‘Branco’ é lançado esta sexta-feira, 23 de fevereiro, e é, nas palavras da cantora Cristina Branco, um disco mais leve e com outra luz. Sucede ao aclamado ‘Menina’ e como ele reúne uma mão cheia de talentos da música portuguesa dos mais variados géneros. André Henriques (Linda Martini) Filho da Mãe, Jorge Cruz, Sérgio Godinho, Joana Pessoa ou Mário Laginha, entre outros, convergem no universo musical de Cristina Branco, para dar letra e composições ao seu novo trabalho intitulado com o seu próprio apelido.

Uma luminosidade que, de resto, ilustra a fase em que se encontra, na sua carreira e na vida. “Acredito que este disco me define como alguém que encontrou a sua juventude numa fase mais à frente”, diz em entrevista ao Delas.pt. A escolha dos autores dos temas, mas também da artista Joana Linda para os vídeos contribuíram para materializar esse sentimento neste objeto sonoro e visual que é ‘Branco’. A conversa passou também pelos concertos, pelo que representa uma extensa digressão quando se é artista e mãe, passando pelo estado atual da música portuguesa e com uma pergunta em jeito de desafio: Seria possível virmos a ver Cristina Branco a participar no Festival da Canção?

O seu novo disco, ‘Branco’, fez-se apresentar ainda no decurso dos concertos que se seguiram ao álbum ‘Menina’. Pode-se falar numa continuidade entre estes dois discos?

Não, nós demarcamos bem o final do tour do ‘Menina’ para passarmos ao ‘Branco’. Na verdade o ‘Menina’ é um fechar de porta, foi um disco de transição. Para mim, foi a necessidade de fechar um período da minha vida e o ‘Branco’ abre outro período. O ‘Menina’ faz essa passagem de uma forma suave. Este é um disco mais assumido, dentro daquela sonoridade que já estava a acontecer, mas é no pleno, ou seja, é só isto que nós queremos dar, não há misturas sonoras, além daquela que queremos apresentar especificamente para o ‘Branco’.

Mas há, de certa forma, uma transição no que toca aos letristas e compositores. Que disco então é este ‘Branco’?

Este disco fala da atualidade, seja minha, seja dos autores, como referiu. Porque aquilo que nós somos hoje é diferente daquilo que nós fomos há dois anos quando fizemos o ‘Menina’. Aquilo que está a acontecer hoje não é aquilo que estava a acontecer e portanto este disco fala deste momento, fala daquilo que é normal, o normal hoje, que está a acontecer nas nossas ruas e nas nossas vidas. É disso que fala o ‘Branco’, é disso que falam esses autores. [É] uma postura, digamos assim, de normalidade: isto é o que eu sou, sem meias tintas, sem fantasiar nada. Como eu costumo dizer, sem filtros. Não está nada filtrado, é a verdade como ela é. Esse é o ‘Branco’.

Pode dizer-se que enquanto ‘Menina’ era quase o desafio do olhar exterior sobre a Cristina, que este ‘Branco’ é um olhar da Cristina para o exterior, com os contributos daqueles autores?

[Risos] Ui, isso é difícil de dizer, porque aquilo que aconteceu em relação aos autores foi que eu não tinha nenhum texto, nenhum guião, para eles seguirem. Foi a procura deles de chegar mais uma vez ao meu universo. É óbvio que eu quando encarno cada uma daquelas personagens, de cada vez que tento transmitir a mensagem que está naqueles textos, há muito de mim ali. Passo a apropriar-me dos textos das outras pessoas, mas, inicialmente, a ideia que me deixou do total dos temas que me foram entregues é que era o olhar dos outros à minha pessoa e à minha evolução, ao espectro da minha vida.

E como é que este disco define a Cristina Branco atualmente, enquanto artista e enquanto pessoa?

Eu acredito que este disco me define como alguém que encontrou a sua juventude numa fase mais à frente. Acho que a uma dada altura da minha vida encontrei-me com a minha juventude. Fui muito mais pesada, a minha música tinha muito mais carga, muito mais densidade, muito mais véus antes do que tem hoje.

Porque é que nesta altura que consegue encontrar melhor essa juventude?

Tem a ver com a maturidade. Há pessoas que podem achar que, à medida que vamos amadurecendo, vamos ficando mais densos. Eu acho que não tendo perdido a intensidade, fiquei muito mais leve, há ar na minha música, como há silêncio. Destapámos imensas coisas, tirámos sons que estavam a mais, coisas que estavam a carregar, a dar peso na minha música e isso traz juventude. Só quando se chega a um determinado ponto da vida é que se consegue olhar com essa leveza.

