Enfermeiros em protesto reúnem-se no início da semana com ministro da Saúde

Mulher grávida

O protesto dos enfermeiros especialistas em saúde materna e obstetrícia pode ter um fim à vista já a partir da próxima segunda-feira, 24 de julho, mas até lá as grávidas ainda não podem respirar de alívio.

Desde o início deste mês que este profissionais não prestam cuidados diferenciados, em protesto pelo não pagamento da sua especialização e assim se vão manter enquanto não chegarem a acordo com o Ministério da Saúde e mesmo depois do parecer da Procuradoria-geral da República (PGR), pedido pela tutela e emitido esta quinta-feira, 20 de julho, que refere que os enfermeiros em protesto podem ser responsabilizados disciplinarmente e também civilmente, se causarem danos aos doentes, além de incorrerem em faltas injustificadas

Esta sexta-feira, Bruno Reis, representante do movimento Enfermeiros Especialistas em Saúde Materna e Obstétrica (EESMO), disse à agência Lusa que os enfermeiros vão aguardar pela reunião de segunda-feira entre a federação sindical e a tutela para tomar uma decisão.

Apesar de valorizar a “abordagem do ministro, que quer resolver a situação” de esperar que desse encontro possa “sair um acordo de princípio com as respostas” que têm vindo a pedir, só “após a reunião, o movimento vai refletir, ponderar e tomar as suas decisões em consciência com as tomadas de posição que sairão [da reunião]”, afirma o porta-voz do movimento.

Risco para as grávidas
A Ordem dos Enfermeiros, também visada no parecer da PGR pelo apoio que tem manifestado publicamente a estes profissionais, questiona o documento, alegando, em comunicado, que as conclusões “não enquadram corretamente” a situação atual dos enfermeiros especialistas que estão e reiterou o seu apoio ao protesto.

Por outro lado, a Ordem dos Enfermeiros questiona, no mesmo comunicado, os elementos fornecidos pela tutela para a elaboração do parecer, apelando ao Ministro da Saúde que “em abono do total esclarecimento público, divulgue o conteúdo integral do Parecer emitido. Até porque o Conselho Consultivo da PGR ressalva que emite o presente Parecer ‘de acordo com os elementos disponíveis’”.

Ao Delas.pt, Luís Barreira, vice-presidente da Ordem, diz não entender “o braço de ferro que está a existir entre o ministro da saúde [Adalberto Campos Fernandes] e os enfermeiros” e acusa a tutela de desvalorizar o impacto que os protesto está a ter nos serviços e na prestação de cuidados às grávidas e parturientes.

“Se há equipas e serviços que tinham sete enfermeiros especialistas em saúde materna e neste momento são assegurados por dois, há aqui de facto um défice de cuidados especializados nesta área. As pessoas podem estar, de facto, em risco”, refere Luís Barreira.

A mesma opinião tem José Azevedo do Sindicato dos Enfermeiros (SE), que apoia o protesto.

Entre os riscos que as mulheres correm está o facto, diz, de estarem a serem assistidas por pessoas que não têm capacidade e de haver poucos profissionais nos serviços com competências para o fazer. “Os médicos ou estão a fazer cesarianas ou estão a fazer partos, ou a receber as mulheres em trabalho de parto. Há risco elevado na segurança”, diz ao Delas.pt.

Segundo o dirigente sindical, as maternidades que podem ficar numa situação mais crítica com o protesto dos enfermeiros são as dos grandes centros e dos hospitais de maior dimensão. A Maternidade Alfredo da Costa, o Centro Materno-Infantil do Norte, no Porto, o hospital de São João, no Porto, e de Vila Nova Gaia, e de Santa Maria e São José, em Lisboa são os exemplos apontados por José Azevedo.

“Estas são que terão mais problemas, porque são as que têm mais partos.” Mas não só. Por terem maior capacidade à partida, é também para elas que tendem a ser transferidas as grávidas deslocadas de maternidades cujos serviços tenham ficado comprometidos com a falta de prestação de cuidados especializados, como aconteceu esta semana com uma grávida de risco de 26 semanas. Maria Elisabete teve de ser transferida do hospital de Guimarães para o Centro Materno-Infantil do Norte devido ao protesto.

“As pessoas que estão a ser transferidas estão a sê-lo para serviços de neonatologia, que não estão devidamente acautelados, nem têm pessoal que chegue”, adverte José Azevedo, acrescentando que se essas mulheres não tiverem vaga se sujeitam a ser transferidas até encontrarem um hospital que as possa aceitar.

Questionado sobre a razão para o protesto se realizar por fases e não em simultâneo, José Azevedo responde que está organizado dessa forma “para que os hospitais se preparem, de maneira a salvaguardar os interesses e a vida das grávidas e parturientes”.

