hoje, contra a destituição da Presidente brasileira, designando-a de “golpe de estado parlamentar-judicial”, concretizado sem a apresentação de provas que sustentem a decisão.

A Argentina, por sua vez, expressou que respeita o processo que culmina com a substituição definitiva de Dilma Rousseff, pelo seu vice-presidente Michel Temer.

Na mesma linha, os Estados Unidos afirmaram hoje que a destituição de Dilma Rousseff ocorreu dentro do “quadro constitucional” do país e que respeitam a decisão do Senado, prometendo trabalhar com o novo chefe de Estado.

“Foi uma decisão tomada pelo povo brasileiro e respeitamo-la. Acreditamos que as instituições democráticas do Brasil atuaram dentro do seu marco constitucional”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, John Kirby.

O porta-voz do Departamento de Estado sublinhou ainda que os Estados Unidos vão continuar a “forte relação bilateral” que existe entre os dois países.

Também o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, disse confiar que o Brasil, agora liderado pelo Presidente Michel Temer, continuará a sua “estreita parceria” com a organização e agradeceu a Dilma Rousseff.

A decisão de ontem pela destituição da governante pôs fim a a um processo que se prolongou por nove meses e dividiu o país com argumentos jurídicos e políticos.

Dilma Rousseff foi condenada por irregularidades fiscais, ao ter assinado três decretos de créditos suplementares em 2015 sem autorização do Congresso e usado dinheiro de bancos públicos em programas do Tesouro.

 

Imagem de destaque: REUTERS/Ueslei Marcelino