Eduarda Abbondanza: “Quem mais se emocionou com o documentário da ModaLisboa foram os jovens”

destaque

Sabia que John Galliano era para ter vindo apresentar uma coleção à ModaLisboa mas a maior parte dos designers foi contra, gerando uma crise que quase levou ao fim da semana de moda? Fazia ideia que Maria Barroso abandonou um desfile depois de as modelos começarem aos beijos na passerelle e que os atrasos dos desfiles eram de várias horas? Estes e outros factos que nunca imaginou serão hoje, 10 de outubro, contados na RTP2 pelas 22h57, quando será exibido o documentário dedicado às 50 edições da ModaLisboa.

A realização ficou a cargo de Márcio Simões que em 55 minutos retratou a história da semana de moda lisboeta desde o seu início. São muitas as imagens de artigo e histórias contadas na primeira pessoa por quem viveu os primeiros anos da moda nacional. O Delas.pt falou com Eduarda Abbondanza, presidente da ModaLisboa, a propósito deste documento único que mostra os bastidores da moda nacional desde o primeiro dia.

 

Qual foi a parte mais difícil na concretização deste documentário?

Eu não estive muito envolvida no documentário. O projeto esteve parado vários meses e percebi que eu não podia ser a pessoa a retratar a História da ModaLisboa, quando ainda estou no ativo a fazer a História todos os dias e o futuro, portanto deleguei o documentário. Escolhi uma realização, escolhi a Patrícia Barnabé para fazer as entrevistas, e depois fiz listas de pessoas. Na verdade eu só vi o documentário no S.Jorge, no dia da ante-estreia.

O que achou do resultado final?

Achei que tinha feito bem em ter delegado, porque se fosse eu à frente do projeto o documentário teria 10 horas e ninguém o ia ver porque eu ia achar sempre que faltavam coisas e o documentário não teria fim. O Márcio conseguiu criar uma narrativa para 50 edições em 55 minutos, o que dá quase 1 minuto por edição. Gostei muito do fim do documentário, porque é um final com a equipa toda na edição 50 mas não é um fim propriamente dito, já que a História continua.

Há alguma história que a Eduarda gostaria de ter visto retratada mas que não coube nos 55 minutos?

Tantas, tantas, tantas… As entrevistas foram feitas a muito mais pessoas do que aquelas que aparecem e todos nós falámos muito mais do que aquilo que está lá, mas não era possível incluir tudo. Acho que a maneira como o Márcio conta é muito correta, mas claro que não está lá tudo, são vinte e tal anos, é muita gente e muitas histórias.

Acha que este documentário é uma obra fundamental para as novas gerações que trabalham na área terem uma noção do que já foi a moda em Portugal?

Acho que sim, por uma razão… eu pensei que na ante-estreia quem se ia emocionar mais eram os mais velhos mas depois, entre todas as pessoas com quem contactei, percebi que quem mais se emocionou com o documentário foram os mais novos. Nomeadamente os meus alunos de mestrado, que têm 21 anos, a minha filha, a Raquel Strada, a Inês Herédia, que são tudo pessoas que apesar de terem uma relação com a ModaLisboa não são daquela época, e eles choraram.

“O que é narrado no documentário dá-lhes esperança no futuro, porque mostra que mesmo que não existam as condições ideais, nós podemos sempre construí-las e isso é fantástico”

Como é que eles lhe explicaram essa emoção?

Os meus alunos explicaram-me que o documentário além de explicar o princípio da moda em Portugal, que eles desconheciam completamente, também lhes criou esperança no futuro… porque se nós conseguimos fazer, eles também conseguem. Essa capacidade de empreender emocionou-os muito. Foi um misto entre perceber o passado que não é assim tão distante, e um futuro, porque no fundo o documentário também dá o exemplo. Esta era ideia que nunca me tinha passado pela cabeça.

