Discursos feministas nos Globos de Ouro

A 75ª edição dos Globos de Ouro ficou marcada pelo negro na passadeira vermelha, mas também por poderosos discursos que prometem iniciar um novo capítulo na discussão dos direitos das mulheres. Tudo começou com os escândalos sexuais que envolvem Harvey Weinstein e desde então a bola de neve não tem parado de crescer. Com casos novos de assédio sexual em Hollywood quase todos os dias, durante os últimos meses, e com a eleição do movimento #metoo para personalidade do ano da Times era impossível esperar das atrizes mais poderosas do mundo uma reação que não fosse esmagadora.

Vestidas de negro em protesto contra os abusos contra mulheres Oprah Winfrey e Nicole Kidman fizeram os discursos mais fortes da noite, mas não foram as únicas a dar uma facada ao machismo e a pedir igualdade de direitos e de representação para as mulheres.

Oprah Winfrey

O prémio carreira Cecil B DeMille foi atribuído a Oprah Winfrey, fazendo da atriz a primeira mulher negra a vencer este prémio. A apresentadora e atriz começou o discurso recordando que o primeiro negro a vencer este prémio foi Sidney Poitier em 1982, mas rapidamente o discurso se tornou mais acutilante e emocionante tendo sido aplaudido de pé.

Oprah começou por elogiar a impressa, numa clara menção aos escândalos sexuais de Hollywood revelados nos últimos meses. “Nós sabemos que a imprensa está debaixo de um cerco apertado hoje em dia. Também sabemos que é preciso uma dedicação incansável para descobrir a verdade absoluta que nos impede de fechar os olhos à corrupção e injustiça.”

Depois veio o agradecimento mais emocionado e mais significativo de todo o discurso “Esta noite, quero agradecer a todas as mulheres que sofreram abusos e agressões durante anos, porque elas são como a minha mãe, tinham crianças para alimentar, contas para pagar e sonhos para conquistar. Elas são as mulheres cujo nome nunca vamos saber. São trabalhadoras domésticas e agrícolas. São mulheres que trabalham em fábricas e em restaurantes, elas estão na Academia, engenharia, medicina e ciência. Fazem parte do mundo da tecnologia, política e negócios. Elas são as nossas atletas nos Jogos Olímpicos e as nossas soldados nas Forças Armadas. Quero que todas as meninas que nos estão a ver agora saibam que há um novo dia no horizonte! E quando esse dia finalmente amanhecer, será graças a estas magníficas mulheres, muitas delas estão nesta sala neste momento, e também a alguns homens fenomenais, lutando arduamente para terem a certeza que se tornaram nos líderes que nos levarão a um dia em que ninguém terá de dizer novamente me too!”

Nicole Kidman

A australiana Nicole Kidman venceu o prémio de melhor atriz de minissérie pelo seu papel em Big Little Lies. A atriz interpretou Celeste, uma mulher formada em advocacia, com dois filhos, com uma vida sexual tórrida, sem problemas económicos e casada com um homem mais jovem, uma vida perfeita aos olhos de todos, mas que se desmoronava entre as paredes da sua própria casa devido às agressões do marido. A série tem sete episódios e é apenas no sexto que a personagem de Nicole Kidman decide pôr um ponto final às agressões que desculpa vezes sem conta durante todos os outros capítulos de Big Little Lies,

Quando recebeu o prémio Nicole, que foi uma das primeiras vencedoras da noite, agradeceu a várias pessoas muitas delas mulheres. Na lista incluiu as suas colegas do elenco, classificando-as como Power Women, uma atitude de irmandade entre mulheres que não se podia ajustar melhor ao espírito feminista da noite. Mas também foram dadas algumas palavras para condenar os abusos sobre mulheres: “Esta personagem que interpretei representa algo que está no centro do debate neste momento: o abuso. Acredito e espero que possamos motivar mudanças através das histórias que contamos e pela forma como as contamos. Não vamos deixar este assunto morrer.”

Laura Dern

Renata Klein é uma das personagens secundárias de Big Little Lies e e a interpretação valeu um prémio à atriz Laura Dern que também seguiu a pauta feminista da noite. “Muitas de nós fomos ensinadas a não bisbilhotar. A cultura do silêncio estava instalada. Incentivo todos nós a não apoiarmos apenas os sobreviventes que são suficientemente valentes para contar a sua verdade mas também a promover uma justiça reconstrutiva. Também devemos protegê-los e dar-lhes trabalho. Devemos ensinar aos nossos filhos que falar sem medo de represálias é a nossa estrela da nossa cultura.”

Elisabeth Moss

O prémio de melhor atriz de série dramática foi para Elizabeth Moss, pelo seu desempenho na série televisiva Handmaid’s Tale. No seu discurso a atriz citou Margaret Atwood, autora do livro em que se inspira a série que lhe valeu o prémio: “Nós éramos as pessoas que não estavam nos jornais. Vivíamos nos espaços brancos nas margens da impressão. Vivíamos entre os buracos das histórias”. Uma citação que Elisabeth Moss contrariou com palavras fortes e empoderadoras. “Já não vivemos nos espaços em branco nas margens da letra impressa. Já não vivemos nos buracos das histórias. Somos a história impressa e escrever a história de nós mesmas.”

Intervenções feministas entre discursos

O feminismo não se fez ouvir apenas durante os discursos, Natalie Portman aproveitou o facto de apresentar os nomeados para melhor realizador para sublinhar que não havia nenhuma mulher nomeada naquela categoria. Também Barbra Streisand assinalou este facto recordando que foi a única mulher a vencer um Globo de Ouro naquela categoria em 1984. “Isso foi há 34 anos. Amigos, acabou-se o tempo. Precisamos de mais mulheres cineastas e de mais mulheres nomeadas para melhor realização”.

Até o mestre de cerimónias, Seth Meyers, abordou o tema dos escândalos sexuais em Hollywood com muito humor. “Boa noite às senhoras e aos senhores que ainda restam!” foi a primeira frase da cerimónia, mas Seth não se ficou por aqui: “É 2018. A marijuana foi permitida finalmente [na Califórnia, para fins recreativos], mas o assédio sexual já não! Vai ser um bom ano”, ironizou.

Imagem de destaque: Getty Images