Estratégias urgentes de sono a aplicar já hoje para evitar birras e insónias devidas à mudança da hora

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[Fotografia: Pexels/Cottonbro]

Depois de perceber que muitos dos seus pacientes chegavam desesperados ao consultório e com noites mal dormidas por não conseguirem colocar os filhos a dormir, a psicóloga Maria Serra Brandão decidiu escrever um livro para ‘educar’ para o sono.

Em Solução para Noites Tranquilas [Editora Planeta], a especialista reúne todo o conhecimento sobre o sono infantil, apresentando casos reais e curiosidades e respondendo às dúvidas mais frequentes que recebe todos os dias, desfazendo mitos e partilhando estratégias para ajudar os progenitores a porem os filhos a dormirem melhor.

Uma das suas áreas de trabalho incide nos ritmos de sono do bebé, nomeadamente hábitos e rotinas, ajuste e definição de horários de sono e alimentação, higiene do sono e a gestão de fatores ambientais e familiares que influenciam e afetam o sono.

Em conversa com o Delas.pt, Maria Serra Brandão revelou os impactos nocivos que a mudança de hora – prevista para este domingo, 26 de março – provoca na qualidade do sono em bebés e adolescentes e as estratégias que podem ser utilizadas antes e depois da transição de hora para auxiliar os pais a enfrentar com tranquilidade os desafios que a hora de descanso dos pequenos e dos crescidos trazem a toda a família.

Leia a entrevista à especialista abaixo.

Que impacto tem a mudança de hora em bebés e em crianças com idade pré-escolar, uma vez que irão dormir menos?

Esta mudança da hora acaba por não ser tão difícil para o corpo regular e acaba por ser a mais “simpática” para os bebés e para as crianças pequenas. Quando um bebé acorda às 5.00 ou às 6.00 horas da manhã, de repente ganha uma hora, porque os pais – que estavam a acordar demasiado cedo – passam a ter o bebé a acordar às 7.00 horas da manhã em vez de acordar às 6.00 horas. Os bebés não dormem propriamente menos, porque eles ajustam os seus horários. Acabam por dormir o que precisam. Nós [adultos] é que dormimos menos naquela segunda-feira. É mais fácil para os pais adaptarem-se a este horário do que ao horário de inverno, em que o relógio anda para trás. Pais madrugadores ficam mais madrugadores ainda. Os bebés são madrugadores. Gostam de acordar cedo e de se deitar cedo, portanto o relógio andar uma hora para a frente acaba por ajudar alguns pais a terem este horário alterado.

Falamos de bebés com que idades?

Falamos de bebés a partir dos quatro meses, sensivelmente, porque a partir dessa idade têm o seu ritmo circadiano estabelecido. Até lá, ainda estão a ajustar-se e a diferenciar o dia da noite. A partir do momento que o bebé já tem o seu ritmo circadiano estabelecido, é intrínseca e naturalmente madrugador. Os adolescentes a partir dos 13 anos, por exemplo, vão ter de se deitar mais cedo, ou seja, biologicamente não estão tão bem “equipados” para se deitarem cedo. Para eles, esta mudança é um bocado mais exigente, demoram um pouco mais de tempo a adaptarem-se porque são mais tardios. Às 20.00 vão ser 21.00 horas, portanto vão ter de começar a ir para a cama uma hora mais cedo do que estavam habituados. Para um adolescente, deitar mais cedo e acordar mais cedo é difícil. Para um bebé, é mais fácil.

Quais as razões de custar mais a adolescentes e como podem combater essa dificuldade?

A melhor forma de haver esta adaptação é gradual. Imaginemos um adolescente que acorda todos os dias às 7.30 horas para ir para a escola. A partir de segunda-feira, a essa hora já vão ser 08.30 horas. Portanto, na realidade, vai ter de acordar à hora que seria as 06.30 horas. Biologicamente, o relógio dele vai ter de se adaptar a acordar uma hora mais cedo do que o costume.

[Fotografia: Maria Serra Brandão/Divulgação]
E que impactos essa mudança tem num adolescente?
Passarem a produzir melatonina – que é a hormona do sono e sinaliza o corpo para ir dormir – mais tarde. O corpo deles naturalmente começa a ter a tendência para acordar mais tarde e deitar-se mais tarde. A ideia principal a reter é que a produção da melatonina fica mais tardia em relação aos bebés e às crianças porque acontece cedo. As hormonas da vigília ou da ação – que é o cortisol – começam a ser produzidas cedo e induzem um despertar cedo. Ao final do dia, a temperatura do corpo e o cortisol descem e a melatonina sobe. Isto nos bebés acontece cedo. A partir da adolescência, começa a fazer o chamado atraso de fase. Na idade adulta, voltamos a ficar mais ajustados porque voltamos a dormir menos horas.

O que fazer perante a mudança da hora?

Fazer ajustes graduais, ou seja, deitar todos os dias quinze minutos mais cedo ajuda a que no dia da mudança de hora consiga ser ajustada. Como os horários da escola não mudam, temos de fazer a mudança no fim de semana, porque não podemos estar a acordar 15 minutos mais tarde todos os dias quando há escola.

