Assistir e viver no seio de uma família marcada pela violência doméstica ameaça ser uma fatalidade da qual os filhos dificilmente conseguem escapar. As marcas são profundas, deixam sequelas e abalam estruturas suficientes que alteram definitivamente o comportamento de quem foi vítima, de quem viu e de quem não assistiu, mas até sabia.
Se, em média, há um ilícito criminal em ambiente escolar por cada 67 alunos, o valor dispara 11 vezes se a análise for feita a filhos que vivem em contexto de violência doméstica. Esta é uma das conclusões do estudo Os Filhos da Violência Doméstica, da autoria do Investigador do Centro de Estudos Interdisciplinares em Educação e Desenvolvimento, professor e Chefe da PSP, Miguel Rodrigues.
De entre as conclusões do estudo, a análise apresentada a propósito do Dia Internacional pela Eliminação da Violência Contra as Mulheres, que se assinala esta sexta-feira, 25 de novembro, revela que o número de retenções escolares, vulgarmente conhecidas como ‘chumbos’, é “cinco vezes superior em comparação com média nacional”, refere o comunicado que antecipa a investigação. Na mesma análise fica claro que “nove em cada dez retenções ocorreram após existência de violência doméstica em casa”.
Uma realidade que altera a atitude perante adições – consumo de álcool, de substâncias ilícitas, medicamentos e jogos -, e a saúde mental. “As perturbações mentais são duas vezes superiores nos filhos da violência doméstica em comparação com percentagem europeia ou portuguesa “genérica”, com 40% de incidência para quem testemunha agressão, o que compara com 20% na média portuguesa e 16% na média europeia.
Números que trazem luz sobre a vitimação que existe sobre as crianças e jovens quando há agressão em contexto de intimidade e que resultam do inquérito feito a 1205 crianças e jovens portugueses, filhos de 1010 mulheres vítimas de violência domésticas e no período entre 2020 e 2022. De entre a caraterização média do filho da violência doméstica, elas voltam a ser mais predominantes: 59% feminino e 41% masculino, com uma média de idades de 18 anos (15-2) e dos quais 40% possui 11º ano.
Nesta análise, que confronta os dados recolhidos neste inquérito com estudos que trazem resultados de médias nacionais, europeias e estudos internacionais vocacionados como a UNICEF, fica claro que a tristeza, o medo e angústia são prevalecentes no caso dos filhos da violência em contexto de intimidade. “Um estudo recente da OMS / HBSC (2018) sobre a Saúde Mental com jovens entre o 2º Ciclo e o Secundário, no qual Portugal participou, mostra-nos a A Saúde dos Adolescentes Portugueses”, mas quando comparado com os do inquérito, soam alarmes.
Filhos da violência doméstica sentem-se quase quatro vezes mais tristes todos os dias do que o estudo da OMS, com 32 e 9%, respetivamente. Racio semelhante é registado quando se trata de dificuldades diárias em adormecer, 32% face a 9% reportado no estudo da OMS. Filhos de vítimas de violência doméstica dizem estar nervosos e ter medo todos os dias numa prevalência do dobro face a o registado no estudo da OMS.
Os confinamentos da pandemia trouxeram ainda mais o inferno para dentro de casa, tal como os especialistas anteciparam, mesmo quando o número de queixas parecia indicar o contrário.
O horror aumentou para as vítimas de violência doméstica e para os filhos delas. “71% dos inquiridos revelou que o ‘ambiente familia’ piorou ou piorou muito” nessa fase, indica o comunicado, que acrescenta que, numa mesma proporção percentual (70%) o ‘comportamento do agressor’ ou ‘piorou’ ou ‘piorou muito’.