Endometriose: Preço de medicamento mais do que duplicou quando se tornou comparticipado a 69%

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[Fotografia: Freepik]

Estava prometido que a comparticipação para os medicamentos contra a endometriose começassem a ser comparticipados a 69% mediante receita médica, a partir de 1 de janeiro. Data que não foi cumprida. Agora, mulheres com endometriose denunciam à Delas.pt que houve mais do que uma duplicação do preço base do único medicamento comparticipado na mesma altura em que passou a vigorar a comparticipação de 69%. Utentes pagam ligeiramente menos, mas muito mais do que o que era expectável tendo em conta os preços que estavam em vigor. Já a despesa do Estado, essa vai disparar.

“Tomo Zafrill (substância ativa dienogest) desde que chegou ao mercado, onde entrou a custar 25 euros. À medida que foram aparecendo mais concorrentes o preço foi sendo cada vez mais baixo e desceu aos nove euros”, conta Margarida Cardoso, empregada de escritório, de 48 anos, e que luta há anos contra a doença. “Quando soube que ia haver comparticipação, esperei por janeiro para comprar”, testemunho à Delas.pt.

Contudo, a comparticipação prometida de 69% destes medicamentos ainda não era aplicável a nenhum deles até meio de mês, o que levou as entidades a acusarem a falta de incumprimento da legislação (que pode ler ao detalhe aqui). Margarida não descansou até que, na terceira semana de janeiro, não comprou a habitual caixa de 28 comprimidos porque esperava gastar dois euros e tal e, afinal, com a tão prometida comparticipação a 69% estavam agora a pedir quase sete euros, face aos nove iniciais”. “Ora isso não é um desconto de 69% é de bem menos”, reage.

“Isto é pior do que a Black Friday”

De acordo com a tabela do Infarmed que estava em vigor a 31 de janeiro e que a Delas.pt consultou, o único medicamento comparticipado custava – para a caixa de 28 comprimidos e sem comparticipação 22,32 euros. A 6 de janeiro, por exemplo, era possível comprar esta mesma embalagem por nove euros. Com a comparticipação de 69% em vigor desde finais de janeiro, esta mesma caixa de 28 comprimidos passou a custar 6,92 euros. Ora, a comparticipação foi feita sobre o novo preço aumentado na mesma altura da aplicação do desconto, definido por portaria, passando então de nove para 22,32 euros. “Isto é pior do que a Black Friday”, reage Margarida Cardoso. “Aumentaram os preços para fazerem depois os descontos de 60 e 70%, é muito desonesto”, sublinha.

Se as utentes pagam, afinal, pouco menos do que o que gastavam e bem longe das contas que fizeram, Patrícia Santos, de 44 anos e também com endometriose, lembra que “este novo valor, este aumento está a ser pago pelo Estado, afinal por todos nós”. “Dizem que estão a ajudar e que baixam e depois têm este tipo de comportamento, fizeram isto numa semana e após a comparticipação”, acrescenta.

“Sinto-me enganada. Isto é uma fraude”, diz utente

A educadora de infância relata a mesma discrepância dos preços para as caixas de três meses e para o mesmo medicamento (o único comparticipado até à data): antes de janeiro a custarem, sem comparticipação, cerca de 23 euros e agora, depois da medida em vigor, de 69% de comparticipação e mediante receita médica a custar 20,13 euros. Ou seja, os 69% foram aplicados sobre o novo PVP estabelecido e que a 31 de janeiro estava registado, na plataforma do Infarmed, a 64,94 euros, e não sobre o anterior quando foi publicada e entrava em vigor a portaria, inicialmente a 1 de janeiro.

“Sinto-me enganada, isto é uma fraude. A minha vontade é ir ao Infarmed e apresentar a denúncia”, relata Patrícia Santos, diagnosticada com a doença desde 2011.

Alterações sucessivas de preços que não coincidem com as receitas que estão a ser passadas pelos médicos gerais e especialistas. “Tenho uma receita de dia 4 de fevereiro deste ano (já depois de ser aplicada a indicação de comparticipação) que diz que irei comprar este medicamento por sete euros, no máximo. Se isto não é enganar as pessoas com comparticipação, não consigo entrar outra explicação”, acusa Patrícia Santos.

Recorde-se que a 21 de janeiro, a associação que pugna pelos direitos das mulheres com a doença, a MulherEndo, afirmava à Delas.pt que só uma farmacêutica tinha iniciado o processo para a comparticipação. Já a 31 de janeiro, segundo documento cedido à Delas.pt, o Infarmed já refletia a comparticipação, mas o preço de venda ao publico sobre o qual incidia o desconto mais do que tinha duplicado face à primeira semana de janeiro deste ano.

“Promessas não estão a ser cumpridas”, afirma MulherEndo

A MulherEndo, em comunicado oficial emitido esta sexta-feira, 7 de fevereiro, sublinhou que “existe apenas um único medicamento comparticipado a 69%, e na prática as doentes não viram refletida essa percentagem no valor final a pagar, porque o preço base do medicamento foi aumentado”, refere a presidente da entidade. Susana Fonseca sublinha que, “por enquanto, não está disponível qualquer informação se existirão ou não mais pedidos de comparticipação por parte de outras farmacêuticas, não podendo desta forma, ser partilhada nenhuma informação sobre os medicamentos que serão comparticipados no futuro”.

A plataforma acusa ainda que “foram feitas promessas que não estão a ser cumpridas”. “Na verdade, aquando da discussão na especialidade da Saúde do Orçamento do Estado para 2025, a secretária de Estado Ana Povo especificou que a medicação para a endometriose, no âmbito de “patologia associada à fertilidade”, iria passar a ter comparticipação de 69%. Esta medida entraria em vigor no dia 1 de Janeiro de 2025 mas a realidade não é essa e o Infarmed informou que só haveria comparticipação caso as farmacêuticas submetessem os pedidos para tal”, recorda Susana Fonseca na mesma nota.