A ex-Presidente do Brasil foi destituída ontem do cargo por votação do Senado – 61 votos a favor, 20 contra e zero abstenções. O vice-Presidente, Michel Temer, que tinha assumido a presidência interina do país, durante a suspensão de mandato da governante, é agora o novo Presidente da República.
Na reação à sua destituição, a ex-Presidente disse que os que pensam que venceram “estão enganados” e que “a história será implacável”, prometendo continuar a lutar “pela verdade” e pelo Brasil.
“Sei que todos nós vamos lutar (…). Haverá contra eles a mais determinada oposição que um governo golpista pode sofrer”, afirmou para uma multidão que a esperava à saída do Palácio da Alvorada, uma das residências oficiais usadas pelo Presidente do Brasil.
Referindo que a “mágoa” é “péssima conselheira”, Dilma pediu, contudo, aos brasileiros que “lutem juntos contra o retrocesso” e “contra a agenda conservadora”, numa referência ao governo de Michel Temer, que agora assumirá o país em pleno até 2018.
“Esta história não acaba assim. Estou certa de que a interrupção deste processo pelo golpe de Estado não é definitiva. Não voltaremos apenas para satisfazer nossos desejos ou nossas validades. Voltaremos para continuar a nossa jornada rumo a um Brasil em que o povo é soberano”, disse a ex-Presidente que ontem perdeu o mandato, mas não ficou inibida de concorrer a cargos públicos.
Dilma Rousseff voltou a afirmar a sua inocência e classificar o impeachment (destituição) de “golpe parlamentar” realizado por políticos que procuram escapar à justiça e que ela derrotou nas presidenciais, em 2014.
“É o segundo golpe de estado que enfrento na vida”, desta feita, “com uma farsa jurídica”, alegou, a ex-governante, que lutou contra a ditadura militar, tendo sido presa e torturada.
Para aquela que foi a primeira mulher Presidente do Brasil, este processo tem ainda motivações sexistas e visa atingir os movimentos sociais e as políticas tomadas em relação aos mais desfavorecidos e às minorias.
O advogado da ex-Presidente, José Eduardo Cardozo anunciou que vai recorrer da decisão dos senadores para o Supremo Tribunal Federal (STF) com “duas ações”.
“Entendemos que não existem pressupostos formais. Há uma serie de violações ao devido processo legal e também porque falta a chamada justa causa, o motivo para o impeachment“, disse.
José Eduardo Cardoso recusou-se a falar em vitória na segunda votação, que permitiu que Dilma Rousseff continue a poder ser eleita para cargos públicos, afirmando que “a questão da função pública é uma questão importante sobre um aspeto, mas não afasta a tristeza” do processo.
Mundo dividido face à destituição de Dilma:
As reações à decisão do Senado não se fizeram esperar, tanto do lado dos que apoiaram o processo de destituição, como daqueles que não o aceitam.
No centro de São Paulo, milhares de pessoas participaram num protesto contra o impeachment de Dilma Rousseff. A manifestação, que foi marcada nas redes sociais e começou por volta das 18h00 (22h00 em Lisboa) junto ao Museu de Arte de São Paulo, ficou marcada por distúrbios, com episódios de vandalismo e lançamento de gás lacrimogéneo, pela polícia.
Também de São Paulo chegou uma das primeiras mensagens de apoio ao desfecho do processo. A Federação de Indústrias do Estado de São Paulo (FIESP), a mais influente entidade patronal do país, afirmou, em comunicado, que “não só acompanhou, mas apoiou o processo na condição de representante de importantes setores da sociedade brasileira”. A mesma nota lembra que “o processo terminou” e que “agora, é hora de virar a página, deixar para trás as divergências, arregaçar as mangas e, de mãos dadas, reconstruir o Brasil”.
Fora do Brasil:
Do estrangeiro, também começam a chegar reações à destituição de Dilma Rousseff. Vários Estados sul-americanos vieram a público reprovar o processo e secundar a tese de “golpe de Estado”. Bolívia, Venezuela, Nicarágua e Equador condenaram, ontem, na Organização dos Estados Americanos (OEA), o resultado da votação de Brasília, considerando-o um grave retrocesso na democracia da região, em pleno século XXI.
O país liderado por Nicolas Maduro decidiu mesmo retirar o seu embaixador do país e a Bolívia deverá ser o próximo. “Embora este Conselho ainda não tenha sido informado, foi dado um golpe de Estado parlamentar no maior país da América do Sul”, afirmou o embaixador da Bolívia, Diego Pary, acrescentado que “a legitimidade só é concedida pelo voto do povo”.
Já o embaixador do Equador na OEA, Marco Vinicio Albuja, defendeu que “políticos adversários conspiraram para remover Rousseff do cargo” e que “não se provou que a governante tenha cometido crimes”.
Também o governo de Cuba se manifestou, hoje, contra a destituição da Presidente brasileira, designando-a de “golpe de estado parlamentar-judicial”, concretizado sem a apresentação de provas que sustentem a decisão.
A Argentina, por sua vez, expressou que respeita o processo que culmina com a substituição definitiva de Dilma Rousseff, pelo seu vice-presidente Michel Temer.
Na mesma linha, os Estados Unidos afirmaram hoje que a destituição de Dilma Rousseff ocorreu dentro do “quadro constitucional” do país e que respeitam a decisão do Senado, prometendo trabalhar com o novo chefe de Estado.
“Foi uma decisão tomada pelo povo brasileiro e respeitamo-la. Acreditamos que as instituições democráticas do Brasil atuaram dentro do seu marco constitucional”, disse o porta-voz do Departamento de Estado, John Kirby.
O porta-voz do Departamento de Estado sublinhou ainda que os Estados Unidos vão continuar a “forte relação bilateral” que existe entre os dois países.
Também o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, disse confiar que o Brasil, agora liderado pelo Presidente Michel Temer, continuará a sua “estreita parceria” com a organização e agradeceu a Dilma Rousseff.
A decisão de ontem pela destituição da governante pôs fim a a um processo que se prolongou por nove meses e dividiu o país com argumentos jurídicos e políticos.
Dilma Rousseff foi condenada por irregularidades fiscais, ao ter assinado três decretos de créditos suplementares em 2015 sem autorização do Congresso e usado dinheiro de bancos públicos em programas do Tesouro.
Imagem de destaque: REUTERS/Ueslei Marcelino