Acabou com as palavras proibidas, trouxe o sexo tal como ele é à televisão norte-americana e tornou-se uma das primeiras mulheres a ser reconhecida mundialmente por isso mesmo. Aos 90 anos, Ruth Westheimer, que nasceu em Frankfurt, Alemanha, e que sobreviveu ao Holocausto, ganha o seu próprio documentário. Um retrato de uma vida e de uma obra que será estreado no festival de Cinema de Sundance, que decorre entre 24 de janeiro e 3 de fevereiro, no Utah, nos Estados Unidos da América.

No vídeo acima pode ver as primeiras imagens de um trailler Ask Dr. Ruth (Pergunte à doutora Rute, em tradução literal) que está ainda no original, em inglês, e que é apenas um excerto do trabalho realizado por Ryan White.

A obra cinematográfica relata o incrível percurso de vida desta terapeuta sexual que se tornou um ícone da cultura Pop, que nunca teve medo de, nos anos 80, falar de “vagina” ou “pénis” no pequeno ecrã, que lutou contra o estigma da SIDA e pela educação em torno da doença e esteve na linha da frente da revolução sexual que se operou ao longo da segunda metade do século XX.

Sexóloga americana que deixou marcas em Portugal

Com um arranque televisivo nos anos 80 do século passado, Ruth Westheimer tornar-se-ia tão célebre nos EUA que poderia prescindir do seu apelido para se fazer ouvir. Bastava o primeiro nome para todos saberem, desde logo, quem era. Por cá, em Portugal, a especialista também fez escola. Mas muitos anos mais tarde!

Herman José Rute Remédios
Herman José na pele de Drª Rute Remédios, em Herman Enciclopédia [Fotografia: DR]
Primeiro, pelo humor e pela mão de Herman José, que criou a personagem Drª Rute Remédios. A sexóloga – que tinha consultório aberto no programa Herman Enciclopédia, na RTP1, intitulado Sexo Para Todos – nada mais era do que a mãe do conservador Diácono Remédios.

Foi neste segmento que, inspirado na célebre especialista americana, ficou célebre a frase: “As opiniões são como as vaginas: cada tem a sua e quem quiser dá-la, dá-la.”

Já neste milénio, a forma de a sexóloga norte-americana se expressar em televisão fazia eco nos formatos televisivos nacionais e que se aventuravam a falar da matéria de forma livre, descomprometida e sem tabus.

Marta Crawford AB... Sexo TVI
A sexóloga Marta Crawford no programa da TVI ‘AB… Sexo’, no qual chegou a exemplificar como se colocava um preservativo [Fotografia: Global Imagens]
Foi o caso de Marta Crawford com o AB…Sexo, na TVI, que, em 2005, disse, pela primeira vez, a palavra “felácio” em televisão. Apesar de os tempos serem outros, a ousadia remetia para uma inevitável comparação com Ruth Westheimer, cujos programas tão informais quanto informativos chegavam a Portugal em 2009, pela mão do canal do Cabo SIC Radical.

“Aos 90 anos, falo de sexo todos os dias, de manhã à noite”

Completados a 4 de junho de 2018, o 90º aniversário da especialista norte-americana motivava uma entrevista ao jornal New York Times. Foi nessa ocasião que disse, com o humor e a simplicidade que lhe são características: “Aos 90 anos, falo de sexo todos os dias, de manhã à noite.”

E relatou ainda: “Não fui apenas uma das primeiras mulheres a falar de sexo”. Estávamos então nos anos 80 e ela fazia a sua primeira rubrica de 15 minutos – e que passou depois a formato televisivo de duas horas – a falar dos assuntos tabu num magazine radiofónico da estação WYNY-FM chamado Sexually Speaking (Sexualmente Falando, em tradução literal).

Por aquele espaço, lembrou Ruth na entrevista, passaram os mais duros temas da atualidade. “Poucas pessoas falavam de SIDA, eu dizia que era preciso usar preservativo e ter cuidado com que as pessoas se deitavam”, recordou.

Um trabalho longo, de tomada de consciência, mas sem alienar o prazer da vida dos espectadores, valendo a Ruth o título de uma das 12 mulheres que mudaram a maneira de ver o sexo, uma lista concebida pela revista Vanity Fair, em 2009.

Pelo meio, a terapeuta escreveu livros e a sua vida e o seu trabalho inspiraram um musical de comédia na Broadway, estreado em outubro de 2013 e intitulado Becoming Dr. Ruth (Tornar-se a Drª Ruth, em tradução literal).

De refugiada a ‘sniper’ e a terapeuta sexual

Filha de uma família judia, a mãe, Irma, era uma emprega de limpeza, e o pai, Julius Siegel, um comerciante. Aos 11 anos, Karola Ruth Siegel (nome de nascença) é obrigada a fugir para a Suíça ao abrigo de programa de transporte de crianças. Uma fuga que tem lugar ao mesmo tempo em que o seu pai era feito prisioneiro pelos nazis.

Dois anos mais tarde, em 1941, Ruth sabia, através de quem a protegeu, que os seus pais não tinham, sobrevivido aos campos de concentração.

Quando a guerra termina e já aos 17 anos, Ruth muda-se para a Palestina, como tantos sobreviventes da Segunda Guerra Mundial. A sua personalidade contestatária, a sua história de vida e o seu talento militar levam-na, conta o site História da Guerra, a ser atiradora (sniper) de disparo certeiro. É nesse cenário que conhece o primeiro marido, e juntos, mais tarde, mudam-se para Paris onde Ruth se torna professora, preparando-se para ingressar num curso de psicologia na Sorbonne.

Em 1956, já num segundo casamento, muda-se para Manhattan, nos Estados Unidos da América e obtém, em 1959, o mestrado em Sociologia. No virar da nova década, os anos 60, a especialista passa a integrar os estudos interdisciplinares e da Universidade de Columbia e conclui o doutoramento em Educação. É nesta ocasião que encontra o amor ao lado de Manfred Westheimer e Ruth, que já era mãe de uma menina (Miriam), dá a luz um rapaz, Joel.

É entre esta época e os anos 80, quando se torna uma celebridade nos EUA, que a especialista aprofunda o seu conhecimento em matéria de sexualidade, transformando-se depois no ícone que hoje é reconhecido.

Imagem de destaque: Jason Reed/Reuters

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