Mesmo assim deixa o aviso: “se, por exemplo, 50% das enfermeiras são do quadro e são parteiras legitimadas e outras 50% não são e se os turnos têm, por exemplo, cinco parteiras e duas deixam de prestar serviço é óbvio que fazem falta. Não podem ter a plenitude da capacidade do serviço a funcionar, por isso quando chega ao limite que aquelas três que estão de serviço podem suportar transferem para outro sítio.”

Os motivos do protesto
A distinção que o dirigente do SE faz entre enfermeiras “legitimadas” e outras que não são é o que está na origem deste protesto e começou em 2009, com a revisão da carreira, que retirou a categoria de enfermeiro especialista e passou a ser dividida em apenas duas categorias, a de enfermeiro e a de enfermeiro principal.

“Todos aqueles enfermeiros que tiveram o título de enfermeiro especialista e que na altura conseguiram, pela carreira, ter a categoria de enfermeiro especialista continuam a desempenhar estas funções. Só aqueles enfermeiros que tiraram a sua especialidade, que tiveram, por parte da Ordem, a atribuição de títulos, e que são posteriores a 2009 é que não têm essa categoria consagrada na carreira. São esses que há quase 10 anos que estão nessa situação e que entenderam que já chega”, defende José Azevedo.

Há cerca de 2000 enfermeiros de saúde materna e obstetrícia, segundo números de diferentes estruturas sindicais, como o Sindicato dos Enfermeiros (SE) e o Sindicato dos Enfermeiros Portugueses (SEP). De acordo com o SE, desse universo 55% são especializados mas não são remunerados como tal e 45% são especialistas de carreira, ou seja além de especializados foram oficialmente reconhecidos com essa categoria na sua carreira. No lote dos primeiros poderá haver, refere o SEP, enfermeiros “que já tinham feito o concurso de acesso à categoria, antes de 2009” mas que não conseguiram entrar por redução do número de concursos e congelamento na progressão das carreiras.

Segundo explica ao Delas.pt, Guadalupe Simões, da direção nacional deste sindicato, “mesmo os enfermeiros especialistas que concorreram aos últimos concursos, que podiam ser feitos até 2009 [altura em que mudou a carreira], mas que os hospitais deixaram de fazer por decisão das administrações”, acabam por não estar a ser remunerados de acordo com as competências adquiridas.

SEP demarca-se do protesto
Ao contrário do SE, o SEP não apoia esta forma de protesto dos enfermeiros, justificando-o, em parte, com “o Código Deontológico dos Enfermeiros e com o que está expresso na Lei de Bases da Saúde” e com o facto de ainda estar em negociações com o Ministério.

Guadalupe Simões começa por dizer “que é justo os colegas estarem a reivindicar uma remuneração diferente”, mas argumenta que em março, o ministro da Saúde “assumiu um compromisso de resolução do problema para todos os enfermeiros e essa é a nossa reivindicação, que seja para todos os enfermeiros. Entretanto estes colegas avançaram para esta forma de protesto. O SEP acompanha todas as movimentações dos enfermeiros no sentido da defesa das suas condições de trabalho, outra coisa é a forma como estão a protestar e sobre isso nós não pronunciamos.”

Sobre os riscos que as grávidas e as parturientes correm, a dirigente sindical espera que o Código Deontológico seja respeitado e se mantenham “sempre os critérios de segurança nos cuidados que os enfermeiros prestam aos doentes e neste caso às mulheres”, independentemente dos protestos.

“Se uma mulher que está numa sala de partos para ter uma criança tem de intervir o profissional mais qualificado. Independentemente de estar a ser remunerado ou não. Na ausência de um profissional mais qualificado intervém o imediatamente a seguir. Isto significa que, se num bloco de partos não estiver lá um médico, tem de intervir o profissional mais qualificado e o que se espera é que o profissional mais qualificado que lá esteja intervenha de acordo com aquilo que são as suas funções”, afirma.

Para o SE e a Ordem dos Enfermeiros é ao governo que cabe resolver esta situação. Enquanto a Ordem diz que o atual ministro da saúde tem conhecimento desta situação “há mais de ano e meio” e defende “uma resolução urgente”, o sindicato acusa o executivo de discriminar os enfermeiros, face a outros profissionais de saúde.

José Azevedo compara as alterações que já foram feitas à carreira dos médicos com a estagnação da dos enfermeiros e as condições em que uns e outros tiram a sua especialidade, com prejuízo para os segundos que as pagam do seu bolso e a carga horária dos estágios. “Fazem um turno como enfermeiros e depois vão fazer um turno como especializandos. Depois destes sacrifícios todos chegam aos serviços e não têm nada que os reconheça como especialistas. Se estamos a falar em ética, este plano é imoral”, conclui.