Duarte Grilo faz o papel de Ian Gard no filme ‘Carga’, realizado por Bruno Gascon

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Para o ator Duarte Grilo, que entra na telenovela da TVI, ‘Jogo Duplo’, e na série da RTP, ‘Idiotas, ponto’, trabalhar com Bruno Gascon não é uma estreia. A sua participação no filme ‘Carga’ é a terceira num trabalho dirigido pelo realizador. Nesta longa-metragem, a primeira de Bruno Gascon, com estreia marcada para 8 de novembro, Duarte Grilo é o misterioso Ian Gard, um dos membros de uma rede de tráfico de seres humanos, braço direito de Viktor, o líder do grupo, representado por Dmitry Bogomolov. Mas Ian esconde outras motivações, que vão ser postas à prova com as escolhas que vai ter de fazer e as decisões que vai ter de tomar.

Foi nesses limites que Duarte Grilo construiu a sua personagem, para a qual foi buscar elementos “externos”, recolhidos em entrevistas que fez a vítimas e pessoas que lutam contra o tráfico de seres humanos. O resto foi-se desenrolando no trabalho de conjunto com o realizador e os outros atores, entre a admiração por aqueles que para si já eram uma referência e o ambiente especial e familiar que se criou durante o período de filmagens, feitas em pleno inverno, na Serra da Estrela. “Para mim foi fantástico viver aqueles três meses fora de Lisboa, concentrado naquilo, com pessoas que admiro tanto. Foi um processo de aprendizagem muito, muito interessante”, diz o ator numa entrevista ao Delas.pt, que pode ler em baixo.

Como é que acontece a sua participação neste filme?
Eu conheci o Bruno quando ele fez a primeira curta-metragem dele, o ‘Boy’ [2014], demo-nos lindamente a trabalhar, fiz a segunda curta-metragem dele [‘Vazio’, 2015] e agora o ‘Carga’. Portanto, tenho acompanhado mais ou menos o percurso do Bruno [Gascon] e da Joana [Domingues], que sempre fizeram tudo em conjunto e a minha participação aqui vem um bocadinho desse background.

Gostou imediatamente da sua personagem, quando leu o guião, fez algumas sugestões de alteração ao realizador, com quem já trabalhou tantas vezes?
Trabalhar com o Bruno é relativamente fácil nesse sentido, porque não é um realizador muito fechado nas ideias dele e acha sempre que todas as ideias das outras pessoas servem, de alguma maneira, para enriquecer a história. Foram mais “alterações” nesse sentido, que não são tanto alterações, são uma descoberta em conjunto. Existe aquele personagem escrito daquela maneira, com um determinado background, e depois vamos então os dois em conjunto descobrir os porquês, os “comos”, descobrir qual é que é maneira mais acertada de contar esta história.

Duarte Grilo já tinha trabalhado com o realizador Bruno Gascon em duas curtas-metragens, antes de ‘Carga’ [Fotografia: Luís Sustelo]
Já tinha algum conhecimento deste universo do tráfico de pessoas, teve necessidade de ir investigar mais sobre o assunto ou falar com pessoas para preparar o papel?
Eu tinha o conhecimento sobre o tema que, provavelmente, qualquer cidadão comum tem. Depois de aprofundá-lo, comecei realmente a interessar-me e dado o meu papel, que não posso revelar [totalmente como é], o porquê e a quantidade de sofrimento que todas aquelas pessoas devem passar. Entrevistei duas pessoas que foram vítimas de tráfico e conheci algumas pessoas que combateram o tráfico. A impotência das pessoas traficadas e a impotência das pessoas que estão a tentar ajudar foi uma coisa que eu quis trazer um bocadinho. É um mundo muito escuro, onde não há propriamente escolhas.

Mas o realizador refere que todas as personagens têm escolhas e quis sublinhar isso, no filme.
Sim, mas uma escolha certa feita numa altura errada acaba por se transformar numa escolha errada. Os personagens todos têm escolhas. O meu teve a escolha de, na altura certa, agir de acordo com aquelas circunstâncias.

