Elsa Punset: “Pessoas que têm sorte na vida fazem coisas diferentes”

Elsa Punset 3
Fotografia: Diana Quintela

A escritora Elsa Punset acredita que cada um de nós tem a capacidade de fazer pequenas revoluções no seu dia-a-dia, treinando o cérebro para educar as emoções e criar uma mente mais saudável, tal como educamos o corpo. “Aceitámos que podemos melhorar a saúde física, mas a saúde mental é algo sobre a qual dizemos: ‘Eu sou assim, o que é que posso fazer? Não posso fazer nada'”, diz em entrevista ao Delas.pt, a autora especialista em educação emocional, a propósito de O Livro das Pequenas Revoluções – 250 Rituais que Vão Mudar a sua Vida (Editora Planeta), que veio apresentar recentemente a Portugal.

Nesta espécie de livro-caderno, como a própria o define, inclui conselhos simples e exercícios breves que os leitores podem seguir facilmente, com vista a alterar aqueles hábitos, costumes e maneiras de agir que já não servem à sua vida, mas que o cérebro ainda não está programado para dispensar. Admitindo que é mais difícil ensinar os adultos do que as crianças para novas rotinas, é com estranheza que reage à polémica em torno do programa ‘Supernanny‘ no nosso país. “Educamos como nos educaram a nós e não corrigimos. Portanto, acho que é salutar haver programas, debates, artigos, livros que nos ajudem a questionar-nos”, afirma Elsa Punset, numa conversa onde dá também algumas pistas sobre o que podemos melhorar enquanto sociedade.

Pegando no título do livro, porque é que precisamos de fazer pequenas revoluções nas nossas vidas?
Porque as grandes revoluções são muito difíceis de levar a cabo. Estou consciente de que somos todos muito impacientes para mudar as coisas depressa. Geralmente, quando o fazemos, socialmente o custo é muito alto. E é uma decisão coletiva. Como sociedade pode-se fazer grandes revoluções, como pessoa, a forma mais acessível e tranquila de mudar uma sociedade, é aos poucos e a partir de cada um, mudando pequenos hábitos, pequenas formas de pensar, de falar, de nos relacionarmos com os outros, de nos entendermos a nós próprios e de questionarmos as nossas emoções. No final, estas pequenas alterações traduzem-se numa grande mudança. É uma forma tranquila e muito eficaz.

Como é que este livro pode ajudar a fazer as mudanças desejadas ou necessárias?
Vivemos numa sociedade em que há muito pouco tempo para ler, para concretizar estas mudanças. Um dia, estava num aeroporto e vi um livro que tinha exercícios de 15 minutos para mudar o corpo. E disso temos muito. No século XX, aprendemos que as mudanças físicas se adquirem com esforço, a pouco e pouco, todos os dias, comendo bem, dormindo o melhor que podemos, tomando medicamentos, cuidando de nós. Aceitámos que podemos melhorar a saúde física, mas a saúde mental é algo sobre a qual dizemos: “Eu sou assim, o que é que posso fazer? Não posso fazer nada”. Este livro é diferente dos outros porque trata a mente como o corpo e oferece pequenos rituais muito simples, para os quais não há desculpa para os não pôr em prática. Traz muitos exercícios e espero que a maioria dos leitores se deem conta que podemos ser mais donos de partes da nossa vida em relação às quais normalmente somos muito passivos. Com o ‘Livro das Pequenas Revoluções’ queria facilitar essa capacidade de mudança, convencer o leitor de que é fácil mudar fisicamente e mentalmente.

Foi por isso que decidiu incluir, no livro, exercícios, páginas para o leitor escrever anotações?
Escreverem, pintarem… Sim, é um livro caderno. Não foi pensado para ser lido de cima para baixo, não é um livro normal.

Um manual, por exemplo?
É como um manual, sim, ou como um livro de receitas. Tem um grande índice com as 250 revoluções, divididas em quatro blocos muito claros. A ideia é que o leitor se possa tanto inspirar como procurar uma solução específica para um problema que tenha. Há pequenas revoluções para fazer em casa, com a família, os filhos, o seu cônjuge, no trabalho, para nos acalmarmos, para lidar com o sentimento de culpa, para a inveja. Há para um pouco de tudo. E espero que, nesta abundância apresentada de forma muito simples, cada um vagueie pelo livro como quiser. É seu. É como uma pequena viagem em que o livro o acompanha nesse processo de autodescoberta e de melhoria das suas relações com o mundo exterior.

