Fazer pausa no amor pode indicar “que relação precisa de cuidado”, alerta terapeuta

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[Fotografia: Gabriel Bastelli/ Pexels]

Jennifer Lopez e Ben Affleck têm feito correr muita tinta na imprensa internacional nos últimos tempos. Conheceram-se há cerca de 20 anos, ficaram noivos e depois anunciaram a separação. Contudo, as surpresas chegaram este ano quando decidiram casar duas décadas depois da rutura e, dias depois, terão preferido passar um tempo afastado.

Segundo a imprensa, o casal afirma que este afastamento será benéfico para a relação e que as saudades são importantes para manter a “chama” acesa.

Mas será que a saudade pode mesmo ser um combustível para as relações modernas? Alexandra Moreira, mestre em Psicologia pela Universidade Católica de Lisboa, terapeuta de casal/ família e pedagoga lembra que “muitos autores afirmam que nos constituímos na falta”. “Para eles, é na falta que nos impulsionamos para a vida. Sem falta, não haveria desejo. É possível sustentar uma relação sem desejo? Se saudade é falta de algo, significaria então que há desejo na saudade? Para a grande maioria dos casais que acompanho, sim”, começa por referir a também associada efetiva da equipa clínica e o núcleo de Saúde Mental do Instituto Noos (Brasil).

Alexandra Moreira crê ainda que a saudade pode ser “oxigénio” para uma relação. “Aquele respiro mais profundo que nos faz conectar com aquela pessoa, com aquele cheiro, aquele toque, aquele lugar. Quando uma relação é bem vivida, os instantes tornam-se memórias afetivas felizes, agradáveis e então as narrativas daquele casal vão sendo construídas pelas memórias vividas por eles, umas boas e outras nem tanto. Sabemos que conflitos e conversas difíceis também fazem parte disto. É importante para o casal revisitar essas memórias da história que construíram conjuntamente, pois ela sempre dirá algo de cada momento vivido”, garante a também membro efetivo da Sociedade Portuguesa de Terapia Familiar, membro titular da Associação Brasileira de Terapeutas de Família e membro do Comité Internacional do Network for Dialogical Practices.

No entanto, a profissional alerta para a questão de forçar um afastamento. “Precisar de se afastar com o intuito de reforçar laços diz algo sobre a relação. E isto merece ser refletido. Não há uma razão única para tal necessidade, pois cada casal tem a sua história. Mas o ‘ter que fazer, com o ‘intuito de’ aponta que o relacionamento pode estar a precisar de cuidados. Não que os relacionamentos não precisem de cuidado. Logicamente que sim. Aliás, é a forma de se relacionar que sustenta o amor”, ressalta.

A diferença entre uma relação à distância e uma relação em que a saudade é provocada também é algo que merece um comentário por parte da terapeuta.

“Uma relação à distância pode ter este formato por diversas razões: vida profissional, necessidade de acompanhar algum parente, motivos de saúde, entre outros. Pode ser algo momentâneo ou não. Há também casais que, quando se encontram, já era este o formato que viviam anteriormente à relação. E há aqueles que optam por esta forma de se relacionar, achando que isto não acarretará necessariamente numa deterioração do relacionamento afetivo. É importante ressaltar que cada casal é único, e o que funciona para um poderá não ter sentido para um outro. Estamos a falar de pessoas que se encontram com suas bagagens emocionais também únicas“, explica.

“Estar à distância não significa estar distante. Este formato pode ser um convite para um refazer de acordos emocionais. Casais deveriam tentar construir confiança e não garantias. Porém, quando a confiança está abalada na relação, por exemplo, mudanças podem representar ameaças ao invés de um convite para o crescimento”, afiança ainda.

Alexandra Moreira evoca a importância da conexão emocional e não apenas física. “Há muitos casais que estão próximos fisicamente, porém muito distantes emocionalmente. É na escuta que o vínculo acontece. Se o diálogo não está presente, o vínculo enfraquece. É na forma de responder com presença que os laços se tornam mais fortes. A relação à distância pode apresentar alguns desafios importantes. É imprescindível criar habilidades de coexistência também quando estamos fisicamente longe. E é sim possível cultivar momentos de intimidade nesta forma de se relacionar”, afirmou.

A terapeuta refere ainda que para que uma relação à distância funcione é necessário que cada um perceba os limites e necessidades do outro e que estes sejam comunicado e compatíveis. “A construção de acordos emocionais, da confiança e dos objetivos em comum são elementos importantes no diálogo entre este casal”, atirou.

Por outro lado, no que diz respeito às relações à distância forçadas a história é um pouco diferente. “Não há como avaliar prontamente se funciona ou não. Isto irá depender de muitos aspetos. Prefiro pensar que alguns casais acreditam que propor um distanciamento pode ser benéfico. E para alguns realmente é. Muitas vezes o afastamento pode trazer um olhar mais ‘de fora’. É um olhar que fica mais reflexivo do que reativo. Porém, é preciso alinhar as expectativas quando ambos decidem por isto. O que procuram com a distância? Que dúvidas cada membro traz? O que cada um fará com este tempo? Que combinados são importantes? E quanto tempo durará este afastamento? Que sinais precisam ter para entender que foi benéfico ou não? Enfim, são de facto muitas variáveis”, disse.