É tão giro mostrar que somos parolos

Carla Macedo
Carla Macedo

É tão giro mostrar que os portugueses são parolos. A cada semana de moda em Portugal acontece o mesmo: aparece um vídeo na internet a mostrar que o público de moda é bimbo, não sabe nada, é oco. Este ano foi feito um vídeo com um inquérito de resposta múltipla sobre designers, mostrando pessoas que não o são, e lá vimos nós outra vez um grupo de gente a responder disparates e todos nos rimos imenso nas redes sociais… Porque quem vai aos eventos de moda é sempre tonto.
Este ano houve uma peça ainda melhor. Criancinhas de 8 ou 9 anos comentavam alguns dos modelos mais extravagantes ou experimentais apresentados pelos criadores. E a malta ri-se, diverte-se imenso e diz que as crianças não mentem. Se as crianças dizem que “ninguém se sentia bem com este casaco a andar na rua”, “este não gosto”, “este também não gosto”, estas são tidas como opiniões acertadas. E assim se prova, mais uma vez, que os criadores de moda são tolos e sem ideias que devam ser encaradas seriamente.
Li Edelkoort, uma estudiosa da moda e visionária de tendências, falava justamente desta questão, numa entrevista dada à revista S do El País, há pouco mais de uma semana. Dizia ela que “a maior mentira da moda é que nela trabalham cabeças ocas”. Edelkoort explica que a moda tem uma função política, “ainda que não tão potente quanto deveria”, e que, “felizmente, hoje já se entende que é um setor importante da sociedade e da economia.”
Parece que em Portugal ainda há quem não tenha esse entendimento. Fazem-se uns vídeos, mostra-se a parte para ser tomada pelo todo, não se procuram os conhecedores à porta dos desfiles, selecionam-se as respostas mais tolas que garantem risos, cliques e se se mantiver a perceção da futilidade da moda a culpa não é nossa. É das pessoas, é do público…
Esperar que uma criança de 10 anos compreenda as propostas de Alexandra Moura é que é tolo. Elas expressam uma interrogação importante que a moda e a sociedade fazem hoje: “O que é o género, ainda fará sentido separar feminino e masculino?” Não sermos nós, jornalistas, capazes de ver essas perguntas ou de irmos mais além do que o senso comum deixa é pior do que tolo: mete medo.
Numa reportagem da SIC sobre o PortugalFashion, Luís Buchinho assinalou que o espírito preconceituoso em relação ao produto de moda português está a mudar. Espero que o criador tenha razão ou ficaremos todos, mais uma década, a fazer tecidos e desenhos que as grandes marcas internacionais compram ao preço da chuva, para nós comprarmos as peças que com eles se fazem, ao preço do ouro, porque passam a ser da marca x, internacional, do estrangeiro, de fora. Que é como quem diz, mostrando que somos, de facto, parolos.