Dina Pedro: Dinamite explosiva

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É portuguesa e no seu tempo de atleta foi campeã nacional, ibérica, da Europa, do Mundo e transcontinental. Aos 41 anos, é uma treinadora de referência no Kickboxing e no Muay Thai em Portugal e no estrangeiro. Quem é esta mulher que deu cartas – ou socos e pontapés – num desporto de homens?

Dina Pedro é uma mulher morena, alta e de perna magra, de porte atlético e costas bem direitas. À primeira vista parece algo distante, talvez tímida. Mas o sorriso quando fala de Muay Thai e de Kickboxing, da sua equipa, dos atletas ou da sua profissão como treinadora, alarga-se e estende-se aos olhos, afastando de imediato esta primeira impressão. Encontramo-nos no café ao lado de uma das suas escolas, na Avenida de Ceuta, em Lisboa, uma hora antes de começar o primeiro treino da tarde. A outra escola fica em Mafra, não longe da cidade onde nasceu a 9 de dezembro de 1976, Alenquer.

É nestes dois espaços que treina a Dinamite Team, a equipa de onde saíram os quatro atletas da Seleção Nacional presentes no último campeonato Europeu de Muay Thai, que decorreu na Croácia, em outubro último. Estes quatro atletas trouxeram quatro medalhas para Portugal: três de ouro e uma de bronze.

Na sua escola, há vários treinos diários e Dina Pedro acompanha-os todos, exceto quando anda a viajar pelo mundo com os atletas em combates – nestes dias estão lá os outros treinadores da equipa: Sandra, João, Nelson. É ao assistirmos ao treino que percebemos mais uma vez que a tal distância inicial é apenas enganadora. Uns tratam-na por madrinha, outros por treinadora, uns por tu, outros por você, a maior parte apenas por Dina.

Quando explica um golpe ou dá uma diretriz de imediato se calam para a ouvir e sorver as suas palavras. Mesmo que seja a décima vez que Dina explica um golpe, ou que já tenham ouvido esta técnica noutros treinos, falar está fora de questão, a não ser para tirar alguma dúvida ou ter mais algum conselho. Sabem que o seu sucesso como atletas depende muito da relação que mantêm com a mentora. Mas esta relação tem tanto de profissional como de afetuosa, e isso nota-se na exigência do treino e no carinho que tem pelos alunos e pelas suas histórias individuais.

Para andar nesta escola só é preciso uma coisa, e não tem nada a ver com características de condicionamento excepcionais. É preciso querer treinar. E ir aos treinos. O resto é ajustado às necessidades de cada um.

Conte-me um pouco do seu percurso no Kickboxing e Muay Thai…

Comecei a treinar porque queria praticar um desporto, adorava basquete, na minha zona [Alenquer] não havia equipa feminina nem nenhum desporto que me entusiasmasse. Admirava a Rosa Mota, e mais tarde a Ticha Penicheira. Um dia, estava numa festa do 11º ano e estava lá um rapaz a ler uma revista de Karaté e pedi para ler… Ele perguntou-me se gostaria de experimentar e eu disse ‘não sei’. Como ele era mestre de Taekwondo, fui e experimentei este. Não gostei, porque tínhamos todos de fazer tudo muito coordenado e não me fazia sentido aquilo… Depois ele convidou-me a experimentar uma aula de Kickboxing de um amigo e quando entrei nessa aula e vi a malta (homens) a saltar à corda, corpos musculados, tudo a treinar super intenso, fiquei fascinada. Desde esse dia nunca mais larguei este desporto…

Daí a começar os combates, quanto anos é que passaram?

Comecei a treinar em 1994, o meu combate de estreia foi em ’95. No final desse primeiro ano de treinos, o meu treinador perguntou-me se eu queria competir. Como iam muitos outros colegas, pensei: ‘Ok, vamos todos’. Fiz dois combates num dia e ganhei, e comecei a ver a coisa de uma forma diferente… Lembro-me de dizer às minhas amigas: ‘Vou ser campeã do mundo disto’; e elas rirem: ‘És maluca’. E foi aí que despoletou a minha vontade. Mais tarde, comecei a fazer combates profissionais, na altura não havia praticamente competição feminina em Portugal – hoje em dia ainda não há muito, na minha altura não havia nada, por isso tive de dar o salto para a competição internacional. E as coisas foram acontecendo de uma forma natural…

Como foi esse salto para a competição internacional?

Foi duro, porque era um nível muito exigente. E diferente do que existia cá. Tive de treinar a dobrar e acreditar a dobrar. Hoje em dia quando olho para trás, vejo que tecnicamente não tinha nem metade do que as minhas concorrentes ofereciam… Mas tinha muita vontade e consegui…

Treinava com raparigas na altura?

Só com rapazes, acho que nunca tive uma parceira feminina de treino, sempre só com rapazes.