Mas, por exemplo, como é que os pais podem ajudar os filhos, nomeadamente bebés e crianças a deitarem-se mais cedo, uma vez que não é fácil fazer esse ajuste. Que estratégias podem utilizar?

O bebé que não está na creche pode ir fazendo pequenos ajustes na hora de acordar, depois na hora da primeira sesta, na hora do almoço. Quatro ou cinco dias antes da mudança da hora, fazer ajustes de 15 ou de 20 minutos nos horários de todas as rotinas. De manhã, em vez de esperar que sejam 8.00 horas e abrir as persianas e o bebé acordar, fazer esse processo quinze minutos mais cedo. O mesmo se aplica às sestas e às refeições. Depois, à noite, ir quinze minutos mais cedo para a cama. No dia seguinte, fazer a mesma rotina.

E para os que estão nas creches?
Não pode haver ajustes às atividades diurnas. No fim de semana, sábado de manhã acordar o bebé 20 ou 30 minutos mais cedo e fazer o resto das atividades como as sestas e as refeições mais cedo. Sábado à noite, deitar meia hora mais cedo. Domingo à noite, ainda mais meia hora mais cedo, o que já faz uma hora. Se tiver que fazer o ajuste só ao fim de semana, tem de fazer meia hora em dois dias. É normal que a fase de adaptação possa gerar alguns dias instáveis, com mais sonolência e mais birras. É preciso ter alguma paciência e tentar dar ao bebé as oportunidades de sono de que precisa, portanto, dormir um bocadinho mais na hora da sesta se precisar de ajustar. Até ele se adaptar, é tentar manter ao máximo a regularidade nos horários e nas rotinas. Apanhar luz natural de manhã também é muito importante.

Mesmo que se faça esses ajustes, os menores podem ter dificuldade em adormecer. Que estratégias podem ajudar nesse ponto?

Vão acabar sempre por aderir. A criança vai adaptar-se ao horário das suas atividades, tem é de ter regularidade nas rotinas. Não é tanto uma estratégia, mas uma regra. É dar tempo ao corpo para se adaptar. A mudança de hora não é o que é mais favorável para a qualidade do sono em geral, porque nós ficamos com muitas horas de luz até muito tarde e o nosso cérebro precisa da escuridão para induzir e melhorar as funções que induzem o processo de sonolência e o adormecimento.

[Fotografia: Divulgação]
E em idades do pré-escolar, como fazer?

Uma coisa é a adaptação à mudança de hora, fazer o ajuste de deitar e acordar mais cedo, outra é o que a mudança da hora representa por significar que ficamos com mais luz até mais tarde. Os impactos que tal tem acaba por ser uma diminuição geral do número de horas de sono em média, que os estudos comprovam, e que é evidente não apenas nas crianças. Também se verifica nos adultos. Para facilitar o processo de sonolência nas crianças e nos bebés, deve escurecer-se um bocado a casa ao final do dia, reduzir a luminosidade pelo menos uma hora antes de ir para a cama. Uma criança entre os três e os cinco anos, que tem de dormir 11 ou 12 horas por noite e regra geral já não faz a sesta, se acordar às 7.00 horas, tem de ir para a cama às 19.00 horas. Lembro que o que determina as horas a que a criança vai dormir é as horas a que acordou.

E com crianças mais velhas, o que fazer?

Entre os 6 e os 12 anos, idades em que as crianças precisam de dormir dez horas, também não muda muito. Com mais de dez anos já podem começar a conseguir dormir menos, mas aplica-se a mesma regra. Reduzir a intensidade dos estímulos uma hora antes de dormir, reduzir a exposição aos ecrãs na totalidade em crianças até aos dez anos antes de ir deitar.

E nos bebés?

Ter regularidades nos horários de sestas em bebés desde os quatro meses até aos quatro anos também é muito importante. Tirar sestas às crianças precocemente ou reduzir a duração não vai levar a um sono de melhor qualidade à noite, pelo contrário. Se tivermos a acordar uma criança da sesta quando precisava de ainda estar a dormir pode fazer com que a criança acumule cansaço e este vai criar mais birras na hora de dormir e vai ter mais dificuldade em adormecer, o que pode desencadear mais despertares noturnos e madrugadores. A expressão sono puxa sono é muito verdadeira. A privação de sono é também cumulativa, ou seja, acumulamos dívida de sono. Uma criança que de segunda a sexta está a dormir oito horas em vez de dez chega ao fim de semana com uma dívida de sono de dez horas, é como se tivesse ficado uma noite inteira sem dormir. As dívidas não são recuperáveis. O corpo vai procurar recuperá-las, mas os impactos são cumulativos e levam à redução da concentração, ao pior desempenho escolar e desportivo, humor afetado e proporcionável a birras. No entanto, dormir bem durante a noite é algo que se pode aprender progressivamente a fazer desde os quatro meses de idade.