Acha que essa emoção pode também estar relacionada com uma saudade do que não viveram, ou seja, com o facto de nunca irem viver aquele borbulhar dos primeiros anos da ModaLisboa?

Não, acho que não é nostalgia, é mesmo uma esperança no futuro deles e isso é espantoso. O que é narrado no documentário dá-lhes esperança no futuro, porque mostra que mesmo que não existam as condições ideais, nós podemos sempre construí-las e isso é fantástico.

Há 27 anos imaginava que a ModaLisboa teria um documentário?

Não, não imaginava.

Como surgiu a ideia de o fazer?

Estávamos a aproximar-nos das 50 edições e havia necessidade de arquivar. Passaram tantas pessoas pela ModaLisboa, algumas delas já morreram inclusivamente, e por todas essas razões, antes que a memória se perdesse, havia necessidade de criar esse tipo de documento. Quando percebi que o problema era eu para o projeto não estar a avançar, entreguei tudo à equipa da ModaLisboa e só fiz listas. Para mim também foi a primeira fez que aconteceu uma coisa muito importante para a ModaLisboa, que não passou por mim. E foi bom, foi bom receber uma coisa boa.

Não teve medo?

Tive, claro. Eu estava sempre a pensar: ‘vou sempre achar que faltam 50 mil coisas’. E acho que faltam de facto, mas o que foi feito é muito bom, e estou contente com isso.

No documentário aparecem várias imagens da edição 50 da ModaLisboa. A Eduarda esteve o tempo inteiro com o microfone ligado?

Estivemos sempre, eu estive sempre monitorizada.

“Às vezes até dizia coisas estúpidas mesmo para a equipa do documentário, quando estava assim sozinha dizia “ai estão aí a ouvir-me?!”

Não lhe fez confusão?

Fez imensa… Eu como sou mal comportada nessas coisas, fiz tudo, desde esconder o microfone, a desligá-lo, até que depois me habituei e já não me lembrava que o tinha.

E pediu à equipa para ter atenção a alguma coisa que não devia ter dito com microfone ligado?

Basicamente eu devo ter dito montes de coisas inconvenientes, porque quando se está a trabalhar, a receber pessoas, a fazer de júri no Sangue Novo, uma pessoa esquece-se que está a ser monitorizada. Portanto devo ter dito montes de disparates. Às vezes até dizia coisas estúpidas mesmo para a equipa do documentário, quando estava assim sozinha dizia “ai estão ai a ouvir-me?!”. Mas não foi uma coisa de que eu gostasse.

No documentário a Eduarda diz que a edição 50 não foi sobre o passado mas sim sobre o futuro. Esta edição 51 da ModaLisboa é histórica para a moda em Portugal, porque é a primeira com um protocolo assinado com o Portugal Fashion. O que é que isto pode mudar no futuro da moda nacional?

Acho que este é um esforço para mostrar que é possível trabalhar em conjunto e irmos mais longe. Com toda a franqueza, nós estivemos a testar confiança entre as organizações, antes de assinar o protocolo, porque o nosso passado não era exemplar. Falámos sobre a área da moda em Portugal para perceber se as nossas ideias para este setor eram complementares.

Acha possível num documentário sobre moda portuguesa feito daqui a 20 anos, ser retratada uma semana de moda nacional única?

Acho que tudo é possível, se se justificar. As duas organizações que existem são diferentes. Para o público externo foi criada uma grande confusão nos últimos anos, porque uma das organizações veio canibalizar o território da outra. Mas na sua génese as organizações são diferentes. A ModaLisboa é uma associação que trabalha muito na descoberta de criadores, enquanto o Portugal Fashion tem uma vertente de empreendedorismo e têm uma relação maior com a indústria. As organizações são por isso diferentes. Acho que no futuro essas diferenças se vão acentuar, no sentido das duas organizações serem evidentemente complementares e não competitivas. Isto é o que eu gostaria que acontecesse.

ModaLisboa e Portugal Fashion apostam em estratégia conjunta