Discursos na cerimónia dos Óscares marcados pelas críticas à Academia

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[Fotografia: EPA/David Swanson]

Apesar de ter sido o filme sul-coreano Parasitas a arrecadar o maior número de Óscares – fazendo com que esta edição se tornasse histórica por ter sido a primeira em que a estatueta de Melhor Filme fosse atribuída a uma produção de língua não inglesa – o Dolby Theatre, em Los Angeles, Califórnia, onde decorreu a cerimónia dos Óscares, encheu-se de discursos sobre a integração da mulher no mundo cinematográfico.

Depois de a Academia ter sido amplamente criticada por ignorar mulheres realizadoras e atores não brancos, foram várias as celebridades que pediram maior diversidade e abertura na indústria.

Apesar de não ter subido ao palco, em resposta à atitude da Academia, a atriz Natalie Portman utilizou uma capa com os nomes das realizadoras que não foram nomeadas. Lulu Wang, Greta Gerwig e Lorene Scafaria foram alguns dos nomes que se puderam ler no visual da atriz. Já em 2018, quando apresentou o Globo de Ouro para melhor realizador, Natalie Portman aproveitou o momento para criticar a falta de mulheres realizadoras nomeadas ao dizer que “aqui estão todos os homens nomeados para melhor realizador”.

Nas categorias principais de Melhor Atriz e Melhor Atriz Secundária, Renée Zellweger e Laura Dern ganharam os prémios, respetivamente.

Dezasseis anos depois de receber o seu primeiro Óscar, Renée Zellweger ganhou uma perspetiva diferente ao levar novamente a estatueta pelo seu desempenho no papel de Judy Garland em Judy.

Nos bastidores da cerimónia, a atriz disse que agora está “mais presente” que em 2004, quando foi considerada a melhor atriz secundária, no filme Cold Mountain.

“O tempo que estive longe e o tempo que passou ajudou-me a apreciá-lo de uma forma diferente”, disse. “Olho para isto de outra forma e o que representa é um pouco diferente”.

A consagração da atriz nos Óscares de 2020 já era esperada, depois de ter ganho nos Globos de Ouro, nos prémios da academia britânica (BAFTA), do Sindicato dos Atores (prémios SAG) e em outras cerimónias da temporada. “Não me consigo extrair da colaboração, a única coisa que fiz sozinha foi cantar dentro do meu carro no trânsito, durante um ano”, disse, mostrando-se emotiva com a reação dos bastidores à sua vitória.

“Toda a gente estava motivada pela mesma coisa, apreciávamos a importância do legado de Judy e quem ela era como pessoa, e queríamos celebrá-la”, contou, comparando o trabalho no estúdio do filme com uma operação de mineração.

“Estávamos à procura de qualquer material sobre o seu legado, a sua música, os livros, entrevistas, o programa de televisão”, contou. “Tudo o que parecesse essencial para invocar a sua essência e contar a história”.

A atriz mostrou-se contente por ver que algo que teve tanta importância para si ressoou com as outras pessoas. “É sempre uma reação maravilhosa e quase inesperada para qualquer pessoa que cria arte”, disse, garantindo que vencer o Óscar de Melhor Atriz não era aquilo em que estava a pensar quando começou esta experiência.

Laura Dern, que venceu o Óscar na categoria de Melhor Atriz Secundária pelo seu desempenho no filme Marriage Story, afirmou que “há papéis mais excitantes para desempenhar”, acrescentando que a sua mãe, a atriz Diane Ladd, foi uma “enorme influência” na sua vida como atriz e ativista.

“Falem alto, sejam orgulhosas, apoiem as vossas incríveis irmãs”, continuou, depois de comentar as críticas à ausência de diversidade nas nomeações desta edição dos Óscares.

“A nossa lente deve focar-se menos na ausência de louvores e mais nas oportunidades reduzidas que existem e na falta de segundas oportunidades dadas às vozes femininas”, afirmou.

Laura Dern disse ainda que “a principal mudança que vimos nos últimos anos é que as vozes importam” e que as pessoas devem usá-las independentemente da indústria em que se movimentam, sendo importante que “as histórias que se contam reflitam a comunidade global”.

As mulheres por detrás das câmaras

A compositora Hildur Guðnadóttir, primeira mulher a solo, desde 1998, a ganhar o Óscar de Melhor Banda Sonora Original no filme Joker, disse que a sua vitória mostra como a indústria se deverá abrir a mais mulheres.

“Tem sido um sentimento notável, à medida que faço esta jornada em que tenho sido a primeira mulher a ganhar muitos destes prémios”, afirmou a islandesa. “E isto, de certa forma, levou muitas pessoas a verem as estatísticas de prémios que existem há 70 anos e que nunca foram atribuídos a mulheres“, disse, fazendo ver que “talvez haja aqui algum desequilíbrio”.

A artista referiu que o reconhecimento do seu trabalho está a provocar novas discussões e considerou “uma honra” ser parte da conversa, apontando que a situação atual “é um pouco idiota” e que “deveríamos estar a abrir a indústria a mais mulheres”.

Ao apresentar o Óscar de Melhor Documentário, o ator Mark Ruffalo fez questão de dizer que quatro dos cinco documentários de longa-metragem nomeados realizados ou co-realizados por mulheres.

Quem levou a estatueta foi mesmo uma dessas mulheres: Julia Reichert, por o filme Uma Fábrica Americana, com Steven Bognar e o produtor Jeff Reicher. A realizadora disse que as mulheres “não têm de se encaixar no patriarcado” para vingar em Hollywood.

“Não temos de fazer as coisas da mesma forma que os homens”, afirmou a co-realizadora do documentário, que é a primeira colaboração entre a Netflix e a produtora Higher Ground de Michelle e Barack Obama.

O segredo para o avanço das mulheres realizadoras, num ano em que a Academia só nomeou homens para a principal categoria de realização, será a “irmandade, que é outra forma de dizer solidariedade, que é outra forma de dizer apoiem-se umas às outras”, considerou a veterana dos documentários.

“Quando vim aos Óscares pela primeira vez, em 1977, isto era um mar de homens brancos”, lembrou. “Está a melhorar. Como é que isso aconteceu? Não foi por causa de mulheres individuais”, continuou.

Julia Reichert disse que parte do que mudou é que na indústria as mulheres perceberam que era preciso trabalharem em conjunto. As mulheres passaram a poder escolher o seu caminho e devem “apoiar-se umas às outras”, não entrar “no clube dos rapazes” para chegarem ao sucesso.

Também na categoria de Melhor Documentário em Curta-Metragem venceu uma mulher, Carol Dysinger, por Learning To Skate in a Warzone (If You’re a Girl), que abordou a questão do olhar feminino em Hollywood e deixou um conselho às mulheres que querem seguir este caminho.

“Perguntem-se porque devem ser vocês a contar esta história”, disse. “Perguntem-se porque querem fazer este filme. A resposta pode não ser imediata”, terminou por dizer.