Eduarda Abbondanza: “Temos de criar esperança às pessoas”

Eduarda abbondanza
Diretora da Associação ModaLisboa, Eduarda Abbondanza [Fotografia: ModaLisboa]

Diretora da ModaLisboa antecipa arranque do certame e fala do que se pode esperar da moda nacional em tempos de guerra. A Ucrânia faz parte integral do evento – desde o cartaz com as cores da bandeira, a manequins fugidas da guerra e presença da UNICEF para angariar donativos -, mas Eduarda Abbondanza lembra que é importante olhar para a vida em épocas de convulsão. Tudo porque o dia de amanhã é desconhecido.

Diretora da associação ModaLIsboa Eduarda Abundanza (Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens]
Diretora da associação ModaLIsboa Eduarda Abundanza
[Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens]
Na primeira edição sem restrições devidas à pandemia e quando se esperava respirar de alívio, a responsável da ModaLisboa e professora universitária traça a impacto do que se vive no mundo no setor: quer na criatividade, quer na economia.

A Câmara de Alta Costura de Paris pediu, para a sua Semana da Moda, alguma contenção nas apresentações tendo em conta a guerra na Ucrânia. Houve alguma indicação por parte da ModaLisboa dada aos designers?

Não exatamente. Não vamos fazer isso. Paris é uma capital que recebe designers do mundo inteiro, nós aqui comunicamos todos os dias, estamos em contacto uns com os outros. Há criadores que se vão expressar sobre esta questão, outros menos. Mas continuamos a preservar a liberdade de cada um na criação.

Da parte dos criadores houve algum pedido à ModaLisbo tendo em conta a forma como o mundo mudou nas últimas duas semanas?

Não. Mas vamos ter umas cores próximas às da bandeira das Ucrânia. O nOsso dossiê da imprensa é a bandeira da Ucrânia. Há coisas que já estavam impressas, se não teríamos manchado tudo. Mas, inevitavelmente, a ModaLisboa esteve e estará sempre ao lado de tudo aquilo que é pela justiça, pela liberdade, pela igualdade de direitos e, portanto, também reflete essa posição nesta altura.

Como é que a moda nacional pode vir a ser impactada com esta guerra?

Nenhum de nós sabe o futuro. Se fosse há uns anos, atrevia-me a fazer conjeturas. Depois de nos ter acontecido uma pandemia, que todos achávamos impossível, agora esta guerra… Sabemos que o mundo está sempre em convulsões, mas esta é uma situação que envolve a Europa, toca-nos a todos não só do ponto de vista emocional e de solidariedade, mas também de uma forma muito profunda.

Como crê que esta guerra se reflita na criação e na economia de moda?

A crise económica já era latente devido aos dois anos de confinamentos, de redução, era inevitável. Esta é uma crise energética e vai tocar tudo. Nesta edição que começa esta quinta-feira, 10 de março, tudo o que tem a ver com materiais foi um filme. Podem não chegar a tempo ou mesmo não chegar. Desde tecidos, a tudo o que implique transportes e movimento

E em termos criativos?

Assisti às semanas de moda internacionais todas e a moda adquiriu novamente uma versão de statement. Desde que a Guerra começou, temos estado a assistir a muitos: Giorgio Armani, Balenciaga, Dior. Esse lado da moda, digamos mais revolucionário, vai inevitavelmente refletir-se.

Mas antecipa um período criativo mais soturno ou, pelo contrário, com maior necessidade de dar vida à vida?

Estamos um bocado emparedados, numa bi, tripolariodade. Por um lado, as nossas ações têm de ser um bocadinho mais contidas por respeito ao que se está a passar. Por outro lado, quem pode também tem a obrigação de viver o seu dia-a-dia da melhor maneira possível porque não sabemos o que nos espera amanhã. Esta duplicidade de responsabilidade sobre o ser humano torna-o instável e, de certa forma, disparatado. Eventualmente, assistimos a muitas coisas disparatadas também porque as pessoas não estão nada tranquilas, estão agitadas, assustadas, com medo, e o rasto do medo já vinha de há muito tempo. Mas nós temos uma missão também para as gerações mais novas: Não podemos, depois de dois anos de pandemia, da guerra, da crise económica, energética e ambiental parar. Temos de criar esperança às pessoas.

Nesta nova edição e para lá do que já foi referido, o que se pode esperar e em que difere de todas as outras?

Quando se arranca para uma nova edição, tenho o histórico para fazer de novo. A não ser a estrutura organizativa, que se mantém, em termos de pensamento criativo estamos sempre a editar e a recriar. Estamos a correr riscos, vamos para um edifício que não está pronto, mas o mundo inteiro também os está a correr. Se fosse há cinco anos, estava paranóica com estes riscos, neste momento, estou absolutamente tranquila. Estamos em destruição em algumas zonas do mundo e vamos ter de estar em reconstrução. E nós aqui também estamos nesse processo: a edificar, a construir. E é um momento maluco para fazer ModaLisboa.

Maluco?

Por causa da guerra. Apanhou-nos na reta final e criou-nos angústia, insegurança em relação ao nosso futuro como seres humanos, ao futuro dos nossos filhos. Gostaria muito mais de ter estado a fazer a ModaLisboa num momento de paz. Esta era a primeira edição já sem as restrições da pandemia e o que temos todos agora pela frente é triste. Tem a ver com a tristeza. Nós iremos fazer tudo. Na moda fala-se sempre do que esta a acontecer na sociedade, a moda é mundo, mas, apesar de tudo, ha de haver coisas boas.