E não é uma viagem com um roteiro prédefinido. Pode-se começar por onde se quiser.
Sim, por onde se quiser. Ainda que os humanos sejam todos semelhantes, vivem as coisas em momentos, em circunstâncias e com necessidades diferentes. E queria dar a liberdade ao leitor de navegar pelo livro como quisesse e que utilizasse para o que precisasse. Foi difícil encontrar a forma ideal de o organizar. Fi-lo de forma a que nenhuma pequena revolução ocupasse mais do que duas páginas ou uma página, para que o leitor pudesse fotografá-la, por exemplo, e enviá-la a uma amiga ou ao companheiro. No fundo, que fosse fácil compartilhar o livro ou levá-lo consigo para ir recordando durante o dia.

Elsa Punset apresentou ‘O Livro das Pequenas Revoluções – 250 Rituais que Vão Mudar a sua Vida‘ [Fotografia: Diana Quintela/Global Imagens]
No livro, há conselhos como comer melhor, ouvir música, sair à rua e ter mais contacto com a natureza que são completamente evidentes, mas não o fazemos. Por que é que apesar de serem tão óbvios, não os praticamos?
Porque aprendemos a cuidar do corpo, mas não da mente. E não entendemos bem que corpo e mente não funcionam à vez e que podemos cuidar do emocional e do mental através do corpo e o contrário também: as emoções têm impacto na saúde física. Por isso, quis voltar a lembrar as pessoas de coisas que nos parecem básicas. E vai acontecer-lhe o que lhe aconteceu a si, quando as leu. Dirão: ‘Ah isto é muito simples!’. E logo a seguir: ‘Mas nunca o faço!’ Isso é falta de uma educação para a saúde mental. E creio que o século XXI pode marcar o início dos cuidados da mente, tal como aprendemos a cuidar do corpo. Não saímos à rua sem se estar limpos, sem ter lavado os dentes, sabemos que não devemos passar o dia a comer doces e salgados, mas fazemos tudo isso com a mente. Quis lembrar que até os gestos mais simples, como a respiração, a expressão facial, têm importância e pode começar-se por aí. E espero que dessa forma vá incentivando os leitores a irem fazendo coisas cada vez mais complexas.

Devíamos criar uma rotina para a nossa mente, por exemplo?
Sim. E, por isso, em Espanha o livro chama-se O Livro das Pequenas Revoluções – 250 Rotinas…, não rituais. Há países que traduziram rotina como ritual. É parecido, porque ambas as palavras refletem algo que se faz sem pensar.

Mas revoluções e rotinas têm significados opostos. Revolução é um corte, uma mudança…
Sim, e rotina implica fazer o mesmo, mas é o mesmo, diferente do que se fazia antes. A mente humana funciona com base na repetição e o que sabemos é que, se sempre fazemos o mesmo, se sempre dizemos o mesmo, se sempre falamos com as mesmas pessoas, nada muda na nossa vida. Os estudos mostram-nos que aqueles que têm sorte na vida são os que fazem coisas diferentes de forma sistemática. Por exemplo, vão a uma festa e em vez de lá estarem a ver se encontram a mulher ou homem da sua vida – e não encontram – dizem: ‘Hoje vou falar com 10 pessoas que usem algo vermelho’. E falam! Esse tipo de atitude abre-nos portas, muda o padrão. E isso é o que mais nos custa. O cérebro não gosta da mudança, porque o costume é cómodo e este livro é um convite a alterar essas rotinas e a ver como nos podemos transformar, mudando simplesmente pequenas coisas na vida.

Como é que se interessou pelas questões da inteligência emocional?
Bom, estudei Filosofia. E a disciplina, há milhares de anos, na Grécia antiga e na China, era a sabedoria do quotidiano. Mas isso perdeu-se e a Filosofia acabou por separar o racional do emocional, e durante séculos pensámos que os dois planos estavam separados e que não havia que cuidar e entender as emoções. Eram irracionais. Agora sabemos que não é assim, daí falarmos de inteligência emocional, e que no cérebro tudo está integrado. Por isso, se não se educam as emoções, se não as compreendemos, não estamos a educar o cérebro inteiro, só uma parte. É o que acontece nas escolas. Educamos muito bem todas as capacidades, cognitivas, linguísticas e matemáticas, mas não educamos as capacidades sociais e emocionais, que são fundamentais. Por isso, o meu objetivo, neste livro, foi tentar ser sintética e direta e ao mesmo tempo útil. Falar de temas complicados mas de forma muito simples e visual.

