Há três anos quando Justin Trudeau apresentou ao Canadá o novo governo do país, uma jornalista perguntou ao primeiro-ministro por que razão tinha formado um gabinete com 15 mulheres e 15 homens, um governo paritário. “Porque estamos em 2015“. A entoação que Trudeau deu foi de resposta óbvia e a pergunta quase ficou a soar a tola. Na remodelação que o governo canadiano sofreu em 2017 as mesmas ideias e proporções de igualdade foram mantidas.
Hoje na Assembleia da República portuguesa discute-se o aumento do ratio mulheres/homens de 33% para 40% na composição das listas dos partidos que se apresentem a eleições para à AR, às autarquias e ao parlamento europeu. No Fórum da TSF desta quinta-feira discutiu-se o mesmo e na sondagem online os resultados ao meio-dia eram elucidativos:
78% dos votantes acredita que os partidos não devem ser obrigados a incluir 40% de mulheres nas suas listas. Nos comentários leem-se argumentos típicos de tais discussões: as mulheres não estão na política porque não querem, não se devem impor cotas porque não há mulheres suficientes, “as pessoas devem ser escolhidas pela competência e não pelo sexo” e um argumento que, confesso, me faz rir: “os homens é que estão a ser discriminados“.
A Assembleia da República (AR) é, como lhe chamam noutros países, a assembleia dos representantes que, no plano ideal, seria um lugar onde os cidadãos sentiriam que têm uma voz, colocada por interposta pessoa – o deputado.
No Brasil usa-se muito a expressão “lugar de fala“. Ela diz respeito ao direito de cada comunidade específica (que pode ser regional ou de orientação sexual, por exemplo) ter como porta-voz uma pessoa dessa comunidade e não uma pessoa que não sofreu aquelas problemáticas na pele. Lembra-se de Marielle Franco? Era o caso: a deputada na assembleia municipal do Rio de Janeiro, falava pelos que como ela eram negras, pobres, mulheres e lésbicas.
Podemos ter órgãos políticos em Portugal que se pareçam mais com Portugal?
Porque é que o lugar de fala é importante na política? Porque a representação dos cidadãos com problemáticas específicas nos lugares de decisão pode fazer a diferença na vida de milhares de pessoas.
Temos a certeza que não é por causa da sub-representação de mulheres na AR que as diferenças salariais grassam neste país? É que 51% da população do país é afetado pela ideia que o trabalho feminino vale menos do que o masculino mesmo quando o job discription é igual. Eu não tenho.
As cotas têm efeitos práticos: trazem para os lugares de decisão pessoas mais próximas das problemáticas das populações e mostram publicamente que estas mulheres no palco são tão capazes como os homens no palco. Sim, é uma alavanca artificial para que subam esse degrau. Mas a alavanca que faz com que os homens possam resolver os negócios numa mesa noturna enquanto as mulheres se encarregam de tudo em casa e na família (ou até, pelas circunstâncias sociais de não poderem frequentar certos lugares as mulheres não podem resolver negócios numa mesa noturna), é uma alavanca natural?
Trudeau dizia quando apresentou o seu governo que estávamos em 2015. Depois de um silêncio incómodo para a jornalista que fez a pergunta acrescentou: “Os canadianos elegeram extraordinários membros do parlamento por todo o país e estou muito feliz por poder destacar alguns deles, neste governo, hoje. (…) Estou empenhado em assegurar que todos os deputados serão capazes de ser vozes fortes das suas comunidades, para levantar as suas questões.”
Antes já tinha dito: “Este é um governo do Canadá que parece o Canadá.” Podemos ter órgãos políticos em Portugal que se pareçam mais com Portugal?
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