Em ‘Carga’, Rita Blanco dá vida a uma mulher do campo

rita

Quando Bruno Gascon escreveu o guião de ‘Carga’ – um filme sobre o tráfico de mulheres, que também realiza – fê-lo a pensar em cada um dos atores que contactou para o elenco e que aceitaram integrá-lo. Para o papel de Luísa, mulher do camionista António (Vítor Norte), pensou em Rita Blanco, que já tinha trabalhado esta temática, no filme ‘Noite Escura’ (2004), de João Canijo.

“O tema é pesado, eu gosto mais de temas pesados, em geral. Mas, além disso, ia trabalhar com pessoas que conhecia, o Vítor Norte, de quem sou amiga. Pareceu-me tudo muito viável e tive disponibilidade”, conta a atriz, em entrevista ao Delas.pt.

A sua personagem, Luísa, é uma mulher humilde, do campo, casada com um camionista que esconde aquilo que realmente faz.

“Esta mulher vive numa situação ligeiramente dúbia, do meu ponto de vista, porque não sabe o que é que o marido faz, mas desconfia que há qualquer coisa que não está assim muito certo. Embora isso não exista no filme, mas eu não acredito que uma pessoa seja tão crédula que não se questione nunca de onde é que vem o dinheiro… Há ali, de alguma maneira, não uma cumplicidade com aquilo que o marido faz, porque à partida não sabe, mas porque também não se preocupou o suficiente em saber. E quando ela percebe o que é, é muito violento e acaba mal”, antecipa.

Luísa é uma mulher humilde, do campo, casada com um camionista que esconde aquilo que faz [Fotografia: Luis Sustelo]

E nós, cidadãos, também não sabemos? Ou não nos preocupamos o suficiente em saber? “O mundo cada vez mais está informado sobre tudo e mais alguma coisa, na medida em que, hoje em dia, com a internet, só não está informado quem não quer. Adoraria pensar que a pedofilia na Igreja ia deixar de acontecer porque se falava sobre isso ou porque as pessoas já estavam informadas. Como sabemos isso não é assim. É verdade que se sabe muito pouco sobre o tráfico humano, que não é um tema muito focado, sobretudo quando são casos de mulheres. As mulheres não têm propriamente o mesmo nível de importância, no sofrimento – podemos sofrer mais, pelos vistos! Não vimos agora no caso das violações? Somos uns selvagens, o ser humano é selvagem e como selvagem que é também faz esta coisa do tráfico humano, que só por si já uma abjeção, dentro desse o tráfico sexual, que enfim…E nós sabemos que vai de mal a pior, com crianças…”

Apesar de não ser um filme a mudar isso, congratula-se com o facto de ‘Carga’ ter a coragem de abordar o assunto. “As pessoas sabem que o tema existe, é bom falar sobre isso, continuar a insistir sobre isso e ainda bem que este filme fala sobre isso”.

Rita Blanco numa das cenas do filme ‘Carga’ [Fotografia: Luis Sustelo]
O facto de se apresentar o tráfico humano à luz da ficção pode contribuir para que o público olhe para essa informação, que talvez até já conheça, de outra forma. “Acho que o cinema – e quando digo cinema pressuponho a qualidade – faz as pessoas pensarem. Uma das possibilidades do cinema é, sobretudo, essa. É pôr as pessoas a pensar, levá-las a questionarem-se sobre uma série de coisas relativas à condição humana. E não é só o cinema, é a arte, em geral. É fazer pensar. E se o filme for bom, nós pensamos.”

É o que deseja que aconteça quando o filme chegar às salas de cinema nacionais, a 8 de novembro.

“Gostava que este filme fizesse com que as pessoas pensassem mais, porque há coisas que não se podem fazer. A escravidão tem de terminar, e nós temos um passado de escravidão. Parece que não aprendemos nada.”

 

Design multimédia: Lília Gomes

‘Carga’ estreia a 8 de novembro. O Delas.pt dedica um dossier especial ao filme que trata o tráfico humano

A versão livro de ‘Carga’ explora com mais detalhe a história de algumas personagens