Filipa Gouveia Esteves: “No naturismo não há uma sexualização do corpo”

mulher praia
Fotografia: Shutterstock

Tem 46 anos, faz nudismo há quatro e é desde março, de 2018, a presidente da Federação Portuguesa de Naturismo. Filipa Gouveia Esteves é a primeira mulher a ocupar esse cargo em Portugal e traça, em entrevista ao Delas.pt, um retrato desta prática no país, nas vésperas de a Costa da Caparica, em Almada, acolher o 36.º Congresso Mundial de Naturismo, entre quinta-feira e domingo. Esta é a primeira vez que o país recebe esta assembleia global, que reúne de dois em dois anos e que vai juntar, nesta edição, mais de 30 federações de vários países. O universo de naturistas portugueses ainda é uma pequena fatia do bolo global, diz Filipa Gouveia Esteves, que o explica com o facto de persistir, na sociedade, um certo conservadorismo e desconfiança em relação a esta prática e aos que a abraçam. Mas há avanços, regista, como o do processo já iniciado para criar a primeira praia oficial de nudistas na região norte, em Matosinhos.

As mulheres também se começam a juntar cada vez mais, num ambiente que, através das zonas e infraestruturas certificadas, as recebe em segurança e sem complexos de perfeição ou de género. Nesse contexto, o nu é total e todos estão despidos de preconceitos. As vantagens são muitas, segundo a naturista, e começam na autoestima, de que o seu caso pessoal é também exemplo, como nos conta nesta entrevista.

Quais são as expectativas da Federação Portuguesa de Naturismo para este encontro internacional, a decorrer a partir desta quinta-feira?
Esta é uma reunião de trabalho dos representantes das várias federações internacionais. Para nós, é muito bom, de facto, recebermos os nossos companheiros, a nível mundial, e os responsáveis pela Federação Naturista Internacional. Uma vez que somos uma federação pequena e temos oportunidade de receber no nosso país pessoas de todo o mundo, que estão ligadas ao naturismo, é, de facto bastante bom para nós, quer pela troca de experiências, quer por podermos também mostrar o nosso país e as potencialidades que temos.

E quais são os objetivos desta reunião?
A Federação Naturista Internacional reúne com as suas mais de 30 federações, a cada dois anos. Em 2016, este congresso realizou-se na Nova Zelândia, este ano é em Portugal e irão ser debatidos vários assuntos que as federações propuseram, vão ser votados, e vai haver também mudanças em alguns dos órgãos sociais da própria federação internacional. É uma espécie de assembleia, com muitas participações.

Quantas pessoas praticam naturismo em Portugal?
Estimamos que existem cerca de 10 mil naturistas, em Portugal. Isto é uma pequena parte, se pensarmos que, por exemplo, a federação internacional terá 450 mil. Portugal, de facto, representa uma fatia muito pequena. Somos um país ainda um pouco tradicional e conservador em relação ao naturismo. Temos muito ainda para fazer e também para aprender com os outros.

E em termos de género, são mais homens ou mais mulheres a praticar naturismo, em Portugal?
As mulheres integram-se mais no naturismo quando estão acompanhadas pela família ou pelos maridos. Há mais homens sozinhos do que mulheres sozinhas. Penso que é uma questão cultural. Talvez se sintam menos à vontade para, por exemplo, estarem sozinhas na praia. Mas já começa a haver cada vez mais, felizmente, mulheres que chegam até nós e que chegam sozinhas, por diversas condicionantes da vida. As mulheres começam a ter já uma abertura para o naturismo.

E quais são as faixas etárias mais representativas?
Nós, na federação [portuguesa] defendemos o naturismo familiar. Temos desde bebés a membros com mais de 80 anos. Mas notamos que há aquela faixa da adolescência que abandona um pouco o naturismo, mesmo quando acompanham os seus pais desde criança. Por isso, podemos falar em crianças, sempre acompanhadas das suas famílias, e depois a partir dos 30 até aos 80.

“As pessoas convivem da mesma forma, de uma maneira simples, natural e sem estarem a pensar que estão nuas, ou que o outro está a observar. Isso não acontece. Até há uma maior afinidade entre géneros, na medida em que estamos todos mais à vontade uns com os outros.”

