Empreendedorismo feminino com sotaque açoriano

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Kim Sawyer, criadora do Connect to Sucess (C2S) e ex-embaixatriz dos Estados Unidos em Portugal, prometeu regressar e cumpriu. O programa que lançou em 2014, hoje sob gestão da Fundação Luso-Americana para o Desenvolvimento (FLAD), já apoiou mais de 900 mulheres, 147 das quais nos Açores.

Nem toda a gente que vive numa ilha conhece toda a gente que vive na ilha. “Surpreendi-me imenso a primeira vez que participei nos workshops do C2S. Já me tinha cruzado com todas as mulheres que estavam na sala, mas nunca tinha falado com nenhuma delas. Descobri que partilhávamos as mesmas dúvidas e receios em relação aos negócios. A partir daí criámos um grupo no facebook e passámos a reunir-nos mensalmente para trocar ideias umas com as outras” revela Carla Rodrigues durante o workshop que se realizou na Terceira.

As 20 participantes no evento confirmam as suspeitas que as últimas 4 edições na região levantaram: há cada vez mais empreendedoras no arquipélago. “As empresárias dos Açores, em particular as da Terceira levaram o conceito C2S para outro nível. Elas representam aquilo que o programa é: uma aliança entre empreendedoras” refere Kim Sawyer. O programa em causa é uma iniciativa que visa apoiar, em Portugal, PMEs detidas e geridas por mulheres. Os workshops que o compõem centram-se no desenvolvimento das capacidades empresariais de quem as gere. O da 4ª edição é sobre como captar a atenção dos media.

Carla fê-lo bem. Tem 37 anos e saiu da Terceira pela razão pela qual a maioria sai: formar-se. Licenciou-se em Treino Desportivo de Alto Rendimento e regressou. Dedicou-se ao desporto até 2009 e deixou-o para trás por opção. É gestora comercial numa instituição bancária desde então e para já, não pensa em sair de onde está: “Muitos dos “skills” que hoje me são úteis na gestão da minha empresa, adquiri-os na banca. Gosto muito do contacto diário com os clientes e ainda consigo conciliar as duas coisas, embora não seja fácil porque tenho um filho com 3 anos. Cometi muitos erros, ao inicio, a gerir prioridades, mas é possível ser-se as 3 coisas: mãe, esposa e empresária”.

A Prótese Digital – um laboratório de fabricação de próteses dentárias com recurso a tecnologia digital – é recente (2016), mas casa excepcionalmente bem as competências de Carla, que trata da gestão, com as do marido, a quem fica entregue a produção. A ambição de gerir algo próprio foi o que o trouxe até aqui. A mais-valia do negócio? A possibilidade das clinicas dentárias substituírem os moldes de gesso das próteses tradicionais por imagens digitais 3D obtidas através de um scan feito ao paciente. O uso da tecnologia é, neste caso, um adjuvante para ultrapassar os obstáculos da insularidade e aumentar o número de clientes, “desde que exista uma ligação à internet, podemos trabalhar para qualquer parte do mundo”, explica Carla.

A internet. Foi por causa dela que Cátia Lourenço, uma veterinária municipal de 35 anos da ilha das Flores, deixou a sua ocupação principal para se dedicar ao empreendedorismo. “O meu pai tem, desde 2014, uma pequena empresa de alojamento local da qual eu também sou sócia. Nos últimos tempos ele começou a ter dificuldades com a gestão da parte online. Tinha receio de colocar em standby o meu trabalho porque os negócios são muito incertos, mas percebi através dos workshops que isso é um processo natural comum a muitas de nós”.

Cátia Lourenço e a irmã Maria João Lourenço, das Casas da Cascata (Flores).

As Casas da Cascata, um empreendimento de 5 casas e 1 moinho, situam-se na Fajã Grande, uma freguesia rural das Flores, inscrita na rede mundial de reservas da biosfera. Desde que os workshops do Connect to Sucess se realizam na Terceira, (2016), Cátia nunca faltou a um, “achei importante a premissa subjacente de apoio ao empreendedorismo feminino, identifiquei-me com o público-alvo e decidi aproveitar a oportunidade porque não existem iniciativas destas nas Flores”.

Actualmente a usufruir de uma licença sem vencimento, Cátia trabalha em estratégias que alarguem a época alta e esbatam os efeitos da sazonalidade turística com que os Açores se debatem. O pai recebeu a notícia com satisfação, mas os mais próximos aconselharam-na a repensar a decisão. “Como eu tenho um bom emprego acho que as pessoas não entendem. Eu própria tinha reservas. A primeira coisa em que pensei é que ia perder mais do que ganhar”.

Falta de confiança. É também para isso que os workshops do C2S servem. Para anulá-la quando impede a progressão de quem tem vontade – ou necessidade – de mudar, “Os riscos têm de ser calculados, mas não existe empreendedorismo sem risco. Ou temos a capacidade de os enfrentar ou acomodamo-nos”, resume Carla. Sobre o futuro, só o tempo, ou o negócio, o dirá.

Cátia Carvalho

Imagem de destaque: Kim Sawyer à chegada aos Açores, no aeroporto

Empreendedoras debatem a arte e a tecnologia no empoderamento feminino