Campanha pelos corpos apaga mastectomia e só “mulher branca” recebeu pedido de desculpa

O verão também e nossa
[Fotografia: Instituto de las Mujeres]

A iniciativa pretendia por fim ao preconceito que ainda existe aos corpos perfeitos para a praia, mas o uso não autorizado das imagens e a edição dos corpos não podia ser mais polémica. Uma das intervenientes, sobrevivente de cancro, declarou ao jornal britânico The Guardian que o corpo aposto no rosto não pode o seu.

 

O rosto é uma reminiscência de mim, mas aquele não é o meu corpo. Eu não tenho mamas, e este corpo da imagem tem uma. O pensamento de meu rosto estar em um corpo de uma mulher com uma mama é bastante perturbador”, declarou Juliet Fitzpatrick.

Já antes Sian Green-Lord tinha contestado o facto de a imagem promocional ter “apagado” a prótese que usa na perna.

Nyome Nicholas-Williams foi a primeira das três modelos a contestar o uso não consentido da sua imagem nesta campanha. Porém, também esta modelo plus size veio esta terça-feira, 2 de agosto, lembrar que até os pedidos de desculpa por parte do governo espanhol são estereotipados. Num post do Instagram, Nyome lamentou que a entidade governamental apenas peça desculpa a uma das queixosas, e acusa: “Portanto, o governo espanhol só pode pedir desculpas a Juliet, que é uma mulher branca. Mas aparentemente Sian e eu não temos direito a um? Simmm tudo bem!! Eles também disseram na sua “declaração” que entraram em contato com todos nós, não o fizeram.”

Segundo o jornal britânico, a ministério da Igualdade terá enviado um email a lamentar o sucedido. Não sabíamos que tinham sido usadas imagens de mulheres reais. Pedimos sinceras desculpas por quaisquer danos que possam ter sido causados. O objetivo da nossa campanha é reconhecer a diversidade corporal em todas as suas dimensões, e ficaremos felizes em colaborar em qualquer ação que reflita isso mesmo”, cita o The Guardian.

A campanha institucional espanhola foi lançada em julho sublinhava a mensagem “todos os corpos são de praia” tornou-se alvo de críticas e ridicularização na Internet, provando, para quem a defende, que a “gordofobia” e a “violência estética” existem e há que combatê-las.

Foi na quinta-feira que o Governo espanhol, através do Instituto das Mulheres, lançou uma campanha com uma imagem que mostra mulheres com diferentes tipos de corpos e idades (incluindo uma mulher de topless após uma mastectomia) na praia e a frase “O verão também é nosso”.

A campanha foi lançada e promovida nas redes sociais pelas ministras que fazem parte do partido Podemos, que integra a coligação de esquerda que governa em Espanha, com frases e mensagens como “todos os corpos são de praia” e a denúncia da “violência estética” de que são alvo, sobretudo, as mulheres, com os anúncios publicitários, por exemplo, a insistirem frequentemente em “estereótipos”, nos chamados “corpos de biquíni” ou na “operação biquíni”, condicionando estes conceitos a um padrão corporal.

A ministra que tutela o Instituto das Mulheres é Irene Montero, que tem a pasta da Igualdade no Governo, e que se transformou no principal alvo das críticas e ridicularizações nas redes sociais após a divulgação da campanha.

A etiqueta #IreneMonterodemite (“Irene Monteiro, demite-te”) entrou nas tendências da rede social Twitter em Espanha na quinta-feira, horas depois do lançamento da campanha, com mensagens de ódio contra a ministra e a garantia de que tinha gastado 84 mil euros (o que foi negado oficialmente) com uma iniciativa “desnecessária” porque “as gordas sempre puderam ir à praia” sem necessidade da “autorização da ministra”.

Entretanto, surgiu uma polémica paralela porque duas das mulheres que surgem na imagem da campanha, reproduzida na imprensa internacional, são modelos que garantiram não ter dado autorização para a sua utilização.

A autora da campanha já se desculpou perante as modelos, que já as contactou e com quem vai dividir as receitas do contrato com o Governo espanhol, que teve um valor de 4.500 euros.

Passado o auge da polémica, defensores da campanha, dentro e fora das redes sociais, consideram que as reações que gerou a iniciativa são a prova de que é mesmo necessário insistir na mensagem que queria transmitir, ou seja, de aceitação do corpo.

E que aquilo que a campanha pretendia denunciar e combater existe mesmo: “a gordofobia” e “a violência estética”.

Foi isto mesmo que disse na sexta-feira a secretária de Estado da Igualdade, Angela Rodriguez, para quem os milhares de insultos e mensagens de ódio que se seguiram ao lançamento da campanha demonstram que “há um problema” e que estas iniciativas são necessárias.

“Continua a incomodar que as mulheres gordas tenham espaços de visibilidade e por isso é importante começar a fazer política com esta questão”, disse a secretária de Estado, em declarações à agência de notícias EFE.

Para Angela Rodriguez, está em causa uma “discriminação estrutural”, que afeta “mulheres gordas ou homens carecas”.

“É preciso abrir este debate porque a diversidade corporal não é aceite. Onde estão as pessoas gordas? Não sabem ser apresentadoras de televisão, não sabem ser políticas?”, questionou.

A secretária de Estado alertou que “a violência estética” ou a “gordofobia” estão na origem de problemas graves, como distúrbios alimentares ou questões de saúde mental, o que também denunciaram muitas mulheres que participaram na polémica gerada nas redes sociais e que contaram as suas próprias experiências.

“Temos de assinalar que todos os corpos são válidos e que são necessárias campanhas de sensibilização neste sentido”, sublinhou a secretária de Estado, que assegurou que esta campanha foi apenas a primeira de várias iniciativas do Ministério da Igualdade neste âmbito.

CB com Lusa