Segundo falou em entrevistas, os adolescentes abandonam essa prática por estarem numa fase de abandono e de descoberta da sua sexualidade.
Eu penso que sim. Penso que tem a ver com a necessidade de serem aceites pelos outros, pelos seus amigos, onde provavelmente não haverá naturistas, e, de facto, começa a haver, num certo sentido, a descoberta da sexualidade e do corpo, um certo pudor e alguma vergonha em mostrar o corpo. Eu falo também pela experiência que tenho da minha filha e de outras crianças que nos acompanharam sempre e que depois têm ali uma fase em que não se sentem tão à vontade. E acabam por se afastar. E a nossa posição é aceitar esse afastamento. Não obrigamos os jovens a permanecer connosco [na prática naturista].

Depois desse afastamento há um regresso dos jovens ao naturismo ou não?
Depende. Depende das amizades no futuro, das experiências que tiveram como naturistas. Nota-se que há algum retorno, até porque a federação já teve um núcleo de jovens de 20 e tal anos, que retornaram. E esse retorno às vezes é mais tardio. Mas tudo depende do percurso de vida que as pessoas vão ter.

Na sociedade atual o corpo é muito exposto, mas exposto segundo determinados padrões físicos. Isso pode inibir as pessoas de aderir à prática do nudismo?
Eu acho que, de facto, o grande problema que leva as pessoas a inibirem-se é terem vergonha do seu corpo, não o aceitarem, porque somos bombardeados por aquilo que se chama o corpo perfeito e o corpo perfeito pode-se questionar o que é que é. Para mim, corpo perfeito é aquele que nos permite ter qualidade de vida, em termos de saúde, no nosso dia-a-dia. Por isso sim, pode ser a vergonha, o não conseguir assumir a própria nudez perante o outro.

Nas praias de nudistas encontram-se todos os tipos de corpos.
Exatamente, porque eles existem. Os corpos dos homens e das mulheres são de todo o tipo. Há pessoas magras, pessoas gordas, altas, baixas, pessoas com cicatrizes, com estrias, com celulite, com pneus, pessoas que têm um corpo mais musculado ou mais moldado. Há todo o tipo de corpos.

Filipa Gouveia Esteves, foi eleita em março deste ano, presidente da Federação Portuguesa de Naturismo. É a primeira mulher a ocupar este cargo, em Portugal.

A prática do naturismo, sobretudo se iniciada cedo, pode contribuir para uma maior aceitação social dos corpos e também das diferenças físicas entre géneros?
O naturismo melhora a autoestima. O naturista é uma pessoa que à partida se aceita como é, em termos físicos, portanto, em termos de autoestima será bastante benéfico. Em relação às diferenças de género, quando estamos num contexto naturista não é diferente de um contexto não naturista. As pessoas convivem da mesma forma, de uma maneira simples, natural e sem estarem a pensar que estão nuas, ou que o outro está a observar. Isso não acontece. Até há uma maior afinidade entre géneros, na medida em que estamos todos mais à vontade uns com os outros. Por exemplo, quando temos uma atividade de piscina, o balneário é o mesmo, não temos necessidade de ter um balneário para mulheres e um balneário para homens. Por isso, até talvez nem haja uma diferenciação grande de géneros, é mais uma vida em comum, uma comunhão entre todos.

Sempre que há casos de denúncia de abusos sexuais ou violação, a opinião pública culpabiliza muitas vezes a vítima por causa daquilo que levava vestido, por mostrar muito o corpo, ter este ou aquele decote. Nos ambientes naturistas esta questão nem se coloca. São mais seguros para as mulheres por isso?
No naturismo estamos completamente nus, não há uma sexualização do corpo, o corpo não se torna erótico. Os parques de campismo naturistas são completamente seguros, as pessoas têm de se registar à entrada. Se há qualquer indício de suspeita de algum comportamento menos correto, de imediato toda a comunidade fica em alerta. E, de facto, nunca houve problemas nesse sentido. As mulheres podem estar seguras, mesmo que vão sozinhas – principalmente num parque, que é um recinto fechado. A praia já é um local diferente.

“O que me levou a começar mais tarde o naturismo foi a vergonha daquilo que os outros iam achar do meu corpo. A partir do momento em que percebi que à comunidade naturista definitivamente não interessava o meu corpo, senti-me bastante mais à vontade.”