Elsa Punset é licenciada em Filosofia e Letras. É especialista em educação emocional, e além de autora, é responsável pelo laboratório de aprendizagem social e emocional de Madrid. [Fotografia: Diana Quintela/Global Imagens]
A divisão racional e emocional também foi ao longo dos tempos sendo aplicada aos sexos masculino e feminino, respetivamente. A mulher exercita mais a inteligência emocional que o homem ou essa divisão é apenas produto da sociedade?
Somos todos igualmente emocionais. Evolutivamente e socialmente, os homens aprenderam a expressar as emoções de uma determinada maneira e têm mais dificuldades, pela sua biologia, em gerir determinadas emoções, como a ira, por exemplo. Por isso, no geral, há mais violência no coletivo masculino do que no feminino. Mas penso que vivemos um momento muito interessante, em que se fala muito de igualdade e estamos a conseguir deixar de encaixar as pessoas em determinadas formas de comportamento. Os meus livros é curioso, têm quase tantos leitores masculinos como femininos. Os temas emocionais interessam mais às mulheres, porque historicamente e biologicamente ela é cuidadora e tem sido remetida para essas profissões ou essas áreas de interesse, mas há cada vez mais homens também a interessar-se por esses temas. Digo sempre que até ao último dia da nossa vida podemos mudar. E penso que essa é a grande alteração que estamos a viver agora, estamos a quebrar muitos tabus, a deixar que as pessoas se redescubram, vemos uma geração que muda de trabalhos, de país, de par. É tudo muito mais fluído, e precisamos de outras competências para enfrentarmos esse mundo, em que cada um tem uma grande capacidade de impacto sobre os outros, para o bem e para o mal. Por isso, é preciso educar cidadãos mais responsáveis e mais autossuficientes.

Em Madrid, tem um laboratório de aprendizagem social e emocional. O que é que as pessoas que o frequentam procuram?
No laboratório, fazemos projetos muito diferentes. Começou com os projetos que fazíamos nas escolas, porque durante algum tempo tentámos facilitar a entrada de programas de inteligência emocional e social. Apesar de escrever, sobretudo para adultos, tenho consciência de que a melhor altura para aprender é sempre a infância, são as primeiras aprendizagens. Em adulto, é preciso desaprender para voltar a aprender e parece-me fantástico que possamos fazê-lo. Dedico os meus esforços ao mundo dos adultos, mas também dedico alguns ao universo infantil, para ajudar também a comunidade educativa. Explico sempre aos pais que não importa o que dizem, os filhos aprendem imitando os adultos. Estes têm de viver de acordo com o que querem que os filhos sejam.

Recentemente, em Portugal, tivemos o reality show ‘Supernanny’, que gerou muita polémica e acabou por ser retirado do ar, por pressão do Ministério Público, que considerou que o mesmo violava vários direitos das crianças. Ao mesmo tempo, o programa gerou uma discussão sobre as dificuldades de os pais educarem as crianças hoje em dia.
Bem, é necessário sermos muito mais abertos quando se fala de educação, porque, até agora, a tendência era que as famílias tivessem todo o direito de educarem os filhos como quisessem. Obrigam-nos a fazer exames para tudo: para conduzir, para tudo, mas para ter filhos, que é algo tão importante, nada nos ensina. Neste meu livro incluo um pequeno capítulo com exercícios para melhorar a vida familiar – utilizei-os muito em minha casa. E quis dar uma pincelada sobre isto porque as famílias, os pais não têm o direito de educar como querem, sabendo amiúde que não o estão a fazer bem. Sabemos, pelos estudos, que muitas vezes nos faltam conhecimentos básicos. Educamos como nos educaram a nós e não corrigimos. Portanto, acho que é salutar haver programas, debates, artigos, livros que nos ajudem a questionar-nos, sobre se o que estamos a fazer está bem ou mal. Porque não é normal que as crianças nasçam com tanta capacidade para o amor, para a criatividade e, aos 15 anos, percam uma parte importante disso, percam capacidade de se relacionar. São muito menos empáticos. Portanto, há algo que fazemos nesses 15 anos, como sociedade, para que as crianças não cresçam com a alegria e com a força que deviam. Há coisas que podemos melhorar, por isso falemos delas e não entreguemos aos pais mais responsabilidades e mais direitos do que aqueles que realmente têm. Aprendamos todos.

E o que é que precisamos de aprender como sociedade. Do que é que precisamos mais hoje?
Creio que uma das coisas de que nos esquecemos foi a importância da alegria. Há uma emoção básica no cérebro humano que é o medo, temos um cérebro programado para sobreviver, que tem um sentido negativo e que tende a preocupar-se demasiado. Daí, os problemas de stress, de depressão, de solidão, que estão crescendo, apesar de materialmente vivermos cada vez melhor. Mais uma vez temos de nos questionar sobre o que necessitamos, enquanto seres humanos, para viver. Precisamos de nos relacionar com outros fisicamente, partilhar a vida, para que esta tenha sentido, fazer coisas e cuidar dos outros, pelo meio ambiente. Não só as mulheres. Todos. Mulheres e homens devem sentir que vivem não fazendo o mal, mas fazendo coisas boas pelos outros.

Imagens: Diana Quintela/Global Imagens