‘Branco’ é o novo disco da cantora e fadista Cristina Branco [Fotografia: Nuno Pinto Fernandes]
E o facto de ter nestes trabalhos uma geração músicos consagrados e músicos da nova geração ajudou a tirar este pesos?

Ajuda, óbvio. Aliás, a escolha dos autores não é inocente. É óbvio que aquilo que eu queria era essa frescura, esse sangue novo para a minha música, que eles me ensinassem como ensinaram a ultrapassar esse tal peso, essa tal densidade. E é isso, o resultado é o ‘Branco’.

Estes discos reúnem participações de músicos consagrados como o Sérgio Godinho ou Mário Laginha, e de músicos da chamada nova geração que entretanto também já se firmaram como o Filho da Mãe ou o Jorge Cruz. No passado domingo vimos a primeira semi-final do Festival RTP da Canção.

Verdade, eu também vi! [risos]

Desde a edição do ano passado que tem reunido, e com sucesso, como se viu, estas duas gerações de músicos portugueses, mostrando o que de melhor se vai fazendo. A música portuguesa está finalmente a gostar dela própria, a sério?

Ah, sem dúvida. Não sei se será finalmente, o processo foi gradual e estamos numa boa fase em relação a gostarmos de nós próprios, é verdade. Basta ver aquela amostra de músicos, basta dizer que dois deles estão no meu disco, por exemplo: está o Afonso Cabral e está a Beatriz Pessoa. Faz todo o sentido. A mim dá-me um prazer imenso perceber que aquelas pessoas estão a fazer coisas bonitas, que são transversais, porque há gerações de músicos, mas também de ouvintes, que estão a ouvi-los mas também curiosos sobre aquilo que está a acontecer na cena musical portuguesa. Só podíamos estar felizes. Depois, as pessoas de fora estão a dar atenção àquilo que se está a fazer aqui. É perfeito!

A Beatriz Pessoa, que foi uma das concorrentes, é uma das autoras, como referiu, do seu disco, e a única mulher dessa lista. Como surgiu esta participação?

A Beatriz é uma menina, uma menina mesmo, e trabalhamos as duas com a mesma agência. Eu conheci-a o ano passado na apresentação do disco ‘Menina’ e houve empatia, o tipo de linguagem tem a ver com coisas que estava à procura, portanto o processo foi natural – de nos encontrarmos, de nos conhecermos, de passarmos a fazer alguma coisa juntas.


“Hoje, que vejo pessoas que trabalham comigo, naquele contexto e que o próprio Festival [da Canção] perdeu aquela cortina toda, aquela imensidão, não sei. Se tivesse uma proposta que me divertisse…”


Este disco tem muitas linguagens. Claro que tem o fado como base, mas depois também há um cheirinho a Brasil, a África, do jazz. É algo que já trabalha há alguns anos, mas diria que também isto está mais fluído nesta fase da sua carreira?

Sim. Isso tem muito a ver com os músicos que tocam comigo porque eles vêm de outros quadrantes musicais e nós misturamos tudo, acabamos por criar a nossa própria linguagem, que vem da essência de cada um de nós e por isso é que ele “cheira” tanto a outras coisas diferente e que nós conseguimos misturar. É a nossa identidade, o nosso carimbo. De facto, com o fado em pano de fundo, porque eu me identifico com ele, porque é a minha matriz e também porque há a guitarra portuguesa, mas também com outras coisas como o jazz, o que me permite a mim fazer outras coisas e ir para outros caminhos diferentes daqueles que eu tinha trilhado até aqui.

E os mais puristas do fado, já são menos puristas em relação a este tipo de caminhos?

Eu espero que não. Purismo é uma palavra um pouco forte, talvez, mas eu acredito e acho importante que haja sempre pessoas que defendam o bastião do fado, porque ele tem de manter alguma limpidez. Isso é importante para que outras gerações possam perceber o que ele é. Ele evolui, vai ser sempre evoluindo, porque, no fundo, fala da nossa sociedade, mas se temos 180 músicas de fado isso deve ser preservado. Nunca pode ser alterado. Nós podemos meter 200 poemas diferentes em cada uma dessas músicas mas essas têm de ser mantidas na sua forma mais original. Agora o que vai acontecendo ao redor do fado, desde que seja respeitado ou que se perceba a matriz. A mim, confesso -lhe, que me demorou alguns anos até perceber isso, mas a partir do momento em que eu percebo onde é que o fado está e onde é que estou, eu consigo ter à vontade para andar por ali à volta.

‘Eu Por Engomar’ é o primeiro single do disco, que Cristina Branco apresenta ao vivo com concertos em Portugal e no estrangeiro [Fotografia: Nuno Pinto Fernandes/Global Imagens]
Os vídeos do seu novo disco e as fotografias ficaram a cargo da realizadora e fotógrafa, Joana Linda. Como descreveria esta parceria no disco, e à luz do conceito deste disco?

