Em teletrabalho? Tem de fazer isto antes deste mês acabar

trabalho
[Fotografia: iStock]

A forma como se trabalha mudou para milhares de portugueses em apenas duas semanas. A urgência devido à pandemia do Coronavírus obrigou a que muitos ficassem a exercer as suas funções a partir de casa e não houve tempo para acautelar o que que era devido.

Não deve, porém, deixar que este primeiro mês de março termine sem que verifique bem junto da empresa os rendimentos e a proteção que lhe são devidos, estando a exercer as suas funções a partir do domicílio.

Ao Delas.pt, Rita Garcia Pereira explica o que devem os portugueses que estão em teletrabalho fazer para se protegerem legalmente, e o quanto antes. A advogada especialista em Direito do Trabalho explica em que medida as alterações extraordinárias à lei (e já são quatro os regimes transitórios definidos desde o estado de alerta, a 12 de março) e as suas implicações no futuro do trabalho, dos trabalhadores e das empresas.

Rita Garcia Pereira [Fotografia: Gustavo Bom/Global Imagens]
Rita Garcia Pereira [Fotografia: Gustavo Bom/Global Imagens]
“Apesar das múltiplas alterações, é importante ficar claro que a regra agora é a do teletrabalho, sendo que este só pode ser recusado por impossibilidade de a função ser prestada nesses termos”, enquadra a advogada

Posto isto, Rita Garcia Pereira lembra que, apesar de todas as alterações legislativas extraordinárias, as regras que se aplicavam ao teletrabalho e que já estavam definidas na lei geral não mudaram. E é aqui que as perguntas têm mesmo de ser feitas ao empregador.

Subsídio de alimentação e de transporte

“No teletrabalho, não há direito ao subsídio de alimentação. Claro que a entidade o quiser pagar, pode. Muitos encaram-no como parte do rendimento mensal, mas a lei define-o como uma comparticipação para as refeições feitas fora”, refere a causídica, que admite que há sério risco de as pessoas perderem esta parte do rendimento já em março.

Rita Garcia Pereira vai até mais longe e lembra que o “quem recebe o subsídio de transporte irá, com maior grau de probabilidade, perdê-lo”, vinca. A recomendação tem tanto de simples como de urgente: “Antes do processamento salarial é preciso verificar junto da empresa se estas comparticipações estão a ser feitas.”

Mas numa altura em que trabalhadores estão a usar, em grande parte, recursos próprios ao serviço da empresa – como computador, por vezes internet e eletricidade -, como fazer esta compensação? “Devia ser o empregador a fornecer todos os meios e, por via de regra, o funcionário e o empregador deveriam ter estabelecido as regras de teletrabalho num contrato por escrito”, avisa a advogada. Reconhece que “a emergência da situação não o permitiu”, mas Rita Garcia Pereira pede para que trabalhadores e empresas “procurem negociar com o trabalhador e encontrem soluções para essas compensações” e que o façam mal tenham essa possibilidade.

Acidentes de trabalho e despedimento por justa causa

Um outro aspeto que deve ser verificado o quanto antes prende-se com o seguro de acidentes de trabalho. “É importante que os trabalhadores se certifiquem de que o seguro está válido e de que as empresas estão a fazer a correspondente alteração para o trabalhador que agora está em casa”, lembra Rita Garcia Pereira. É que, caso haja um incidente que ocorra em horário laboral e a seguradora não esteja informada de que o trabalhador está em teletrabalho, a primeira tentativa poderá ser, como explica a advogada, de descartar as responsabilidades.

Estar em casa a teletrabalhar obriga a que se cumpra horário (ou volume de horas para quem tem isenção). A especialista em Direito do Trabalho alerta e lembra que “o pressuposto do teletrabalho permite à empresa poder verificar os tempos da prestação de trabalho”. Vigilâncias que, sublinha, podem ser feitas “através dos acessos às redes da empresa, via VPN por exemplo, e pode usar isso para verificar tempo de trabalho”.

Ora, não cumpridos os horários, “há lugar ao risco da marcação de faltas”. “Situações que podem ser verificadas mais tarde e, numa altura de crise económica, o incumprimento do horário de trabalho pode vir a ser a forma mais fácil de despedir a custo zero, alegando justa causa”.

Ora, impõe-se agora a questão dos pais que, nos últimos 15 dias, têm de apoiar os seus filhos com tarefas escolares em igual período. Afinal, como fazer? Essa é, precisamente, uma das perguntas que leva Rita Garcia Pereira a pôr em causa a informação de que os casais com filhos em casa não podem pedir subsídio por assistência à família devido a encerramento de escolas quando um deles está em teletrabalho. “Não entendo a lei assim e o que diz é que os dois não podem pedir, portanto nada obsta a que um esteja de teletrabalho e outro com este apoio”, diz. E sublinha: “O trabalhador a cumprir funções em casa tem, na mesma, que cumprir o horário de trabalho e executar a sua prestação.”

Recusa de ir trabalhar por falta de condições contra Covid-19

“Se estamos perante prestações de serviço, vulgo recibos verdes, os colaboradores correm o risco de ver denunciada a sua prestação de serviços. Estando em condições para isso, podem pedir prestações de desemprego”, explica Rita Garcia Pereira. Mas, acrescenta, “se estiverem em situação de especial debilidade podem requerer a correspondente declaração, mas há probabilidade de contrato ser denunciado”, alerta.

Se se tratar de um contrato de trabalho numa empresa que não esteja a cumprir as regras de segurança, então Rita Garcia Pereira aconselha “uma denúncia por escrito à Autoridade para as Condições de Trabalho”, que atuará na medida das suas novas contingências devido à pandemia.

Mas há mais a fazer: “Se mais colegas estiverem em igualdade de circunstâncias, os trabalhadores devem procurar ficar contatos e telefones e, juntos, fazer queixa ao delegado de saúde da cidade. Se as pessoas forem despedidas por não comparecerem, devem contestar o despedimento em tribunal”, recomenda a especialista.

Ações que arriscam demorar agora mais tempo agora porque todos – também os serviços judiciais – estão, na medida do possível, a trabalhar a partir de casa pelo menos até 2 de abril. Período que, recorde-se, pode vir a ser prorrogado por mais 15 dias.

Em Portugal, e de acordo com o Boletim Epidemiológico emitido esta sexta-feira, 27 de março, pela Direção-Geral da Saúde, registam-se 76 mortes e 4268 casos confirmados de infeção por Covid-19.

Trabalhar em casa e horário flexível não reduzem o stress das mães