Elas cantam António Variações e contam como ele as marcou

António Variações morreu há 35 anos mas o seu legado perdura e continua a inspirar gerações seguidas de músicos e cantores. É essa herança musical e cultural que é celebrada este sábado, 29 de junho, a partir das 22h, num espetáculo de homenagem ao músico (que faria 75 anos em 2019), que encerra a edição deste ano das Festas de Lisboa. O evento conta com a prestação de vários artistas de diferentes estilos musicais, como Ana Bacalhau, Conan Osiris, Lena d’ Água, Manuela Azevedo, Paulo Bragança ou Selma Uamusse.

Neste espetáculo especial, com direção artística de Luís Varatojo, as músicas de Variações serão arranjadas, pela primeira vez, para instrumentação sinfónica, sendo interpretadas pela Orquestra Metropolitana de Lisboa, conduzida pelo maestro Cesário Costa. O espetáculo terá ainda a participação do Coro Gospel Collective, do músico João Gentil, no acordeão, e orquestração de Filipe Melo, Filipe Raposo e Pedro Moreira.

O jardim da Torre de Belém serve de cenário a este concerto onde as vozes femininas sobressaem, mostrando também aí a versatilidade da música e das letras de António Variações. “[O espetáculo] Homenageia um artista vanguardista, sensível, irreverente, multifacetado, ousado e que tem um lado feminino também acentuado com explosão de cores, múltiplos timbres, uma imagem a quem ninguém fica indiferente”, diz Selma Uamusse, num curto texto enviado ao Delas.pt, que pode ler na íntegra, abaixo.

Além da cantora moçambicana, também Manuela Azevedo, vocalista dos Clã e uma das cantoras que participou no projeto de versões de músicas de António Variações, os Humanos, Ana Bacalhau e Lena d’ Água partilharam, em exclusivo com o nosso site, o que significa, para elas, o cantor que revolucionou a música pop em Portugal, que sintetizou influências, “entre Braga e Nova Iorque”, e que continua a ser um marco de inovação.

Leia, em baixo, os testemunhos das cantoras.

 

[Fotografia: Pedro Rocha / Global Imagens]
Manuela Azevedo: “Quando o António Variações surgiu, eu era uma adolescente muito distraída em relação à cena pop-rock nacional. Na altura, frequentava o curso de piano na Academia de Música, em Vila do Conde, por isso os meus gostos musicais estavam mais ligados à música que estudava. É claro que me recordo da figura exuberante e exótica do Variações nas suas aparições televisivas e, inevitavelmente, conhecia alguns dos seus refrães mais famosos, mas não sentia qualquer atração pelo seu trabalho. Só muito mais tarde, quando me envolvi no projeto Humanos é que mergulhei nas canções do António e na sua forma comovente e exata de cantar a vida. Confesso que fiquei rendida a esse modo de compor tão contrastante – uma escrita quase ingénua, mas também sábia e certeira; uma composição arrojada e moderna, mas também profundamente ligada à música mais tradicional, mais próxima das nossas raízes…Todo o processo dos Humanos foi uma deliciosa aventura – os músicos envolvidos, a descoberta das canções, a construção do álbum, a alegria e emoção partilhadas com todas as pessoas que assistiram aos concertos… Foram inúmeros os momentos inesquecíveis! No entanto, há um especialmente comovente e intenso: a canção ‘Adeus que me vou embora’, cantada magistralmente pelo grande Camané, no palco do Coliseu dos Recreios. A doçura daquela despedida, do regresso do António aos braços dos seus pais, da sua terra, da sua paz, ‘livre de coração’, levada pela voz do Camané, deixavam-me (deixam-me) sempre à beira das lágrimas. E tenho a certeza que, mesmo os mais empedernidos, serão alguma vez tocados pela emoção franca das canções do António.”

 

[Fotografia: DR]

Ana Bacalhau: “António Variações é um dos autores mais importantes da música portuguesa. E António Variações é um dos autores mais importantes da minha vida. As canções que escreveu contam-me de fio a pavio e hoje, 40 e tal anos depois de terem sido criadas, ao cantar versos como “Vou viver/Até quando eu não sei/Que me importa o que serei/Quero é viver”, posso dizer que como todas as grandes canções, as suas palavras transformam-se nas minhas emoções e contam a minha vida. A vida de todos. Celebremos a vida e a obra de Variações e, ao fazê-lo, estaremos a celebrar a nossa vida na sua obra.”

 

Selma Uamusse: “É uma grande honra para mim poder cantar uma das múltiplas vozes do António Variações. O nome artístico não poderia fazer mais sentido, uma espécie de santo casamenteiro que a todos nos une mas com múltiplas facetas/Variações e com tanto respeito pelas nossas identidades. Fazer parte de uma paleta de cores distintas que homenageia um artista vanguardista, sensível, irreverente, multifacetado, ousado e que tem um lado feminino também acentuado com explosão de cores, múltiplos timbres, uma imagem a quem ninguém fica indiferente, sons inquietantes, alma sempre presente mas doce e livre…Isto é ser também mulher!”

 

Lena D'ÁguaLena d’Água: “Ouvi-o pela primeira vez em 82 na Valentim de Carvalho da rua Nova do Almada, estava eu na sala da promoção com o Janita e ele na sala da produção com o David Ferreira e o Francisco Vasconcelos, onde faziam a audição do tema «Povo que lavas no rio». Estranhei muito aquela voz e aquela forma de cantar e pensei «há cada maluco!». Não me lembro do dia em que fomos apresentados, só que senti uma empatia imediata com aquele ser amável e doce, o António Variações. Sempre que nos víamos ele soltava um terno «Aguinha!…», era assim que me chamava. Meses antes da sua morte encontrámo-nos nos estúdios de Paço d’Arcos, estava eu a gravar o (álbum) Lusitânia e ele a finalizar o (álbum) Dar e Receber e estranhei-lhe a magreza. Disse-me que andava a fazer uns exames, que ainda não se sabia bem qual o motivo. Não nos voltámos a encontrar. Meses mais tarde o Tó Pinheiro da Silva contava-me que as gravações da voz desse último disco duravam até quase de manhã. O António não queria gravar as vozes aos bocadinhos, insistia para cantar cada canção num só take, já com ajuda de uma bomba de asma emprestada. Todos no estúdio já cansadíssimos. Menos o António, que não desistiu até conseguir cantar aquele disco como ele queria” (Leia este testemunho completo de Lena d’Água aqui).

 

António Variações: 35 anos de ausência não apagam o génio