Mais tarde tornou-se treinadora…

Sim, comecei a dar treinos, ainda enquanto atleta para consegui sobreviver, dava umas horas de treino por dia… Nunca sonhei ser treinadora, o meu sonho era ser atleta e quando essa carreira acabasse voltaria a trabalhar como técnica administrativa no escritório do meu irmão, onde já tinha trabalhado. Mas comecei a dar treinos e as coisas começaram a resultar, comecei a ter miúdos com talento e sentia que não os podia ‘deixar na mão’ e senti que tinha que continuar com eles e evoluir como treinadora para lhes dar as ferramentas para irem mais longe. Na minha altura, senti que havia treinadores que tinham lacunas para me levar mais longe e quis dar o contrário aos meus atletas. Depois comecei a ter atletas de manutenção e mais tarde atletas profissionais, e foi aí que tive de decidir. Não conseguia ser atleta profissional e ter atletas profissionais como treinadora, exigia já muito de mim fisicamente e a minha cabeça não estava 100% disponível para nenhuma dos lados, e nessa altura decidi fazer o último combate e saí da carreira de atleta com a consciência tranquila. Nesse mesmo ano, em 2007, ganhei o prémio de melhor treinadora do ano da Federação. Senti que tomei uma boa opção…

Dos prémios que ganhou, em termos de competições internacionais, quais são os que mais se orgulha?

Orgulho-me de todos, porque há competições e os combates que não têm nenhum prémio pomposo mas que em termos de competição são muito importantes para nós enquanto atletas. Nem sempre os combates que ganhamos títulos são os mais importantes da nossa carreira ou mais importantes para nós… Eu sinto que fiz isto por um gozo pessoal muito grande e pelo desafio de querer combater com os melhores. Tenho uma série de títulos mas se não os tivesse, estaria realizada na mesma porque vale aquilo que fizemos e o que sabemos que conseguimos fazer… Infelizmente há muitas pessoas de faz de conta e não sei como se sentem realizadas. Eu tive uma carreira a sério e fiz as coisas a sério e mais do que os títulos é isso que me realiza e é isso que tento que os meus atletas façam… Que tenham gozo tremendo em conhecer o mundo inteiro e combater com os melhores.

Em relação ao campeonato mundial, que decorreu na Croácia em Outubro passado, a Seleção Nacional levou quatro atletas da sua equipe, a Dinamite Team, e trouxeram quatro medalhas: três de ouro e uma de bronze. Foram prémios importantes para estes atletas e para a equipa?

Foram muito importantes estas medalhas. Este campeonato da IFMA (Federação Internacional), é o campeonato com o nível competitivo mais alto. Com algumas ‘guerras’ federativas que houveram estivemos 8 anos sem participar nos campeonatos da IFMA. Foi com um grande orgulho e honra que demos 4 medalhas a Portugal, 3 ouro e 1 bronze. Apuramos ainda neste campeonato a nossa atleta Maria Lobo para os World Games. O World Games é ‘tipo’ os jogos Olímpicos das modalidades não olímpicas. Acontecem de 4 em 4 anos. A Maria Lobo e eu como sua treinadora seremos as primeiras da modalidade a fazer parte da comitiva liderada pelo Comité Olímpico Português, nesta ida aos World Games.

Como surgiu o nome Dinamite Team?

O nome Dinamite Team surgiu por me chamarem Dina… Mite.

Num combate em Espanha um treinador espanhol disse que eu era muito explosiva, que não era Dina era Dinamite! A partir daí pegou e começaram a chamar-me Dinamite.

Os prémios também são importantes porque trazem um reconhecimento exterior, para si, os seus atletas e a sua escola, mas como neste desporto é subjetivo… Há várias ligas, desde logo. Explique-nos um pouco.

As ligas são empresas privadas. Posso decidir e fazer uma liga. E à medida que essa liga vai sendo importante, trazer atletas que são títulos do mundo para combater e com isso ganhar projeção. Há ligas que em certas alturas são mais importante porque têm atletas renomeados que aí combatem, e depois outras crescem e vão substituindo as primeiras – regra geral isto demora uma década. A nível profissional, depende muito do manager e do promotor… Nem sempre o atleta com mais títulos é o melhor atleta, porque depende muito do que fizeram para ele… Comparo às vezes com uma banda de música: há tipos que tocam mesmo bem, mas nenhum manager pegou neles e os levou mais longe. E outros que nem cantam bem e têm muito sucesso porque alguém pegou neles e os trabalhou… Estes desportos de combate são mais ou menos a mesma coisa. Os atletas são uma banda de música, se tocarem as músicas que as pessoas querem ouvir e os managers querem…

É difícil ser mulher neste desporto? E treinadora?