Gosto do olhar da Joana, gosto que seja uma mulher, gosto da cumplicidade que nós encontrámos, da maneira também como nós nos divertimos quando estamos a fazer essas coisas, porque eu não imagino essa parte estética sem esse compromisso de uma certa liberdade. Tem de haver a capacidade de brincar com as coisas, mais uma vez a leveza. É a nossa maneira de olhar para a imagem. Tem de ser uma coisa despojada, tem de ter conceito, tanto que isto é uma sequência de videoclipes. A Joana é muito jovem, é uma jovem realizadora portuguesa. Fazia todo o sentido, vem na mesma linha destes compositores.

Os dois vídeos já disponíveis (dos temas ‘Este Corpo’ e ‘Eu por engomar’) foram filmados na Madeira. Esse cenário foi importante porquê?

Porque é idílico, porque é luxuriante. A imagem do disco tinha aquele conceito, aquele verde todo e nós quisemos prolongar essa ideia para dar também um ar de pureza, de espaço, de silêncio, mais uma vez.

Essa estética será de alguma forma depois transposta para os concertos?

A luz, sim. Anda muito à volta da luz. E é tudo muito orgânico. Não há novidades em termos de instrumentos. Aquilo que temos para dar são as nossas mãos e as nossas cordas.


“Acho que, a uma dada altura da minha vida, encontrei-me com a minha juventude. Fui muito mais pesada, a minha música tinha muito mais carga, muitos mais densidade, muitos mais véus antes do que tem hoje.”


Depois do par de concertos que tem em Portugal, na altura do lançamento do disco, segue para uma tournée no estrangeiro e só regressa em maio. A condição de mãe obriga a pesar e a ponderar melhor a extensão de uma digressão mais do que a um pai nas mesmas circunstâncias?

Talvez. Nós os quatro somos pais, temos oito filhos, ao todo, portanto todos sabemos o que é, e conhecendo bem os meus colegas de trabalho é tão difícil para eles quanto é para mim. Eu tenho condições mais rígidas, se calhar porque sou mulher, porque determinei que não posso estar mais que X dias fora de casa, sem voltar e abro uma exceção, que vai acontecer naquela grande tournée na Holanda, como acontece todos os anos, e eles já sabem que naquela altura não há mãe para ninguém durante um mês. É duro para todos, eles vão lá ter comigo. Claro que é sempre diferente, e temos de impor algumas restrições senão as coisas ganham uma dimensão fora dos parâmetros de quem precisa também daquela normalidade, precisa de ser pai e de ser mãe, de ter uma família para se manter com os pés na terra, que é o meu caso e que é o caso dos meus colegas. Isso foi importantíssimo desde o início, mas é óbvio que há momentos em que temos de abrir exceções.

Ainda divide a sua vida entre a Holanda e Portugal ou já não é tanto assim?

Agora estou mais cá, mas é como dizia, eu vou estar em Amesterdão em trabalho, durante um mês e uma semana e os meus filhos vão lá, também para rever os amigos. Para eles estar em Amesterdão é o mesmo que estar em Lisboa. Eles sentem que estão em casa e nós fazemos uma vida normal, porque temos lá também as nossas coisas.

Tendo essa experiência como é que vê o que se está a passar na Europa politicamente, a ascensão de grupos de extrema-direita, a tendência para um certo isolacionismo?

Vou ouvindo as notícias e percebendo que há coisas que estão a mudar. Não sei se pelo círculo onde nós andamos as coisas não se passem dessa maneira tão preocupante, porque, apesar de tudo somos artistas, o meio da cultura não tem esse fechamento, as pessoas gostam de nos ouvir, seja aqui, seja na Alemanha, na Áustria, onde ouvimos tanto essas coisas. E eu nunca senti isso [na pele] mas acho preocupante.

Voltando a Portugal, ainda que com um horizonte europeu, há pouco falávamos do Festival da Canção, seria possível ver a Cristina Branco a participar nesse concurso ou não?

Nunca pensei nisso [risos]! Hoje, que vejo pessoas que trabalham comigo, naquele contexto e que o próprio festival perdeu aquela cortina toda, aquela imensidão, não sei. Se tivesse uma proposta que me divertisse…Porque eu não penso na música de outra maneira. O compromisso tem de ser a minha liberdade e aquilo que eu possa aprender com as coisas. Seja um “Festival da Canção”, seja um concerto com outra pessoa. Mas isso tem a ver com a minha maneira de estar na música. Se for uma coisa que me diverte e que liberta, porque não?

Imagem de destaque: Nuno Pinto Fernandes /Global Imagens