
Não é um diagnóstico, mas é realidade para muitas e para muitos. Não é uma doença, mas tem vindo a impor-se como padrão psicológico que provoca efeitos mentais e físicos nefastos e concretos. A Síndrome da Impostora – que tem vindo a ser cada vez mais falado e agora surge tratado em livro pela psicóloga Filipa Jardim da Silva – estabelece sobre quem sofre dele uma aura de falhanço iminente e inevitável, uma desilusão aos olhos dos outros, ainda que nada publicamente aponte para isso. Portanto, um clássico exemplo de autossabotagem.
Ouvida pela Delas.pt à margem do lançamento do novo livro, a especialista vinca que se trata de “um padrão psicológico que pode variar em intensidade e impactar diferentes áreas da vida”, podendo “manifestar-se em diferentes níveis de gravidade”, podendo ser mais ou menos debilitante, consoante os casos.
Filipa Jardim da Silva aponta, assim, para três estados de autossabotagem: Leve (ocasional e circunstancial), moderado (padrão repetitivo) e severo, “com impacto significativo na saúde mental e vida profissional e pessoal”, refere.
No primeiro caso, a psicóloga clínica revela presença de sinais como ”insegurança”, ainda que seja possível ”reconhecer, racionalizar, regular a

emoção e seguir em frente na tarefa”. Trata-se de episódios que “surgem pontualmente em contextos desafiantes, como por exemplo um novo emprego, exame importante, exposição elevada numa palestra ou apresentação”. Já num segundo nível, a especialista vinca que os “pensamentos de insuficiência surgem de forma mais frequente”, pelo que sintomas como “ansiedade e stress” – ainda que não incapacitantes – podem prevalecer. Neste estádio, a pessoa tende a “ter dificuldades em aceitar elogios ou atribuir sucessos a fatores internos” e pode alterar a forma como cumpre o quotidiano, levando “à procrastinação (medo de falhar) ou ao perfeccionismo extremo”.
Numa última fase, mais severa e gravosa e a exigir maior intervenção, o síndrome pode surgir associada a “burnout, depressão, perturbação de ansiedade generalizada ou fobia social”. Filipa Jardim da Silva refere que “ a pessoa se sente constantemente inadequada, independentemente de provas objetivas do seu mérito”, manifesta “ansiedade intensa, ruminação mental e evitamento de desafios” e pode mesmo “rejeitar oportunidades ou até abandonar carreiras promissoras por medo de “ser descoberta”, assim como fazer escolhas de relações pessoais e projetos familiares de forma contaminada por esta crença de inadequação ou falta de valor pessoal”.
Para a psicóloga clínica, o padrão mental começa a ser patológico quando “começa a afetar o bem-estar emocional, o desempenho profissional ou a qualidade de vida”. “Se os pensamentos de autossabotagem geram ansiedade intensa, exaustão ou evitamento constante, pode ser necessária intervenção psicológica para reestruturar crenças disfuncionais”, alerta Filipa Jardim da Silva.
Quais os sinais a que deve estar atenta?
Mais do que afetar a mente, este padrão “tem também um impacto significativo no corpo devido à ativação prolongada do eixo do stress (HPA: hipotálamo-hipófise-adrenal), levando a sequelas físicas e metabólicas e comportamentais” e a “doenças associadas”, detalha a terapeuta em resposta por escrito à Delas.pt.
No primeiro caso, Jardim da Silva elenco sinais como “aumento dos níveis de cortisol, favorecendo fadiga crónica, tensão muscular e dores de cabeça”, “diminuição da qualidade do sono, levando a insónia ou sono não reparador”, “desequilíbrios metabólicos, contribuindo para aumento de peso ou dificuldade em perder peso” e “maior vulnerabilidade a doenças cardiovasculares, devido ao stress crónico e inflamação sistémica”.
A par destes alertas físicos, “a maior tendência para perfeccionismo e overworking, resultando em burnout”, a “autossabotagem e procrastinação, pelo medo de falhar” e a “dificuldade em pedir ajuda, aumentando a sensação de isolamento” assumem preponderância e devem gerar preocupação.
Afinal, todos estes elementos podem levar a “uma maior incidência de ansiedade generalizada, depressão e perturbações alimentares” e “vulnerabilidade acrescida a transtornos psicossomáticos, como dores sem explicação médica clara”.
Porque a atinge mais as mulheres?
Embora esta condição seja evidente em ambos sexos, as mulheres tendem a estar mais propensas a desenvolverem este tipo de modelo mental. E as razões para isso são de índole sociocultural. “Desde a infância, as raparigas são mais incentivadas a procurar aprovação externa e a demonstrar perfeição, enquanto os rapazes são mais encorajados a arriscar e falhar”, afirma Filipa Jardim da Silva, falando numa perpetuação desse sinal: “Em ambientes competitivos, as mulheres tendem a sentir maior necessidade de ‘provar’ o seu valor.” Ao mesmo tempo, os estudos mostram já que ”mulheres bem-sucedidas têm mais tendência para desvalorizar o próprio mérito, enquanto os homens tendem a reconhecer e celebrar os seus sucessos”, sabendo-se que há falta de modelos femininos na liderança e que ainda hoje a demonstração pública de confiança por parte de uma mulher é muitas vezes percecionada como ‘arrogância’.
Mas nem tudo radica na carreira, há razões que chegam por via da vida pessoal e familiar: “A dupla jornada e pressão social “também contribuem para este caminho. “Muitas mulheres equilibram carreiras exigentes com responsabilidades familiares, sentindo-se culpadas por não conseguirem “dar tudo” em todas as áreas” e subsiste “o mito da ‘mulher multitarefas e perfeita’ que contribui para um maior medo de falhar”, alerta Fiilpa Jardim da Silva.
A desconstrução de ideias feitas revela-se, para a especialista, como um passo prioritário. É preciso “promover modelos femininos de liderança e sucesso”, “ensinar mulheres a aceitarem elogios sem vergonha e a reconhecerem o seu próprio mérito sem que isso seja equiparado a narcisismo”, “reforçar que competência não exige perfeição” e “criar espaços seguros para falar sobre insegurança, normalizando a experiência”.