Fim do amor nas redes: Como se gere os meus, os teus e os nossos bens online?

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Os beijos ao pôr-do-sol, o romance em todos os detalhes, as férias de sonho a dois, as loucuras apaixonadas das muitas noites em comum, um mundo em múltiplas cores que se sucede nos feeds dos amigos do casal. Quem nunca publicou momentos destes que atire a primeira pedra…

Mas quando o amor sucumbe, o que acontece aos amigos de um e de outro elemento do casal? O que dizer e como comunicar o fim de uma relação, afinal, tão bonita e plena no mundo virtual? Como dividir o património quantificável e que é, cada vez mais, real, já que há páginas que começam a ser feitas a quatro mãos e que são geradoras de verdadeiros rendimentos?

Os tribunais portugueses parecem ainda não ter visto chegar casos destes, mas especialistas consideram que se trata de uma questão de tempo. Se, para os advogados, é caso para olhar para a propriedade intelectual, para o Código Civil e para o risco de crime – sim, leu bem, crime -, já para os especialistas nas redes é importante saber negociar. Num plano emocional, a solução não passa por fazer, mas antes por evitar!

Solução extrajudicial ou risco de crime fiscal

Era bom que tudo não passasse de uma rima simples, como a frase acima denuncia. Porém, João Ferreira Pinto, advogado especialista em questões online, lembra que muitas das páginas geradoras de proventos – e que são ainda sobretudo individuais – veem os efeitos da sua monetização em “contas sediadas no estrangeiras ou em soluções que passam por PayPal ou outras”. Por isso, na hora de acertar as contas da relação, o melhor mesmo – e em caso de vidas virtuais em comum – é levar as partes, os posts e os rendimentos para longe dos olhares dos magistrados.

“Ou entram em acordo extrajudicial ou há risco de estarmos perante um crime fiscal”, diz João Ferreira Pinto

E o causídico explica porquê: “Posso abrir uma página de YouTube com fotografias de gatinhos, tenho um determinado volume de tráfego e, a partir de momento em que sou pago pelos cliques, recebo monetização para uma conta, geralmente, fora do país, tratando-se de um rendimento sombra. Ou entram em acordo extrajudicial ou há risco de estarmos perante um crime fiscal.” Por isso, prossegue Ferreira Pinto, “essas coisas nunca chegam a tribunal, têm de ser resolvidas fora para não haver sequelas“.

Ainda assim, e num país onde blogues, páginas de Face e contas de Instagram são sobretudo individuais, a guerra, conta este causídico, deverá travar-se em torno do Código do Direito de Autor e olhando para a propriedade intelectual.

As páginas são de quem a prova que as criou?

“Se se tratar de uma fonte de rendimento, podemos olhar como se fosse uma empresa. Por isso, chegado o divórcio, apura-se o valor do bem – como se fosse um carro ou uma casa – e um paga ao outro”, referem outros advogados que, sob anonimato, olharam para a questão por uma primeira vez.

Estes referem que o mais simples é “fazer prova, perante o tribunal, sobre a autoria individual de uma página coletiva e o juiz entregá-la-á a quem fizer melhor prova cabal do facto”.

“Chegado o divórcio, apura-se o valor do bem – como se fosse um carro ou uma casa – e um paga ao outro”, consideram advogados ouvidos pelo Delas.pt

João Ferreira Pinto considera esta possibilidade, claro que numa realidade em que a monetização é feita às claras e sem fugas ao fisco. “Estamos a falar de propriedade intelectual e tal pertence aos seus criadores. É preciso apurar quem concebeu os conteúdos e, também em caso de morte, é um ativo da herança, que tem um valor a ser definido, tal como a casa, empréstimos, parque automóvel e outros”, refere.

Especialista em redes sociais, Rui Lourenço lembra que, não sendo casos frequentes em Portugal, “estamos sempre perante perdas colossais”. Isto porque, refere, “são anos de investimento que se perdem e ninguém está para isso”. Por isso, Lourenço considera que “ou as pessoas se entendem e continuam ou então fecham as páginas“. Este técnico fala em “casos complicados na forma de resolver, até porque não se pode partir os fãs ao meio, e que podem começar logo no nome da página se esta incluir ambos”.

“São anos de investimento que se perdem e ninguém está para isso”, diz Rui Lourenço

Lourenço recorda até uma história, à qual não dá nomes, e que pode bem ser elucidativa. “Há cinco anos, o marido geria as redes sociais de uma fadista e, quando se separaram, ele não lhe queria devolver a página de Facebook, queria ser pago pelo trabalho que fez ao longo do tempo. Não sei como terminou o caso, mas sei que estas coisas não são bem claras”. Rui crê que nenhum caso, que ele saiba, “chegou a tribunal, mas um dia destes talvez chegue”.

E os bens virtuais?

Se duas pessoas juntas moviam um determinado mundo, separadas dificilmente terão o mesmo alcance. Mas como se divide este património feito de seguidores? “Estão em causa direitos de personalidade e, aí, aplicar-se-á o Código do Direito Civil”, entendem os advogados ouvidos pelo Delas.pt, vincando ainda que “num cenário de divórcio, o princípio será o mesmo: Tem de se provar e decidir em tribunal quem criou a página. Se sim, fica com ela”.
Menos jurídica e numa perspetiva emocional, a psicóloga e terapeuta de casal, Catarina Mexia, crê que o mais natural é “cada um dos elementos voltar a ficar com os amigos que trouxeram de base”. Há, porém, um fator que pode comprometer esta divisão salomónica de followers e para o qual Catarina Mexia – que diz receber cada vez mais casos de casais com problemas devido às redes sociais – não para de alertar: “Reparo que as pessoas, quando se separam, recorrem muito às frases bonitas e inspiradoras que circulam por aí, usam-nas como ironia, como provocação, o que pode causar danos de futuro” na hora de definir as regras e as pessoas do adeus.

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