Ejaculação feminina: sim, existe mesmo!

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á mulheres que ejaculam mesmo durante o orgasmo. É um fenómeno pouco falado, ainda tabu e, muitas vezes, acompanhado de vergonha. O que é que se passa no corpo e na mente para que isso aconteça? O que é que se passa para que não aconteça? Um médico ajuda-nos a esclarecer e uma mulher e um homem contam-nos a sua experiência individual.

Nós, os jornalistas, temos uma vantagem. Podemos falar de quase tudo, questionar, referir temas tabu, em prol da pesquisa e do conhecimento, sem que nos levem a mal. Mas ao longo das semanas que andei a pesquisar e depois escrever este artigo, observei várias sobrancelhas inquisidoras a levantar e risinhos constrangidos quando respondia à pergunta ‘sobre que é que estás a escrever?’ Um simples: sobre ‘a ejaculação feminina’ fazia com que rapidamente desviassem a conversa para áreas menos privadas. O tema parece ainda estar na esfera do tabu e com exceção de uma mulher sueca que prontamente me disse que sabia o que era, que lhe acontecia e sabia como o provocar (que não é a portuguesa que depois nos falou da sua experiência), poucas foram as que contribuíram para o tema nas conversas informais que muitas vezes nos fazem ter ideias para os textos. Um francês também prontamente me deu o seu contributo, mas de homens portugueses não tive abertura para falar do tema – ou se calhar fui eu que me senti mais constrangida em fazer as perguntas diretas, perpetuando o tabu. Parece que em Portugal ainda temos resistência a falar de algumas coisas da sexualidade, e porque a educação é chave, aqui estamos nós a esclarecer o possível sobre este tema que pode bem ser um dos últimos tabus do sexo.

EXISTE OU NÃO EXISTE?

O médico Nuno Monteiro Pereira, com competência em Sexologia Clínica, mestre em Sexualidade e doutorado em Cirurgia-Urologia, coordenador de Competência de Sexologia Clínica da Ordem dos Médicos e autor de livros sobre sexualidade, responde: “Existe mas é rara.” E a composição química do líquido expelido é que tem sido o maior quebra-cabeças para a ciência. “É ejaculação no sentido em que há a emissão de um líquido aquando de uma fase adiantada de excitação sexual – mas nada tem a ver com a masculina. Quando foram feitas as primeiras publicações sobre o assunto, que identificaram que em algumas mulheres existia um tipo de ejaculação, a questão foi esta:’ o que é o líquido emitido?’ E durante muito tempo pensou-se que era simplesmente urina e então não seria ejaculação mas uma incontinência urinária particular que surgiria no meio da excitação sexual em fase de situação orgásmica – haveria emissão de urina pelos espasmos musculares.”

Só que estudos trabalhos nos anos 60 revelaram que o líquido ejaculado não era urina. As linhas que se seguiram na investigação quiseram saber que líquido era este e por que é que ele ocorria apenas em algumas mulheres e não na maioria. Mas era difícil estudar o assunto por que se, por um lado, o fenómeno parecia ocorrer em pequena escala, por outro o pudor vigente poderá ter levado muitas mulheres a nunca revelarem a sua verdadeira capacidade para ejacular. Além disto, a variedade entre as mulheres que o fazem também é grande, “há mulheres que emitem vários mililitros de líquido (10-15), outras que emitem apenas uns vestígios”, diz Nuno Monteiro Pereira.

“No princípio dos anos 70, estudos passaram a considerar que o mecanismo era explicado pela presença de glândulas ao lado da uretra (parauretrais) que enchiam e que, em algumas circunstâncias, emitiam a sua secreção – umas apenas pela ação mecânica do coito, movimentos perinianos, outras só no momento do orgasmo da mulher.”

Hoje, com novos estudos, a teoria mais consensual é a de que as mulheres que ejaculam com o orgasmo têm vestígios da glândula prostática, o órgão que no homem produz a secreção prostática, que é uma das componentes do esperma.

O quê? Mulheres com resquícios de próstata? Isso quer dizer o quê? São mulheres na mesma?

“Há mulheres que têm como resquícios [no seu corpo] um tecido da mesma estrutura da próstata. Nas mulheres que têm esse núcleo e quanto maior, maior a secreção que sai, ‘maior a ejaculação’. Por isso, hoje em dia, fala-se de próstata feminina por resquício da estrutura que deu origem à próstata nos homens,” afirma o especialista.