O ator numa das cenas do filme com a atriz Michalina Olszanska [Fotografia: Luís Sustelo]
Como é que depois, a partir das entrevistas que fez, construiu a sua personagem?
Estas entrevistas que fiz foi para me aperceber exatamente da realidade que me escapava, e me escapa, tanto de um lado como de outro. Depois é pegar em todos esses elementos, e de acordo com toda a história, em elementos que são completamente externos a nós e perceber de que maneira é que eles nos influenciam. Claro que este personagem, este Ian tem um porquê, uma razão para estar ali e fazer aquilo que faz. É um porquê que pode não ser pessoal, mas e se fosse? Se aquilo estivesse a acontecer, de que maneira é que eu sentiria aquelas coisas, de que maneira é que eu olharia para este ou para aquele? Também é um bocadinho meu. Se não fosse, não era verdade. Foi por aí que eu tentei construir o Ian, foi tentar apropriar-me ao máximo de todos aqueles elementos externos. E é uma coisa que, no meu ponto de vista, não pode ser fechada ou estanque. Foram dois, quase três, meses de rodagem, a lidar com as outras personagens e todos esses mundos acabam por se afetar uns aos outros.

Quão importante foi para si participar num filme sobre esta temática, sobre o tráfico de seres humanos?
É importante porque nós não fazemos a mínima ideia, eu pelo menos não fazia, do número de casos, dos números do tráfico de seres humanos, não só de mulheres, no filme nós vemos mulheres, vemos homens e vemos crianças. Não fazemos ideia dos números que existem, dos variadíssimos fins…Não é só para a prostituição, nós em Portugal temos casos gritantes de tráfico de seres humanos em muitos campos do Alentejo, do interior do país. E nós não fazemos ideia. Portanto, é importante no sentido de despertar essa atenção, porque é uma coisa que está aqui lado, na cidade lá ao fundo e é uma questão muito real em variadíssimas maneiras e em diversos setores. E acho que é importante, no sentido de “abrir os olhos” às pessoas porque isto acontece aqui.

Por outro lado, e apesar da dureza do tema, criou-se um ambiente descontraído e de companheirismo entre o elenco e o resto da equipa, durante a rodagem. Para alguns atores isso foi importante para aliviar o peso de algumas cenas. Também foi o seu caso?
Nós gravámos no inverno, no meio da neve, mas foi um ambiente muito quentinho [risos]. Eu acho que foi. Para mim foi uma honra, para já, trabalhar com as pessoas com quem trabalhei, pessoas que conhecia que admiro imenso – admiro a pessoa, antes de mais, e o trabalho em segundo lugar. O Dmitry [Bogomolov], do Vítor [Norte], do Miguel [Borges], o Rui Luís Brás são atores que para mim são referência. O Dmitry foi o meu primeiro professor. Portanto, poder estar num ambiente profissional de trabalho, a absorver um bocadinho de cada um, todas as histórias que o Vítor Norte tem para contar, entre os jogos de ping-pong e o resto, acabam por trazer um ambiente muito familiar que acaba por depois nos permitir tornar esse ambiente do tema do filme um bocadinho mais leve. Nós do ‘”ação” ao “corta” convém que o que estamos ali a sentir seja o mais verdadeiro possível. Já é uma carga suficiente aí. Depois tudo o resto cá fora foi vivido com uma extrema humildade por parte de toda a equipa e foi uma grande entreajuda e um grande trabalho conjunto de todos. Foi maravilhoso também conhecer a Michalina [Olszanska], que é uma atriz fantástica e uma pessoa fenomenal, e que não nos conhecia e se juntou a nós como se fosse da família. Para mim foi fantástico viver aqueles três meses fora de Lisboa, concentrado naquilo, com pessoas que eu admiro tanto. Foi um processo de aprendizagem muito, muito interessante.

Que expectativas tem para este filme?
Espero que seja um grande, grande filme [na altura em que foram feitas as entrevistas, pelo Delas.pt, ao elenco de ‘Carga’, os atores ainda não tinham visto o filme] e que seja visto por muitas pessoas. Expectativas, eu aprendi que é melhor não ter. Tenho a certeza que está um bom trabalho, foi feito por pessoas muito profissionais, cheias de vontade de fazer e de fazer bem, e isso já é meio caminho andado para correr bem.

 

Design multimédia: Lília Gomes

O ator Miguel Borges acredita que ‘Carga’ vai “abrir os olhos” das pessoas para o tráfico de seres humanos

‘Carga’ estreia a 8 de novembro. O Delas.pt dedica um dossier especial ao filme que trata o tráfico humano