Feliz Dia Internacional da Rapariga! Ou não…

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Assinala-se a 11 de outubro o Dia Internacional da Rapariga, para reafirmar a necessidade de apoiar as crianças e jovens do sexo feminino que estão, em quase todos os países do mundo, mais expostas ao perigo do que os rapazes. Quer perigos são esses? Abandono escolar precoce, casamentos forçados, escravatura, escravatura sexual, assédio, violação…

No entanto, a mensagem deste ano da Diretora Geral da UNESCO, Irina Bokova para assinalar o Dia da Rapariga prefere apontar o caminho que os países, as instituições e os indivíduos podem fazer para empoderar as raparigas. O que podemos fazer? “Fortalecer a resiliência das raparigas“. É na realização plena e total dos seus direitos humanos que Bokova coloca a tónica, acrescentando que a proteção da vitimização nos conflitos e da violação sexual continuam na agenda deste dia, que faz parte de um movimento desperto 365 dias por ano, desde 2000.

A Agenda 2030 para o Desenvolvimento Sustentado, conta com as raparigas para se tornarem parte importante na mediação de conflitos e na resolução de estratégias para o progresso as sociedades.

Por cá não estamos muito mal

Há um ano a organização Save the Children publicou um estudo em que se podia ler que Portugal estava entre os melhores lugares do planeta para se nascer rapariga. Portugal era o oitavo país do mundo em que havia mais oportunidades para as jovens mulheres, concluia o raking da organização não-governamental britânica..

Incluído num estudo mais vasto sobre direitos das jovens a nível global, o gráfico apresentado há um ano coloca Portugal entre os dez primeiros países do mundo onde as raparigas podem ter um futuro melhor. O ranking é liderado pela Suécia, seguida da Finlândia, da Noruega, da Holanda, da Bélgica, da Dinamarca e da Eslovénia. Portugal aparece logo a seguir e à frente de outros países desenvolvidos e com economias maiores, como a Suíça, Espanha, Alemanha, Reino Unido, França ou Canadá.

Para chegar a estes resultados foram contemplados cinco indicadores: o casamento de menores, a gravidez na adolescência, a taxa de mortalidade materna, o número de mulheres políticas nos parlamentos e ensino secundário por concluir. Portugal falha na parte de representatividade política das mulheres, mas regista, segundo o relatório que se baseia em dados da Organização Mundial de Saúde, da UNICEF, do Banco Mundial e de várias entidades das Nações Unidas, bons resultados nos restantes quatro.

O relatório chama a atenção para o facto de países como a Austrália (21.º) ou os Estados Unidos (32.º) – “atrás da Argélia e do Cazaquistão” –, e mesmo o Canadá, aparecerem em lugares aquém do que seria expectável para o seu níveis de rendimento e desenvolvimento. Por outro lado, o estudo também salienta o esforço de mudança que países mais pobres têm vindo a fazer, “mostrando que a mudança é possível”, como é o caso do Nepal. Para isso, contribuiu a evolução feita no ensino, com 86% das jovens nepalesas a completarem o secundário (uma taxa semelhante à de Espanha), apesar dos progressos que ainda estão por fazer no que respeita ao casamento de menores e à mortalidade materna.

O relatório conclui que os países mais pobres estão entre os piores sítios para as raparigas viverem e terem acesso a oportunidades, por serem regiões onde nenhum desses indicadores é cumprido ou resolvido. Por isso, o relatório da Save The Children deixa o alerta: “Devem focar-se urgentemente em políticas e práticas que sustentem os direitos das raparigas”.

Mas há perigos à espreita

Em Portugal, estima-se que sejam cerca de 1342 as raparigas com menos de 18 anos que possam vir a ser vítimas da MGF, por ano, já que o Instituto Europeu da Igualdade de Género demonstrou num estudo de 2016 que a percentagem de jovens menores do sexo feminino em contacto com esta prática pode chegar a 23% das raparigas das comunidades originárias de países onde a MGF ocorre.

O fenómeno conhece-se há décadas e dá pelo nome de fanado entre as comunidades em que a prática prevalece. Os casos eram assinalados de forma pontual e, apenas em 2014, com o aparecimento da Plataforma de Dados de Saúde (PDS), os episódios começaram a ser sistematizados. Os dados disponibilizados da PDS correspondem a 2014 e são: 40 casos no total, dos quais 65% dos casos são mutilações com corte do clítoris e dos pequenos lábios vaginais.

Estas mulheres tinham em média 29 anos e tinham sido cortadas aos 6 anos de idade no seu país de origem. No universo de casos detetados, 74% corresponde a mulheres oriundas da Guiné e da Guiné-Bissau, as restantes do Benim, da Nigéria e do Senegal. A maioria dos casos foram detetados no âmbito de um internamento (40%), no seguimento da gravidez (30%) e em consulta externa (25%).

Apesar destes dados que parecem apontar para a importação do problema, há relatos desta prática ser feita em Portugal. Duarte Vilar, diretor executivo da Associação para o Planeamento da Família (APF), declarava ao Delas, há pouco mais de um ano: “Ainda há meninas e raparigas em risco. Há testemunhos em Portugal, há prática em Portugal, há casos julgados, cerca de 4 casos.”

O casamento precoce também é uma realidade em Portugal. O Tribunal de Matosinhos considerou que a emancipação pelo casamento dava a uma jovem de 16 anos plena capacidade de exercício de direitos, incluindo o de abandonar a escola antes de obter a escolaridade mínima obrigatória ou de completar 18 anos. O casamento é permitido em Portugal a partir dos 16 anos, sendo que até aos 18 é necessária uma autorização dos pais. A família em questão era cigana e esta é uma das culturas em Portugal mais afetada pelo casamento de crianças.

Cigana: a menina mulher

Com Ana Tomás e Petra Alves