Portugal faz três vezes mais partos com forceps ou ventosas que a Europa

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[Fotografia: Lucas Mendes/Pexels]

A prevalência de parto instrumentado em Portugal, ou seja, com recurso a forceps, espátulas ou ventosas, é três vezes superior à média europeia e a mais de 60% das mulheres portuguesas não foi pedido “qualquer consentimento”, concluiu um estudo europeu que envolveu mais de 21 mil mulheres.

Lusa, Raquel Costa, investigadora do Instituto de Saúde Pública da Universidade do Porto (ISPUP), revelou que o estudo, desenvolvido no âmbito do projeto IMAGINE EURO, visava avaliar os cuidados de saúde prestados às mulheres e recém-nascidos. A investigação, que foi selecionada para a capa da edição de fevereiro da revista The Lancet Regional Health – Europe, teve por base um questionário, desenvolvido de acordo com os ‘standards’ definidos pela Organização Mundial de Saúde (OMS), que abrangeu quatro dimensões: prestação de cuidados, experiência dos cuidados, recursos humanos e estruturas, e as mudanças organizacionais relacionadas com a pandemia da covid-19.

Entre março de 2020 e março de 2021, responderam ao questionário 21.027 mulheres de 12 países europeus (Itália, Suécia, Noruega, Eslovénia, Portugal, Alemanha, Servia, Roménia, França, Croácia, Luxemburgo e Espanha), sendo que destas 1.685 eram portuguesas. O questionário estava formatado tanto para mulheres que tiveram trabalho de parto (18.063) como as que não tiveram trabalho de parto (2.964).

Entre as mulheres que tiveram trabalho de parto, 31% das participantes portuguesas revelaram ter tido um parto vaginal instrumentado, no qual foram utilizados fórceps ou ventosas para facilitar a expulsão do feto.

“Temos uma prevalência de parto instrumentado que é três vezes superior do que é a média dos restantes países (11%)”, disse Raquel Costa à agência Lusa, sublinhando que esta é uma prática sobre a qual a OMS não estabelece nenhum princípio de recomendação ou não recomendação.

A OMS estabelece, no entanto, como prática não recomendada a realização de episiotomias (incisões feitas no períneo para ampliar o canal de parto), cuja percentagem que em Portugal se fixou nos 41%, representando o dobro da média europeia (20%).

À semelhança da realização de episiotomias, a manobra de Kristeller, que consiste na utilização de pressão externa sobre o útero e que também não é recomendada pela OMS, foi realizada em 49% das mulheres portuguesas com partos vaginais instrumentados, valor superior à média europeia (41%).

“Temos uma utilização exacerbada destas práticas. Quando olhamos para a percentagem destas práticas, estamos ao nível dos países com a pior qualidade de cuidados”, afirmou a investigadora, salientando que o estudo não permite fazer uma correlação direta com a pandemia da covid-19, pois não existem dados anteriores a esse período.

A par destes dados, o estudo concluiu que a 63% das mulheres portuguesas não foi pedido “qualquer consentimento” para a realização do parto instrumentado, valor que contrasta com a média europeia (54%). “Uma em cada cinco mulheres reportou que tem a perceção de que foi vítima de abusos físicos, emocionais ou verbais. Isto é um indicador que nos preocupa porque provavelmente são problemas de comunicação evitáveis, existem estratégias de comunicação que podem ajudar profissionais de saúde e as mães”, observou Raquel Costa.

Em Portugal, 28% das mulheres referiram ainda não existir uma comunicação eficaz por parte dos profissionais de saúde, 41% disseram não ter tido envolvimento nas escolhas durante o parto e 32% referiram não ter sido tratadas com dignidade.

O estudo centrou-se também no impacto da pandemia da covid-19 na prestação de cuidados, sendo que ao contrário dos outros indicadores, os números nacionais “não diferem dos outros países”.

A diminuição de consultas de rotina ao longo da gravidez e a escassez de cuidados materno-infantis durante o período pandémico foram os principais impactos sentidos.

Além do questionário dirigido às mulheres, que continua disponível online aqui, os investigadores estão também a reunir informação sobre os profissionais de saúde, de forma a consolidarem dados sobre quem presta os cuidados.

Coordenado pelo Centro Colaborador da OMS para a Saúde Materno-Infantil de Trieste (Itália), além do ISPUP, o estudo tem como parceiros em Portugal a Administração Regional de Saúde do Algarve, a Universidade Europeia e a Associação Portuguesa pelos Direitos da Mulher na Gravidez e no Parto.

LUSA