Fadiga visual: a epidemia do século XXI

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É uma consequência inevitável da evolução. Por motivos profissionais, ou simplesmente por puro prazer, a maioria de nós passa atualmente muitas horas por dia com as novas tecnologias: computadores, tablets, smartphones… As redes sociais são na maioria das vezes as grandes culpadas pelo vício tecnológico, mas também há quem tenha desistido do tradicional livro e da folha de jornal e dê preferência ao tablet para ler o e-book e as notícias se manter atualizado. A consequência são olhos mais cansados e fragilizados, originando a chamada fadiga visual.

Fernando Trancoso Vaz, médico oftalmologista do Grupo Português Ergoftalmologia (Sociedade Portuguesa Oftalmologia), explica que “a utilização crescente de dispositivos eletrónicos – computadores, tablets, smartphones e videojogos – está associada a um maior esforço de visão para perto, acarretando um aumento das exigências de focagem para essa distância (esforço do músculo ciliar – acomodação), bem como uma perpetuada convergência dos olhos e uma maior atenção visual (com consequente diminuição do pestanejo). Quando esse esforço é grande e/ou mantido, surge a falência dos mecanismos de adaptação, com exaustão dos músculos oculares (intrínsecos e extrínsecos), e subsequentemente a fadiga visual (astenopia).” As causas para a ocorrência desta síndrome podem ser várias.

“Por um lado, podem advir de perturbações do utilizador, por maior exigência da tarefa a realizar e condições ambientais irregulares. Podem também ter causas relacionadas com erros refrativos (óculos) por corrigir, alterações da acomodação ou do equilíbrio oculomotor latentes, sendo nestes casos importante a observação por um oftalmologista.”

Fernando Trancoso Vaz destaca ainda o perigo de realizar tarefas a distâncias muito próximas e de uma forma perpetuada, o uso excessivo de ventoinhas ou ar condicionado no ambiente de trabalho (o que agrava o olho seco por diminuição do pestanejo e aumento da evaporação), a pouca ou incorreta iluminação e a posição incorreta do utente e/ou do dispositivo eletrónico.

Sintomas e prevenção

Esta síndrome pode surgir em qualquer faixa etária, desde crianças a idosos, mas é naturalmente mais frequente em utilizadores de computadores e smartphones, que estão no ativo do ponto de vista laboral. E como avaliar se sofremos ou não de fadiga visual? Os sintomas, segundo Fernando Trancoso Vaz, são diversos, mas passam sobretudo por “visão turva para perto e lentidão a focar para longe; sintomas musculares (por sobrecarga do músculo ciliar ou por má postura); dores de cabeça, peso nos olhos e nas pálpebras, dores nos músculos do pescoço e das costas; e sintomas relacionados com olho seco evaporativo – olho vermelho, secura ou ardor ocular, irritação, comichão, lacrimejo reativo e intolerância à luz.” E tudo isto irá contribuir para uma diminuição da qualidade de vida e uma consequente dificuldade em realizar as tarefas rotineiras do dia-a-dia.

Se neste momento já está a pensar em como poderá diminuir o número de horas que passa ao computador e substituir os e-mails e as conference calls de trabalho por pombos-correio e sinais de fumo, não desespere. Felizmente, e segundo o especialista, é possível atenuar estes sintomas, conseguindo inclusivamente uma melhor performance profissional, bem como uma melhoria no processamento mental (evitando fadiga, irritabilidade, diminuição da concentração e da memória), e evitando consequentemente o “erro humano”. “Poder-se-á minimizar ou mesmo atenuar os sintomas, e assim não restringir número de horas diárias de utilização de dispositivos eletrónicos, através das seguintes medidas: correção do erro refrativo (óculos); pausas regulares (regra 20/20/20 – a cada 20 minutos desviar o olhar 20 segundos, para uma distância de 6 metros – algo que permite relaxar o músculo ciliar); uso de lágrimas artificiais; posicionamento do utilizar a uma maior distância de smartphones e tablets; reposicionamento do computador (olhos ao nível do topo do ecrã); redução de ar condicionado, para aumentar a humidade no ambiente, e alteração do brilho e contraste do ecrã, para se tornar confortável e para que a luz nunca esteja de frente para os olhos”, explica o oftalmologista.

A saúde ocular comprometida?

Sem previsão de uma moderação no uso das novas tecnologias, terá a visão humana de “evoluir” para acompanhar os novos suportes, ou teremos cada vez mais problemas oculares em resultado desta exposição excessiva aos ecrãs?

Fernando Trancoso Vaz tranquiliza-nos. “Não seria tão dramático, uma vez que estes dispositivos vieram para ficar e são armas de trabalho e lazer extremamente úteis. Uma vez que através de certas medidas muito simples, já referidas, é possível minimizar as consequências, o que é importante é alertar a população em geral para esta temática, e explicar como podem ultrapassar estas dificuldades – é este o desiderato do Grupo Português de Ergoftalmologia e da Sociedade Portuguesa de Oftalmologia.”

Sendo os mais novos facilmente “seduzidos” pelo fascínio e possibilidades infinitas das novas tecnologias, os pais temem naturalmente por eventuais sequelas. Como deverão então sensibilizar os filhos para os perigos da fadiga visual, protegendo-os das consequências e zelando pela saúde dos seus olhos? “Não querendo entrar no campo da socialização e construção da personalidade por interação com terceiros, que foge às minhas competências como oftalmologista, diria que tentassem ‘negociar’ com os filhos o número de horas de utilização destes dispositivos, e os aconselhassem a usá-los o mais afastados possível dos olhos (diminuindo o esforço de acomodação). Quanto ao risco de desenvolver miopia, embora em inúmeros estudos realizados em crianças em idade escolar, e relacionando o esforço de leitura (estudo) e o risco de miopia, se tivesse encontrado uma maior prevalência, o certo é que outros expostos às mesmas condições não desenvolvem o mesmo erro refrativo (miopia). Como tal, não está ainda provado que o uso destes dispositivos induza miopia”, explica o especialista.