Estas mulheres vivem da canábis. E gostavam de ser mais

Notícias Magazine

Por Ana Rita Guerra, nos EUA

No centro de convenções de Los Angeles, a azáfama de um dos maiores congressos de negócios da canábis, o Cannabis World Congress and Business Expo, teve uma coisa em comum nos últimos anos: stands, painéis e cadeiras cheios de mulheres. A percentagem de executivas em posições de liderança nas empresas da indústria legal de canábis atingiu 36% em 2015, segundo dados do Marijuana Business Daily. Um número notável, já que a média global nos Estados Unidos era de apenas 22% e nalgumas indústrias, como a tecnológica, a percentagem era ainda mais baixa.

À medida que mais Estados legalizaram o mercado de canábis para fins medicinais e/ou recreativos, com várias regulações a entrarem a vigor, este número começou a cair. No ano passado já era de 27% e a expectativa é que tenha afundado em 2018. Depois de anos a ser considerada uma indústria aberta, com menos barreiras à entrada para empreendedoras, também a canábis está a montar um telhado de erva que impede as mulheres de subirem. Porque é que isto está a acontecer?

“Desde que os novos regulamentos entraram em vigor, com custos muito elevados para estar em conformidade, assistimos a cada vez menos mulheres serem capazes de fazer a transição”, explica ao Delas Kimberly Cargile, dona do dispensário A Therapeutic Alternative em Sacramento, norte da Califórnia. “É preciso muito dinheiro e o financiamento, tal como é costume, está nas mãos de homens brancos mais velhos que o passam para homens brancos mais novos”, continua. “Vimos uma tremenda transição em termos de minorias raciais e de mulheres a perderem os seus negócios.” Ou seja, as mulheres da canábis estão a bater no mesmo teto que dificulta a vida de tantas outras empreendedoras: apenas 2% do financiamento por capitais de risco vai para empresas fundadas por mulheres; 79% é entregue a empresas lideradas por homens e 19% para empresas mistas, de acordo com dados da revista Fortune.

Apenas 2% do financiamento por capitais de risco vai para empresas fundadas por mulheres; 79% é entregue a empresas lideradas por homens e 19% para empresas mistas, de acordo com dados da revista Fortune

A Califórnia, com 40 milhões de habitantes e vinte anos de experiência na canábis medicinal, legalizou o consumo recreativo a 1 de janeiro de 2018, altura em que também entraram em vigor uma série de regulamentos estatais. Como Estado mais populoso do país, era suposto transformar-se na “meca da canábis” e gerar 3,8 mil milhões de dólares este ano, um exemplo para o resto do mundo. Mas as previsões foram revistas em baixa pela consultora New Frontier Data – fundada por uma mulher, Giadha Aguirre De Carcer – que agora projeta apenas 1,9 mil milhões.

“Nos últimos vinte anos, a nossa indústria foi o que chamamos de negócios familiares, pequenas empresas, pessoas a cultivarem canábis nos seus jardins, a operarem neste modelo coletivo de negócio”, diz Kimberly Cargile. “Muitas dessas pessoas eram mulheres.” Agora, foram apanhadas na curva da falta de financiamento. “Os negócios detidos por mulheres não estão a conseguir fazer a transição devido às centenas de milhares de dólares, às vezes milhões, que são necessários. O dinheiro está a ir para os homens nesta altura, é pequena a percentagem que vai para mulheres.”

O dispensário A Therapeutic Alternative financiou a sua transição e Kimberly tem mais de uma década de experiência no mercado, mas mesmo assim não consegue financiamento para expandir o seu negócio e abrir uma empresa de manufatura. “Tenho visto homens à minha volta em toda a indústria a começarem empresas e a conseguirem o dinheiro de que precisam, e é mais difícil para as mulheres”, revela. “É simplesmente a forma como as coisas sempre foram feitas.”

Korena Ellis, partner de uma empresa de mediação imobiliária dedicada à canábis, confirma a tendência. “Os homens estão a trazer o financiamento e conseguem alavancagem”, explica. A sua empresa, Rosano Partners, medeia o investimento em terrenos e instalações devidamente licenciados para o cultivo e venda de canábis, e a diferença é notória nesta altura. “A nossa procura agora é maioritariamente masculina. São dois grupos: cultivadores ou operadores que têm um investidor, ou um investidor que tem um operador como parceiro.”

Apesar de haver organizações de mulheres que estão a tomar medidas, como a Women Grow, o que foi antes uma indústria sem legado tem agora a barreira do dinheiro. “Neste momento está tudo em torno do capital e do conhecimento”, adianta Korena, falando de uma grande quantidade de pessoas novas que estão a entrar na indústria. “Odeio dizê-lo, mas muita gente vai falhar. Não sabem o que estão a fazer e muitas das pessoas que estavam no mercado negro vão sentir que é muito difícil com a regulamentação.”

Sarah Grew, cultivadora de canábis, será forçada a abandonar a sua plantação no início do próximo ano. “É tão difícil entrar no mercado regulado, os custos são tão elevados que 98% dos operadores prévios não conseguem fazê-lo”

É a mesma opinião de Sarah Grew, uma cultivadora de canábis que será forçada a abandonar a sua plantação, Sierra Sun Farms, no início do próximo ano. “É tão difícil entrar no mercado regulado, os custos são tão elevados e os regulamentos tão onerosos que 98% dos operadores prévios não estão interessados ou não conseguem fazê-lo”, admite. No seu caso, foi o condado onde reside no norte da Califórnia, Sierra County, que obrigou ao encerramento da área cultivada.

“As operações bem financiadas e organizadas que estão a entrar no mercado regulado estão a competir com um mercado negro muito bem sucedido, que tem 20 anos de experiência”, analisa. “Agora temos esta gente de calções e sapato vela a entrar que não tem qualquer ligação com a história e a cultura disto. Há uma guerra cultural a acontecer.”

Antes era possível começar uma empresa fazendo biscoitos com marijuana e vendendo ao dispensário local, muitas mães faziam-no a partir de casa. “Isso acabou”, reitera Kimberly Cargile. “As pessoas que estão a ter sucesso estão a fazer parcerias com investidores, que são homens e comunicam melhor com homens, confiam mais noutros homens. Compreendem a forma como eles fazem negócio, é mais fácil para eles.”

Com o fim da licença para a sua propriedade, Sarah Grew vai passar a trabalhar num novo dispensário em Nevada City como assistente operacional, procurando manter-se na indústria. Há muitas mulheres a tentarem investir em negócios que circundam a canábis sem tocar diretamente na planta, porque aí podem evitar os maiores custos e riscos (a marijuana ainda é ilegal ao nível federal, apesar de legal em cerca de metade do país).

Avens O’Brien (na foto em cima), diretora administrativa da nova marca de canábis Lit Club, fala disso mesmo. “Muitas [mulheres] estão à frente de empresas de média, revistas, negócios em torno da canábis”, diz. “Por exemplo, marcas de roupa baseadas em cânhamo.” A responsável da marca, que vende vapers de CBD (cannabidiol) e charros pré-enrolados da estirpe Forbidden Fruit, diz que continua a ser “surpreendida” pela quantidade de mulheres que encontra em eventos de canábis, mesmo tratando-se de negócios auxiliares. Avens tem uma visão otimista. “A canábis já não é tabu como era antes”, declara. “As mulheres fazem acontecer.”

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