“Encontro semelhanças na Amélia na busca de independência e emancipação”

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A personagem que Mariana Monteiro interpreta na série portuguesa ‘Ministério do Tempo’, que se estreia esta segunda-feira, 2 de janeiro, na RTP1, é ligeiramente baseada em Domitilia Carvalho, a primeira mulher a frequentar a Universidade de Coimbra (1871-1966). Em entrevista ao Delas.pt a atriz fala do desafio que esta nova personagem lhe trouxe.

Depois de participar a série da RTP1 ‘Mulheres de Abril’, em 2014, segue-se agora um novo produto de ficção de cariz histórico, ‘Ministério do Tempo’, também na estação pública. É um género que prefere à telenovela?

Eu gosto de poder escolher as personagens que interpreto, gosto de personagens complexas, com várias camadas. Para mim as diferenças entre as novelas e as séries – de cariz histórico ou não – é o conhecimento que tenho do futuro da personagem. Por norma, uma série tem entre 10 e 15 episódios e quando aceito o projeto sei o início e o fim da personagem. O trabalho é preparado para o todo. No caso de uma telenovela, a personagem vive 250 a 320 episódios e o há como guia é uma sinopse e 15 episódios escritos. É um trabalho mais subtil de forma a poder adaptar-se aos avanços da escrita.

Nesta nova aposta da ficção da RTP1, a Mariana interpreta Amélia Carvalho. Fale-nos um pouco sobre esta personagem.

A Amélia é uma jovem à frente do seu tempo – ela vive nos finais do século XIX -, com uma mente progressista que se opõem à maioria dos ideais da sua época. É a primeira e única mulher a frequentar a Universidade de Coimbra e o seu grande sonho é assistir no futuro a uma mudança do papel da mulher na sociedade. É uma romântica q.b, que acredita mais na sua emancipação do que num casamento feliz.

É uma personagem inspirada em Domitilia Carvalho, a primeira mulher a frequentar a Universidade de Coimbra. Além deste, que traços de personalidade foi buscar a Domitilia?

A verdade é que essa é a única semelhança entre elas. Tudo o resto é ficcionado. Li toda a informação disponível sobre a Domitila e usei isso para perceber que era necessário criar alguém com traços especiais que se destacasse das demais mulheres da sua época.

A atriz contracena com Sisley Dias (à esquerda) e João Craveiro (à direita)

Identifica-se com a Amélia?

Não acho que sejamos parecidas, mas encontro semelhanças na busca de independência e emancipação.

A série já foi toda gravada. O que é que foi mais desafiante?

Estas personagens atravessam várias épocas, elas viajam no tempo. A minha questão como atriz foi descobrir, inicialmente, como se comporta uma mulher de 1870, como fala, como se senta, como se relaciona em sociedade e como se adapta às épocas que cruza.

A história é sobre um trio de agentes secretos que viajam ao passado para garantir que os acontecimentos históricos não são alterados. Na trama, nunca chegam a alterar ou sentirem-se tentados a alterar o passado em benefício do presente ou do futuro?

Claro que sim. Esse dilema será uma constante na história de cada um, porque a tentação é grande, quando se sabe que se tem acesso às portas do tempo. Será preciso que a Amélia, enquanto líder da patrulha, tente controlar os seus impulsos e os dos restantes. Claro que, tal como na vida real, nem sempre se cumprem as regras.

E a Mariana? Alteraria algum momento do nosso passado histórico?

Tenho orgulho de ser portuguesa, mas se me fosse permitido, alteraria muita coisa. No passado glorioso dos Descobrimentos, o tráfico de escravos para a América, sobretudo para o Brasil, não será, de acordo com os valores morais atuais, algo que nos honre e que honre a nossa historia. Num passado mais recente, nunca teria permitido que vivêssemos uma das ditaduras mais longas da Europa. Foram 40 anos de um país ignorante, conservador, medroso e fechado ao mundo. 40 anos de uma sociedade desigual onde o mundo do pensamento e das artes ficou refém da censura de Estado e as opiniões civis foram torturadas pela polícia politica. 40 anos em que se cultivou o machismo como ideologia.

A personagem de Mariana foi inspirada em Domitilia Carvalho
A personagem de Mariana foi inspirada em Domitilia Carvalho

‘Ministério do Tempo’ é uma grande aposta por parte da estação pública na ficção nacional com um elevado orçamento. Considera que este produto televisivo está ao mesmo nível das produções que se fazem lá fora?

De notar que um elevado orçamento no nosso país é um orçamento médio ou até baixo noutros: a série espanhola que esta adapta tem um orçamento de 600 mil euros por episódio. Longe destes números, considero que é um produto com muita qualidade, muito bem escrito e ousado, que poderia concorrer perfeitamente com uma série estrangeira.

O prime time televisivo português é dominado pelas telenovelas. Gostaria que os canais generalistas apostassem mais em séries?

Gostava que os canais apostassem mais na ficção, fosse ela séries, telenovelas ou telefilmes, como aconteceu em tempos. O aumento de produção e a diversificação de formatos implica maior rodagem de equipas técnicas e artísticas e é nesse fazer que a qualidade e a maturidade do audiovisual português acontece.

Com um público português habituado (e fidelizado) ao género da telenovela, acredita que os espetadores vão marcar presença amanhã [2 de janeiro], no dia da estreia?

Acredito que os espectadores estão cada vez mais exigentes e ativos. Esta série está muito bem escrita, as equipas são grande qualidade e é uma adaptação de uma história de sucesso em Espanha que muitos portugueses já conhecem visto ser um fenómeno na Internet. É uma serie de época, mas é sobretudo uma série sobre a identidade portuguesa e é isto que vai aproximar e fidelizar as pessoas.

Enquanto atriz, como foi trabalhar num projeto no qual que grande parte é feita a partir do chroma keys, elementos 3D e cenários semi-montados?

Foi engraçado e trouxe um entusiasmo diferente ao set. Procurava sempre perceber o que iria estar depois representado no chroma para poder perceber o contexto que me rodeava. É um exercício de imaginação muito interessante.

Mariana Monteiro e Sisley Dias
Mariana Monteiro e Sisley Dias

Pela complexidade e exigência na preparação deste papel, podemos considerar que, até hoje, este é o seu maior desafio enquanto atriz?

Eu vejo cada projeto de forma individual e em todos eles sinto-me, de alguma forma, desafiada. No entanto posso afirmar que este foi muito intenso, muito diferente.

O que a faz aceitar interpretá-lo?

O mesmo que no cinema ou teatro: a qualidade da personagem e da história. O meu compromisso artístico e profissional é “vestir e interpretar papéis” e é isso que me faz aceitar ou declinar projetos.

Acredita que o teatro, a TV e o cinema têm uma função política e social?

Obviamente. Habituámo-nos a que no teatro e no cinema esse compromisso fosse chamado de Arte, ou intenção artística. Em televisão, a função política e social é o serviço público e é cada vez mais importante que exista para bem da qualidade dos produtos e da sociedade que os consome. A televisão chega a muita gente, bem mais que o teatro e o cinema, como tal tem responsabilidades acrescidas nesta nossa democracia.

Por último: que séries internacionais acompanha?

Neste momento ‘Grande Hotel’ e ‘Grace and Frankie’. Mas estou sempre atenta. Gosto de uma série com um bom guião que me dê voltas ao pensamento. Quando tudo parece indicar para um determinado fim e, depois, tudo muda. Esse tipo de jogo é o que mais me prende. Bem como boas comédias.