Nunca tive grandes dificuldades. Não me tento impor, tento que o meu trabalho sobressaia, e não eu, e que as pessoas me respeitem depois de ver o meu trabalho. Há muitas mulheres (e homens) que se tentam impor, não gosto muito de me focar no machismo/feminismo, nem sou daquelas pessoas que esteja sempre a dizer ‘nós as mulheres’… Faço o meu trabalho. Acredito que se formos bons naquilo que fazemos naturalmente começamos a ser respeitados, não importa o género. Se calhar, um homem, quando chega pela primeira vez a um evento é mais bem recebido, já me aconteceu perguntarem [aos meus atletas]: ‘Então não trouxeste o teu treinador, trouxeste a tua namorada’? Ficam assim a olhar para os atletas [alguns bem mais altos e encorpados que Dina]: ‘Mas é uma mulher que te treina? A tua treinadora segura-te paus [as almofadas em que o treinador segura e o atleta desfere golpes]?!’ Isto acontece ainda hoje, mas depois com o tempo e com o trabalho apresentado, sinto que há um respeito ainda maior, porque também é mais fácil decorarem o meu nome, porque sou mulher. Na verdade, nas minhas equipas nunca tento separar homem/mulher, os balneários são mistos, partilho quartos de hotel, nunca senti muito isso do género… Claro que existe, e há reuniões de treinadores com 10 pessoas em que sou a única mulher mas nunca o senti como um entrave para o sucesso…

Há muitas mulheres federadas? E profissionais a combater?

A combater nem por isso… Federadas não tenho a noção clara, mas para mim há sempre uma proporção de 80-20, nas atletas, que é maior nas pessoas que treinam… Na Dinamite Team temos uma das equipas com mais mulheres e isso sim pode ser por eu ser mulher.

E apesar de não ligar à questão o género, sente algum orgulho em ver cada mais mulheres a praticar?

Sim, é bom, sempre acreditei que ‘se fizer igual, vou colher igual’ e até agora tem acontecido, mas sei que há raparigas que pensam: ‘Isto não é para mim porque sou mulher’… É importante haver mais raparigas a praticar para desmistificar isso.


Quer saber porque é que há cada vez mais mulheres a treinar? Leia esta reportagem


Relativamente ao Muay Thai, que especificamente o que ensina, quais os principais benefícios de praticar este desporto?

Todos. Fisicamente consegue trabalhar todas as partes: equilíbrio, força, o controle do corpo – em termos de distância, força, velocidade –, obriga a pensar em frações de segundo, que é importante para o cérebro, fica-se mais concentrado, porque se se quiser fazer bem tem de se pensar muitas vezes em frações de segundo, e isso acaba ser exercício para a cabeça. Na minha opinião, quando se consegue ter o controle do corpo, consegue-se ser muito mais auto-confiante. Quando a cabeça consegue controlar o corpo, a postura de confiança passa a ser completamente diferente, e este desporto dá isso a quase todas as pessoas. É super giro ver pessoas que começam aqui muito descoordenadas – e há pessoas mesmo descoordenadas! – e ao fim de um ano olhar para elas e há uma grande evolução. Fica-se em forma em termos cardiovasculares, evolui-se em termos de firmeza… Para além da parte social do treino em equipa, que é o máximo, desde o início que comecei a dar treinos, foco-me muito nisso, é uma experiência social incrível, e quem não tem essa vivência tem dificuldade em perceber – ainda hoje tenho alunos que já deixaram a escola há muito e continuam a sentir-se parte da equipa…

Parece físico mas é muito mais do que isso? Há também um desenvolvimento mental?

De foco, sem dúvida, costumo brincar: ‘Fica-se até mais esperto’. Há uma série de pessoas que se desenvolvem mentalmente, ficam mais espertas e inteligentes, porque isto é um jogo, que obriga a fazer jogadas – e com o tempo há uma evolução. Os atletas com as viagens e as competições, também desenvolvem outras competências…

Como é um treino na escola Dinamite Team?

Tentamos programar os treinos de forma a que as pessoas evoluam tecnicamente e a que o treino seja dinâmico, para que qualquer pessoa que venha – mesmo no início – não sinta ‘nunca vou conseguir praticar isto’. Organizamos o treino de forma a que as pessoas consigam praticar todas juntas, qualquer pessoa chega e sente-se integrada e consegue fazer o treino. Depois vai evoluindo e a intensidade vai aumentando – dentro do treino várias pessoas podem treinar a intensidades diferentes.

Atletas de competição e alunos que vêm só pelo condicionamento treinam todos juntos. Homens e mulheres, novos e velhos ao mesmo tempo. Quais as vantagens deste sistema?

É mesmo esse o objetivo. Consegui fazer um sistema em que todos treinam juntos, cada um à sua intensidade e sem que ninguém se sinta fora do grupo. O espírito de equipa está sempre presente para que os novos alunos se sintam integrados, quem começa é muitas vezes posto num treino com um treinador ou com um atleta mais avançado para que se sinta acolhido…

O que dizia a uma mulher que tem curiosidade e nunca experimentou?

As mulheres são muito capazes mas gostam de, às vezes, dizer ‘eu sou mulher, não consigo’. Eu diria: é experimentar. As pessoas vêm ver os treinos, mas quando vemos apenas nunca nos apercebemos das nossas capacidades e todos nós conseguimos sempre muito mais do que o que alguma vez imaginamos. Se ficar só a ver o treino, vai achar: nem pensar. Se fizer o treino, vai perceber: Consegui! Isso é fantástico…

 

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