‘Como assim?’ penso. Isto parece uma teoria machista. Estará tão enraizado o pensamento cristão que isto quase reforça aquela história de que Eva foi feita a partir de uma costela de Adão… Mas o urologista continua, sem me deixar interromper: “Faz algum sentido… Na verdade, em todas as pessoas, homens ou mulheres, há uma fase da vida embrionária que se têm os dois órgãos, ou seja, feminino e masculino. Na chamada diferenciação sexual embrionária, a certa altura, por ação hormonal, há estruturas masculinas que vão atrofiar se a evolução for no sentido feminino e vice-versa, se a evolução for no sentido masculino, atrofiam as femininas. Neste caso, a atrofia não foi completa, daí se chamarem resquícios embrionários. Esta é a teoria vigente.” Portanto, homens e mulheres têm ambos os seus lados feminino e masculino. Não vale a pena esconder mais.

Ana Maria, 38 anos, empresária, é bastante clara: “Não tive nenhum diagnóstico formal por um médico, apenas me apercebi com mais exatidão de um processo que acontece no meu corpo quando tenho orgasmos. Não é sempre, na verdade, é necessário estarem reunidas algumas condições, mas identifiquei que em determinadas alturas tinha uma lubrificação muito grande, achei durante muitos anos que era isso ou até pensei que fosse urina, mas depois investiguei e conclui que não, que era o que designam por ejaculação feminina.”

Como nos contou, o diagnóstico foi feito pela própria, com a ajuda de um namorado: “Durante a relação sexual, ele próprio me chamou a atenção para isso, porque tinha muita curiosidade no tema e nunca tinha tido uma namorada a quem acontecesse. Começámos a perceber que quando ele me estimulava de determinada forma ou estávamos em coito em determinada posição, a ejaculação acontecia. Ele começou a pedir para observar e descobrimos que eu conseguia provocar para que acontecesse, através da contração dos músculos abdominais e internos e com a ajuda dele na estimulação manual. Depois fiquei curiosa e tentei fazê-lo durante a masturbação. No início não consegui. Acho que tinha algum bloqueio mental ou estava envergonhada. Mas depois de algumas tentativas consegui ejacular sozinha e, hoje em dia, quando me masturbo consigo provocar.”

Edmond, 44 anos, explica como foi a primeira (e única) vez que tal lhe aconteceu, na jovem idade adulta: “Estávamos no sofá da casa de férias da avó de um flirt e no clímax esta fantástica quantidade de líquido quente foi expelida de dentro dela e cobriu todas as minhas pernas e o sofá. O momento terminou rápido porque a prioridade foi a deixarmos tudo limpo. Como muitas mulheres ainda não totalmente confortáveis com a sua sexualidade, como é próprio da idade, ela ficou muito envergonhada e autoconsciente do tema.”

POUCAS OU TODAS?

Os estudos são poucos, porque claro, os apoios financeiros são mais facilmente concedidos para estudar patologias graves. Como refere Nuno Monteiro Ferreira: “Não há muitas publicações de casos, é considerada uma coisa interessante mas invulgar mas não é em termos médicos uma patologia muito interessante. É algo fisiológico que algumas mulheres têm e outras não.” O último estudo de que se falou foi feito em 2015, em França, e também não adianta muito mais: algumas mulheres expelem mesmo um líquido que contém vestígios de urina aquando o orgasmo, mas outras expelem um líquido com resquícios prostáticos. Na maior parte dos estudos, as amostragens são reduzidas e reproduzir o comportamento sexual em laboratório é sempre um desafio para qualquer investigador, dado o cariz emocional e mental do acto sexual.

Segundo a classe médica, a percentagem de mulheres com esta ‘característica’ é baixa: “Sabe-se que 5 a 8% das mulheres poderá ter esta capacidade involuntária não constante, e que pode ter a ver com a presença de tecido resquicial do tipo prostático. Normalmente são coisas mínimas que a própria mulher não interpreta…” Apenas 5-8% das mulheres conseguem ter ejaculação?, indago: “Não, muito menos. Essas são as que podem ter estes resquícios de glândula, mas muitas nem têm conhecimento de que o têm”, ou seja, em se aperceberam da possibilidade de ejaculação.

Esta ideia é totalmente contrariada pelo autor e psicossociólogo Jacques Salomé, que vai ainda mais longe ao caracterizá-la como: “É quando se passa da comunicação sexual à comunhão sexual. Na minha opinião todas as mulheres são ‘femme fontaine’, há algumas que o sabem, outras que não”, referiu em entrevistas dadas a uma televisão francesa. Apenas têm de a descobrir. Mas alerta para que a informação é escassa e a internet está cheia de mitos.

