Mulheres que mataram os maridos e foram perdoadas

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O presidente francês concedeu, esta quarta-feira, indulto a uma mulher que tinha sido condenada a 10 anos de prisão pelo assassínio do marido violento, depois de décadas de abusos e violência.

François Hollande decidiu que Jacqueline Sauvage, de 69 anos, devia beneficiar de “uma remissão do resto da sua pena de prisão”, pondo “fim imediato à sua detenção”. A mulher matou o marido em 2012 com três tiros nas costas após 47 anos de violência doméstica e abusos sexuais dos quais também foram vítimas os quatro filhos, três raparigas e um rapaz. O homicídio ocorreu um dia depois do filho se ter suicidado.

As suas três filhas, que sempre a apoiaram, testemunharam contra o pai, explicando terem sido violadas e espancadas, como era a sua mãe. Mesmo assim Jacqueline Sauvage foi considerada culpada em primeira instância e novamente no recurso de dezembro de 2015, sendo condenada a 10 anos de prisão.

Os contornos do caso levaram a que associações feministas, personalidades do mundo da cultura e responsáveis políticos pedissem outra sentença. Foram criadas várias petições a pedir a sua libertação, uma das quais recolheu perto de 436 mil assinaturas.
No início de 2016, o presidente Hollande concedeu a Jacqueline Sauvage um perdão parcial permitindo-lhe pedir a liberdade condicional, mas esta foi recusada pelos juízes.

Agora o chefe de Estado indultou a mulher, considerando que o seu lugar “não era na prisão, mas junto da sua família”, concluiu o comunicado da Presidência da República Francesa.

Brasil absolveu mulher que matou ex-companheiro com nove tiros
O caso de Jacqueline Sauvage não é único e por vezes é a própria justiça a reconhecer que falhou com as vítimas de violência empurrando-as para soluções extremas, em que acabam por ser elas a matar. Foi o que aconteceu em novembro deste ano com Ana Raquel Santos da Trindade, de 31 anos, em Florianópolis, no estado de Santa Catarina, no Brasil.

Depois de 24 dias presa, a mulher foi absolvida por unanimidade pelo assassínio do ex-namorado Renato Patrick Machado de Menezes, em 2014. Tanto o promotor do Ministério Público Andrey Cunha Amorim como os jurados consideraram que Ana Trindade não teve alternativa, por culpa da ineficiência das autoridades e dos serviços de proteção à mulher. Abusada sexualmente, mantida em cativeiro e posteriormente perseguida e ameaçada de morte pelo ex-companheiro, a mulher fez 20 denúncias à polícia – só na 6ª Delegacia de Polícia de Florianópolis, especializada em violência doméstica, a mulher apresentou oito queixas por violação, três por tentativa de homicídio, em frente ao filho, e quatro por ameaças de morte, detalharam os media brasileiros.

Renato de Menezes nunca foi detido ou proibido de se aproximar da mulher, medida de proteção que esta também solicitou à Justiça, mas que lhe foi negada.

Cerca de dez dias antes do homicídio, o homem tentou forçar a entrada na casa de Ana Trindade, que depois disso decidiu adquirir uma arma de fogo. No dia 16 de novembro de 2014, o agressor voltou a forçar o portão da habitação e a mulher usou a arma para se defender. Atirou 12 vezes, atingido Renato de Menezes com nove tiros. O homem não resistiu aos ferimentos e morreu ao fim de duas semanas.

Sem antecedentes criminais e com sete testemunhas a reiterarem a sua versão, o Ministério Público considerou que, perante a violência que sofreu “outro desfecho não seria possível” e que Ana Trindade agiu em “legítima defesa”.

A portuguesa absolvida e o juiz aplaudido
Em 2007, o Tribunal de S. João Novo, no Porto, absolveu Maria Clementina Pires, com 63 anos anos na altura, da acusação de homicídio do marido. Para essa decisão contribuíram os 40 anos de maus tratos e violência a que foi sujeita e os trágicos acontecimentos de 14 de setembro de 2004 que levaram ao trágico desfecho.

Nessa noite, o marido, Januário Rodrigues, entrou em casa com uma pistola e agredindo de imediato a mulher com dois pontapés ao mesmo tempo que a insultava. O homem continuou a ameaçá-la, assim como às duas filhas avançando para a mulher com uma foice e um martelo. Maria Clementina Pires defendeu-se com uma machada, golpeando o marido, até este cair inanimado. Januário Rodrigues morreu cinco dias depois no Hospital de São João.

O Ministério Público pediu então a condenação da mulher, por homicídio privilegiado, podendo a pena chegar aos cinco anos de prisão.

Mas o coletivo de juízes, presidido por João Grilo, da 4.ª Vara Criminal do Porto, decidiu absolver Maria Clementina Pires, considerando que a mulher “agiu sob forte pressão psicológica” na noite do crime e que viveu uma episódio “tremendamente traumático”, resumindo os abusos a que a mulher e as filhas, já adultas, estiveram sujeitas durante décadas e citando um relatório da Aministia Internacional com o número de mulheres mortas por violência doméstica nesse ano.

Os juízes entenderam que os antecedentes e as circunstâncias da noite do crime justificavam a absolvição de Maria Clementina e aconselharam-na a “aproveitar o resto da vida”, citou, na altura, o ‘Correio da Manhã’. A decisão foi aplaudida pelos presentes na sala de audiências.

Maria Clementina saiu em liberdade e o Ministério Público não recorreu da decisão.