“Estamos no século XXI com horários de trabalho do século XIX”

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[Fotografia: Shutterstock]

Mulheres mais presentes nas direções das empresas e nos corpos dirigentes dos sindicatos, a aposta na flexibilidade de horário, no teletrabalho e direito a mais vida privada são prioridades para a UGT, que se reúne hoje em conferência, em Braga.

“Nós como mulheres temos de falar da conciliação trabalho com a vida familiar, mas temos de ir mais além. Temos de acrescentar a importância do fator da vida privada, uma matéria na qual devemos ter tempo para nós”, descreve Lina Lopes.

Para a presidente da Comissão de Mulheres da União Geral dos Sindicatos (UGT) os desafios do sexo feminino no mundo do trabalho têm de ser “colossais” por forma a vencer os dados mais recentes e segundo os quais, de acordo com o estudo do relatório Global Gender Gap, do Fórum Económico Mundial, Portugal só atingirá a igualdade de género em 2099.

É para debater estes e outros temas, para definir prioridades que a UGT promove, até junho e em parceria com a Ordem dos Médicos e o Sindicato dos Quadros Técnicos de Diagnóstico (SINDITE), um ciclo de conferências subordinado ao tema “Igualdade de Género – Desafio para a Década” (2016-2026)”. Este sábado, Braga é o palco de mais um encontro.

“A igualdade entre homens e mulheres é uma questão do poder. Se está uma mulher num determinado cargo, há um homem que tem de sair”, sustenta a presidente da Comissão de Mulheres, que refuta tratar-se apenas de uma “mera ocupação de lugares”.

“Se isso for feito assim, nunca vai mudar nada. Temos de perceber porque é que somos [mulheres] 52 % da população, somos mais escolarizadas e porque não estamos em determinados cargos”, afirma a responsável, que recorda que a UGT tem subscrito “a agenda para a igualdade”.

Na lista de prioridades está ainda a análise em torno da disparidade de rendimentos. Uma realidade que começa nos salários, (“em 2015 era 16,7% inferior ao dos homens”), mas que se estende às pensões. “Elas tradicionalmente não trabalhavam e têm hoje pensões mínimas. Por exemplo, se as mulheres ganham 600 euros mensais, os homens ganham em média 900”. Já para não falar que “são elas quem mais ganha salário mínimo”.

Teletrabalho sim, mas com limites

“Estamos no século XXI com empresas e horários de trabalho do século XIX. Não devíamos ter horários de oito horas, devíamos começar a trabalhar por objetivos. Gerir a nossa agenda feminina consoante os objetivos, e o Código do Trabalho já permite este tipo de soluções, mas não são conhecidas como deviam. Há, por exemplo, o teletrabalho”.

Com regras bem definidas, porém.

“Uma das medidas é propor que os funcionários não tenham de receber e-mails ao fim de semana. Estar a trabalhar a partir de casa não pode significar que as pessoas trabalhem mais. Em França, por exemplo, estas medidas de prevenção já está a acontecer”, diz Lina Lopes.

Passaporte para a Parentalidade

Só haverá igualdade para as mulheres, se tal incluir os homens. Esta é, também, uma das linhas defendidas por Lina Lopes. Nesse sentido, a presidente sustenta que “na lei da parentalidade, homens e mulheres podem dividir os tempos de licença e de acompanhamento dos filhos”. “Se for obrigatório por lei – e já existem soluções nos países nórdicos –, vai fazer com que o empregador olhe para homens e mulheres e escolha colocar o melhor”, crê.

“Devíamos instituir um passaporte para a parentalidade: com a divisão dos tempos. Haver ali uma medida em que devia estar escrito que homem e mulher participam de igual forma, porque o filho é dos dois”, considera Lina Lopes, que acrescenta: “Às vezes um homem até pode querer e não pode, e pode até ser gozado”.

“Por exemplo, é mais fácil por vezes para eles dizerem que vai levar o carro à revisão do que levar o filho ao médico. Há muitos que mentem.”

Autárquicas com mais candidatas

“Depois de o governo começar pelas empresas públicas e cotadas em bolsa, o que subscrevemos, é importante, por exemplo, olhar para as câmaras municipais”,alerta a presidente da Comissão das Mulheres da UGT. Em ano de autárquicas, a responsável espera ver estar realidade alterada: “Em 308 câmaras, apenas 23 são lideradas por mulheres, isto representa 7,5%. Em 40 anos de democracia, apenas 6% chegaram a lugar de ministras”, elenca Lina Lopes, que prepara também um movimento de mulheres sociais-democratas a nível nacional.

“Queremos organizar uma estrutura autónoma de mulheres, tal como o PS já tem. Sempre se pensou que a igualdade era algo de esquerda, o que é mau e não é verdade. Sá Carneiro, num dos primeiros discursos que fez na Assembleia da República, alertou para isto”, recorda.

Mais mulheres dirigentes nos sindicatos

Para lá da luta pelas condições de igualdade entre homens e mulheres, Lina Lopes e a UGT querem ver as estruturas internas um pouco mais abertas à paridade. Um caminho que, diz a responsável, já está a ser feito. “No executivo da UGT temos igualdade. O nosso secretário-geral, Carlos Silva, teve esse cuidado. Temos algumas mulheres líderes de sindicatos, cinco, e conseguimos, em dezembro de 2016 e em 80 anos de sindicatos de bancários, ter uma mulher presidente”, afirma.

Garante que quer ir mais longe, já que, apesar do decréscimo de trabalhadores sindicalizados, há cada vez mais trabalhadoras a filiarem-se nestas estruturas. “Não queremos só os quadros diretivos, queremos que mais mulheres participem na vida social e sindical, e para isso é preciso que percebam que existam outras, sendo exemplos disso mesmo”. Até porque é preciso pôr termo a ideias feitas.

“O sindicalismo sempre foi reconhecido como espaço de homens e queremos alterar essa tendência. Em Portugal, estamos à frente face aos países europeus. E se não fosse a lei das quotas, hoje não teríamos conseguido o que já conseguimos. Temos partidos a preferirem pagar coimas e dizerem que não têm mulheres.”