Elisabete de Oliveira Saldanha, a vencedora do prémio de arquitetura Archdaily

portrait  es1arq

Na lista de finalistas dos prémios da Archdaily estava um nome português. O de Elisabete de Oliveira Saldanha, arquiteta nascida em Clermont-Ferarnd, França, mas com Guimarães, a cidade onde cresceu, no coração e no traço. Foi justamente que com a Casa de Guimarães que ganhou faz agora um mês, a distinção na categoria de Reabilitação. A plataforma internacional de projetos de arquitetura Archdaily, uma das publicações de arquitetura mais vistas em todo o mundo, reconheceu o trabalho desta mulher de 38 anos.


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Uma vez que é o prémio recebido pela Casa de Guimarães que nos traz a esta conversa, começava por lhe perguntar se, a partir de agora, e de forma gradual, a arquitetura assinada por uma mulher poderá vir a ser “levada mais a sério” por quem está dentro e fora do circuito?
Seria fantástico se o facto de me terem atribuído este prémio funcionasse como elemento de mudança de mentalidades. Diria até, que seria melhor do que o próprio prémio. Penso que sou uma pessoa otimista, contudo não acredito que tenha esse impacto. Tenho mais esperanças nas mulheres que vão ocupando cada vez mais lugares de liderança e têm poder de decisão para reverterem essa tendência.

“Eu tive três filhos em quatro anos, no final do processo desta obra, e conheço muito bem o que implica. E como se não bastasse não podemos dar parte fraca, porque a concorrência está aí.”

Porém, se homens e mulheres aprendem as mesmas bases da arquitetura na faculdade, todos se regem pelos mesmos parâmetros quando desenham um projeto, que razão há para que os homens sejam mais vezes solicitados do que as mulheres?
Uma das razões é aquela questão incontornável da maternidade, ainda que esta condição se ponha apenas em determinada fase da vida e por um determinado período, ainda que queiramos reduzir ao máximo esse espaço de tempo – o último trimestre da gravidez e o primeiro trimestre de vida do bebé é muito condicionante se estivemos em obra ou trabalharmos por conta própria. Não é impossível mas “para quê complicar? Os homens não têm estes constrangimentos” é um argumento que se ouve. Eu tive três filhos em quatro anos, no final do processo desta obra, e conheço muito bem o que implica. E como se não bastasse não podemos dar parte fraca, porque a concorrência está aí. “A obra não vai parar à espera que a senhora arquiteta volte da licença de parto. Os processos não vão deixar de dar entrada e colocar toda uma equipa à espera porque a senhora arquiteta não consegue fechar o processo.”

“É social e culturalmente difícil “penetrar” num círculo de negócio de homens.”

Outro aspeto penso que se prende ao poder instalado – está a mudar e não sei se, ao mudar, as próprias mulheres vão querer reverter a situação, isto é, dar mais oportunidades ao feminino ou o contexto social sortir um efeito natural de opções femininas. Atualmente é social e culturalmente difícil “penetrar” num círculo de negócio de homens. A geração dos 50 anos, ainda vive muito sobre o estereótipo das mulheres cuidarem da família e os homens dos negócios. As gerações mais novas estão muito mais equilibradas, mas é uma espiral que vai afetando as gerações que se seguem, embora com impacto menor. Não tem nada a ver com a capacidade criativa ou de aprendizagem da profissão. São questões sociais e culturais que não afetam somente esta profissão, apesar de incidir bastante na arquitetura no feminino.
Vamos diretas ao assunto: a arquitetura ainda uma disciplina dominada pelos homens?
Estatisticamente não faço ideia, pela experiência direta, diria que será 50 / 50%. Contudo parece-me que uma grande percentagem destas mulheres se dedica a outros ramos da arquitetura – serviço público em câmaras municipais, a lecionar e no ramo comercial como representantes de produtos na área da construção.112

E como é que é a arquitetura vista e tratada pelas mulheres? Há uma sensibilidade maior da parte delas no detalhe e na funcionalidade de uma casa?
Sim, eu diria que há um maior cuidado na funcionalidade, no aspeto prático ligado ao uso espaços. A ligação entre as interdependências, a organização espacial levada ao detalhe na prática do quotidiano. Posso exemplificar: No caso da Guimarães House não existem espaços livres deixados ao acaso. Todos os locais são aproveitados para arrumos de forma dissimulada. Os móveis fundem-se na arquitetura e assumem um papel polivalentes em inúmeras situações, apelando ao sentido prático; temos mesinhas de cabeceiras que se transformam em mesas de apoio de cama – para o pequeno-almoço na cama, o computador, para ler um livro… Existe a tulha da roupa suja que faz a ligação dos quartos à zona de tratamento de roupa na área de serviço; há uma janela da dispensa com acesso direto à garagem, que permite a descarga direta das compras que se encontram na mala do carro para as prateleiras da despensa. Há uma série de situações transformáveis e polivalentes, fundidas e dissimuladas na arquitetura.

“Um bom arquiteto deverá ter a capacidade de criar espaços e objetos belos e funcionais.”

Até porque a estética não é tudo na arquitetura.
A estética não é tudo, mas não necessitamos de olhar para a arquitetura dessa forma, isto é, uma coisa não invalida a outra. Um bom arquiteto deverá ter a capacidade de criar espaços e objetos belos e funcionais.

Como vai este ofício em Portugal?
Se por um lado temos arquitetos com capacidade técnica e criativa acima da média, que são refletidos na construção que se faz em Portugal no dias de hoje, por outro, o mercado imobiliário baixou muito e obrigou muitos destes talentos emigrarem para a Suíça, a Alemanha, o Canadá, Angola…

De volta à Casa de Guimarães, um projeto que integra a recuperação de uma moradia, das ruínas de um anexo e de um pequeno bosque confinados numa quinta pode traduzir-se num verdadeiro teste, tendo em conta o peso histórico do espaço.
Não olho para a reabilitação como um teste, é um prazer desafiante, dar novos usos aos espaços sem perderem a lógica sensitiva e intuitiva, cumprindo o programa solicitado por quem adquire estes espaços e pretende revitalizar.314.A

Além da Casa de Guimarães, a es1arq, criada em 2003, tem feito reabilitação pro-bono. É uma iniciativa que reflete com a sua forma de ver a arquitetura?
Também, tem a ver com a forma como olho a arquitetura enquanto direito humano no que se refere a uma habitação condigna.
“A habitação não se restringe apenas à presença de um abrigo, ou um teto,
ela preenche as necessidades físicas ao proporcionar segurança e abrigo face às condições climatéricas; necessidades psicológicas ao permitir um sentido de espaço pessoal e privado; as necessidades sociais na medida em que proporciona uma área e um espaço comum para a família humana, a unidade base da sociedade” diz Maria de Jesus Tavares.

Com a distinção no âmbito do Prémio Edifício do Ano 2016 do Archdaily, graças ao projeto Casa de Guimarães, o ânimo face a novos desafios é maior?
O ânimo face a novos desafios é maior, no sentido em que este mediatismo contribui para um aumento da carteira de encomendas de projetos interessantes.

Que outros projetos estão na calha?
Na calha, e na área da reabilitação, tenho um projeto em Miguel Bombarda, novo, com apartamentos e comércio, e um hotel no Gerês, e a construção de raiz de um centro terapêutico, na zona da Guarda, em fase de estudo.