Ana refere também que durante muito tempo “não tinha um nome para isto e algumas vezes até foi embaraçoso, porque a quantidade de líquido pode parecer urina (apesar de não ter o odor a tal) e se acontece no início de uma relação a dois pode ser bastante constrangedor, não havendo à vontade para falar sobre o tema. Na verdade também acho que muitos homens não falariam sobre isto com muita abertura, entre mulheres conseguimos falar sobre estes temas com mais facilidade… De qualquer das maneiras, não sei muito bem quando terá começado, identifiquei algumas vezes que aconteceu sem eu querer, mas não tinha um nome. Só por volta dos 30 quando aconteceu a situação que descrevi percebi bem o que era e mesmo assim não encontrei muita informação sobre o assunto.”

Edmond refere que já tinha ouvido falar do tema antes de lhe acontecer: “Sabia que existia, mas nunca seria o tipo de assunto que abordaria por minha própria iniciativa. Do lado dela, acabei por nunca saber se ela saberia isto sobre ela e terá fingido a surpresa ou se realmente aconteceu aquela vez comigo pela primeira vez. Certamente prefiro acreditar neste segundo cenário, mas apenas porque afaga mais o meu ego.” Este é outro fator a destacar: alguns homens acreditam que se deve às suas competências masculinas, mas a ejaculação feminina tem mais a ver com as características físicas da mulher do que propriamente com as do homem, apesar de claro, existirem muitos fatores no caminho a percorrer para atingir o orgasmo.

Ana refere, a propósito, que este tipo de reação não é exatamente a mesma de um orgasmo clássico: “A sensação é ligeiramente diferente e, no meu caso pessoal, que é o único que posso falar, é algo não tão intenso. Ou seja, há orgasmos muito mais intensos sem ejaculação, é a minha experiência. Mas quando essa acontece há um outro tipo de prazer, uma espécie de soltar de energia que é acompanhada pelo calor do líquido que é expelido pela vagina. E talvez agora que tenho esta consciência, pelo prazer de controlar esta reação corporal. O sexo e os orgasmos são muito mentais, e está tudo ligado, por isso imagino que seja por isso…”

Também é importante referir que a ejaculação feminina não é uma patologia: “Não causa problemas, não se opera, não se trata esta circunstância, explica-se à mulher. Em Portugal não conheço nenhum caso que fosse operado por a paciente ter ejaculações muito acentuadas. Pode ser uma situação enigmática e causar alguma vergonha, mas nunca é uma situação preocupante”, resume Nuno Monteiro Pereira.

COMO ACONTECE?

O mecanismo que aciona a ejaculação não está ainda bem claro. É algo involuntário que ocorre durante o orgasmo ou a mulher pode aprender a controlar e a provocar a ejaculação? Recorremos novamente ao especialista: “Não sei se consegue. São estruturas absolutamente involuntárias, a estrutura muscular que existe responde involuntariamente a um momento do orgasmo – contração muscular maciça de toda a região muscular pélvica. Portanto, isto não é controlável. As mulheres podem, na melhor das hipóteses, se estiverem mais ou menos relaxadas, terem mais ou menos perda desse líquido, mas em plena excitação e com um orgasmo intenso, penso que é absolutamente involuntário.”

Ana acrescenta: “Evitar é mesmo impossível, durante o ato sexual estou excitada e não sei como o meu corpo vai reagir durante o orgasmo, às vezes acontece outras não. Evitar não consigo. Mas provocar sim, já identifiquei os movimentos mecânicos que propiciam este estado e algumas vezes já o consegui provocar. No caso daquele namorado era algo que ele gostava que acontecesse e brincávamos com isso. Mas confesso para mim não é um objetivo, pois nem sempre um orgasmo com ejaculação é mais forte ou com mais prazer do que um sem…”

Ainda assim, estou curiosa de saber se é algo que se possa trabalhar para conseguir e pergunto claramente ao Dr. Nuno se dado que se trata de algo que deriva de uma contração muscular, mulheres mais exercitadas ao nível da zona core (abdominais e costas) terão mais facilidade em conseguir a ejaculação? “Pode acontecer, sim, são mais musculadas, toda a resposta muscular é mais intensa, sim, pode fazer sentido. Estamos a falar da capacidade muscular vaginal. A tonicidade da vagina é diferente de mulher para mulher, o mais óbvio as mulheres que já tiveram filhos e as que não tiveram ainda. Depois de ter filhos por via vaginal a distensão que o nascer da criança provoca vai afetar toda a musculatura à volta da vagina – hoje em dia há exercícios para reabilitação, mas as mulheres não mantêm a mesma tonicidade. Se forem mulheres com uma musculatura da vagina bem exercitada (pela atividade sexual, exercícios de Kegel, terem capacidade muscular e pélvica boa) em princípio poderá notar-se mais isto, uma pequena emissão é capaz de ser mais notada.”


Rita Machado | @ritamachado33

O que é o orgasmo?