Porque pode ser frequentada por qualquer pessoa?
Exatamente. E o facto de as mulheres não se sentirem à vontade aí acontece porque, infelizmente, nas nossas praias – e não é precioso serem praias de nudistas – há sempre aquelas pessoas que vão só para observar. E as mulheres não se sentem à vontade nesse contexto.

Começou a praticar naturismo com que idade?
Comecei bastante tarde. Tinha 42 anos quando conheci esta prática, mas penso que desde sempre me senti à vontade com a minha nudez, não me sentia com a minha nudez perante os outros. Frequentemente, em casa, principalmente no verão, andava menos vestida. Portanto, foi fácil sentir-me predisposta para me despir. O que me levou a começar mais tarde o naturismo foi exatamente esse pudor, a vergonha daquilo que os outros iam achar do meu corpo. A partir do momento em que percebi que à comunidade naturista definitivamente não interessava o meu corpo, senti-me bastante mais à vontade. E a partir do momento em que experimentei nunca mais deixei de praticar, nunca mais vesti um fato de banho, por exemplo. E aconselho todas as pessoas a experimentarem.

Além da autoestima, que referiu, que outras vantagens traz o naturismo para quem o pratica?
O naturismo, de facto, promove uma comunhão com a natureza. As sensações que se tem quando estamos nus no meio da natureza são bastante agradáveis. O contacto da nossa pele com a brisa, com o sol, com a água, proporcionam-nos sensação de bem-estar e penso que a nossa parte psicológica fica bastante favorecida. Depois, em termos físicos, estamos libertos de fibras sintéticas, de elásticos que muitas vezes nos prejudicam em termos de saúde, provocando alergias, por exemplo. No fundo, é uma vida mais natural, sem dúvida, e penso que só traz vantagens físicas e psicológicas.

Foi eleita, este ano, presidente da Federação Portuguesa de Naturismo. É a primeira mulher nesse cargo. Como é que é ser a primeira mulher a presidir uma federação com estas características?
Penso que as mulheres, de um modo geral, já estão habituadas, no seu percurso de vida, a terem grandes desafios. E, de facto, ser presidente da federação portuguesa de naturismo é um grande desafio, no sentido em que a nossa sociedade, genericamente, olha de lado para o naturismo e aparecendo uma mulher, se calhar, ainda mais julgamentos haverá sobre a sua conduta. Mas penso também que se não dermos a cara pela causa em que acreditamos, se não nos mostrarmos como pessoas iguais a todas as outras, vamos estar a dar a entender que há alguma coisa de errado e não há nada errado. Ao observar aquilo que acontecia na federação, apercebi-me de algumas coisas que podiam melhorar e pensei que era capaz de o fazer, por isso apresentei o meu projeto. O facto de ser mulher, penso que me traz a vantagem de às vezes conseguir analisar as situações com um pouco mais de sensibilidade.

Quais são os principais objetivos do seu mandato à frente da federação?
Alguns deles estão já a ser concretizados. Um deles é unir a comunidade naturista, os vários clubes federados estavam um pouco afastados da federação, por diferentes motivos, e neste momento estão a trabalhar em conjunto com a federação. O segundo objetivo era conseguir sensibilizar uma autarquia a norte do país, para oficializar uma praia no norte. Já conseguimos, já apresentámos na Câmara de Matosinhos o processo para oficialização de uma praia de naturistas nesse concelho. Temos de conseguir levar o naturismo mais para norte – as oito praias oficiais que existem em Portugal são todas a sul do Tejo. A norte do Tejo não há nenhuma praia oficial naturista e é uma grande lacuna. Os clubes também estão representados todos a sul, o que faz com que haja mais dificuldades em chegar ao norte e, de facto, uma das apostas deste executivo foi contactar e reunir com as câmaras do norte, mesmo sem termos muitos associados nessa região do país. Em termos turísticos penso que será uma mais-valia. Além disso, continuamos a trabalhar com as autoridades competentes para ser regulada a lei naturista, que foi alterada em 2010, mas não foi regulamentada a listagem das praias toleradas, o que faz com que ela, no fundo, não seja totalmente aplicada. Estes são os três grandes objetivos deste mandato.

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