As startups geridas por mulheres e financiadas também por mulheres têm maior probabilidade de serem mais bem-sucedidas do que as que recebem investimento exclusivamente masculino.
A conclusão é de Sahil Raina, professor na Universidade de Alberta, no Canadá, que, num artigo publicado este mês na Harvard Business Review, mostra de que forma o género dos fundadores das startups e dos seus investidores pode determinar o sucesso dos negócios.
Focando-se no mercado americano das startups que registam maior crescimento, as tecnológicas, e no capital de risco como forma de financiamento, o investigador refere que apenas 9% dos empreendedores beneficiados são mulheres.
“Mesmo quando comparamos com uma baixa participação das mulheres no campo das ciências, tecnologia, engenharia e matemática, 9% é muito baixo. Nas ciências informáticas e nos empregos relacionados com matemática, 27% da força de trabalho é feminina, o que é continua a ser o triplo da taxa de empreendedorismo feminino apoiado com capital de risco”, sublinha Sahil Raina.
Entre as razões que podem explicar esse fenómeno, o professor aponta o que vai saindo na imprensa sobre o ambiente sexista e fechado às mulheres de centros tecnológicos como Silicon Valley, e que se estende à filosofia de financiamento. Quando esta se concretiza nos projetos geridos por mulheres está subjugada a uma visão e orientação masculina dos negócios.
Mas o especialista em finanças e análise estatística encontra também outras razões.
“Quando se examinam as startups pelo género dos seus fundadores e investidores, verifica-se que um dos potenciais motores da baixa participação e má performance das startups lideradas por mulheres se prende com a capacidade de avaliação e aconselhamento dos investidores de risco”, refere no artigo.
Sahil Raina baseia-se numa pesquisa que fez e em que compara dois grupos de startups: as que são financiadas inicialmente através de capital de risco e em que os investidores são homens e as que são financiadas na mesma modalidade mas por mulheres.
O professor conclui que há uma “grande disparidade” na taxa de sucesso das startups lideradas por homens e nas startups lideradas por mulheres, financiadas por esses grupos. Quando os investidores de risco são todos do sexo masculino há uma diferença de 25 pontos percentuais entre o sucesso alcançado pelas que são geridas por homens e as que são geridas por mulheres, mas o mesmo não acontece se o financiamento for atribuído por investidores do sexo feminino. Neste caso, “essa disparidade desaparece”. “Não há uma diferença significativa entre as taxas de sucesso de startups lideradas por homens e por mulheres quando são financiadas por empresas de capital de risco que tenham gestão feminina”, explica.
Segundo o professor, isso indica que as mulheres são, de alguma forma, mais capazes de avaliar e aconselhar aqueles que procuram investimento para lançar a sua startup, independentemente do seu sexo, já que a pesquisa mostra que não há disparidade entre os géneros, quando o capital de risco tem origem feminina.
A investigação conclui que a importância da avaliação como fator determinante no apoio financeiro e a compatibilidade de género entre os gerentes das empresas de capital de risco e os das startups ajudam a determinar o sucesso dos negócios.
“O financiamento com capital de risco tem, de facto, um impacto na diferença de desempenho. O desempenho de startups lideradas por mulheres é marcadamente pior que o de startups lideradas por homens, a não ser que o capital de risco venha de firmas geridas por mulheres. Essas investidoras são ou melhores a selecionar projetos liderados por mulheres ou no aconselhamento, ou em ambos.”
Portugal, uma realidade diferente com pontos em comum
Um estudo de 2014, do Instituto para o Fomento e Desenvolvimento do Empreendedorismo em Portugal (IFDEP), sobre empreendedorismo feminino, revelou que, em Portugal, as questões económicas e o medo de falhar, aliados à falta de conhecimentos e experiência, são os maiores entraves ao empreendedorismo das mulheres.
Quando questionadas sobre os constrangimentos à abertura de um negócio próprio, 63,13% das inquiridas indica a situação económica adversa, seguindo-se as dificuldades de financiamento, com 61,88%, e a carga fiscal associada 50%.
O estudo mostra que as soluções de financiamento mais tradicionais e difundidas são as mais conhecidas entre as mulheres, surgindo de forma destacada os apoios estatais (71,88%), o crédito bancário (68,13%) e o microcrédito (55,63%). Só 20,63% referiu o capital de risco como uma das opções. Talvez por isso, notam as conclusões do estudo, 52.50% das inquiridas sugeriram a criação de novos instrumentos de financiamento como medida de apoio ao empreendedorismo.
Entre os fatores de constrangimento, a discriminação de género apresenta um valor insignificante (1.88%), mas aparece, mais à frente no estudo, como uma das dificuldades que as mulheres sentem para empreender, recolhendo 42,19% da amostra, e surgindo logo depois da incerteza de rendimentos 44,06%.
Como comenta, na mesma pesquisa, a empreendedora Maartje Vens, “haverá sempre quem prefira trabalhar com homens ou mais facilmente acredite nas capacidades
de um homem no papel de líder”, da mesma forma que ainda existe “alguma incerteza na capacidade de gestão feminina”, afirma Ana Terrível, também empreendedora.
O cenário português vai, nesse aspeto, ao encontro do que Sahil Raina observou para a realidade das startups femininas nos Estados Unidos, em particular as tecnológicas. “Ao baixarem as expectativas de sucesso, os investidores de capital de risco podem estar a impedir algumas mulheres de se lançarem em empresas de high-tech. E isso pode explicar, parcialmente, a sua baixa participação empresarial no setor”, defende.
Rafael Alves Rocha, diretor de comunicação da Associação Nacional de Jovens Empresários (ANJE), explica ao Delas.pt que cruzando informações de diferentes estudos e recorrendo também àquela que é a perceção da organização, “este défice de liderança feminina não é exclusivo das startups tecnológicas. Trata-se, isso sim, de uma desigualdade comum em muitas outras áreas de negócio.”
Apesar disso, reconhece que o setor tecnológico, mesmo sendo uma área “sedenta de recursos humanos qualificados”, apresenta condições de trabalho que podem ser “particularmente dissuasoras para o empreendedorismo feminino”. “Em causa está uma velha questão: a conciliação entre a vida profissional e familiar. Falamos das longas jornadas de aceleração e programação, maioritariamente associadas a estereótipos masculino do universo das engenharias”, exemplifica Rafael Alves Rocha.
O diretor de comunicação refere iniciativas da Comissão Europeia, como o Dia Mundial das Jovens Mulheres nas Tecnologias (Girls in ICT Day), a atribuição de distinções ao nível da liderança tecnológica, a iniciativa da organização da Web Summit que, disponibiliza entradas de mulheres no certame, como alguns estímulos que podem ajudar a presença empresarial feminina no segmento das TIC.
A nível da ANJE destaca a realização de ações como a Women Techmakers no Porto (abril 2016) e a parceria com o Google Developers Group, em colaboração com a Last2Ticket e o UPTEC, “que visou evidenciar o talento feminino no ramo da tecnologia e criar uma comunidade de partilha de conhecimento sobre esta área”.
Apesar destas iniciativas, Rafael Alves Rocha defende que cabe ao tecido empresarial tecnológico ter um papel mais ativo na igualdade de género, criando “condições favoráveis à integração feminina e ainda de desenho de estratégicas de atração e retenção de talento.”
Mas Sahil Raina deixa o alerta, no seu artigo da Harvard Business Review, que para sucesso das startups criadas por mulheres pode não ser suficiente o simples incentivo a que se lancem no negócio. “Um passo crucial para ajudar as empreendedoras é encorajar mais mulheres a juntarem-se a empresas de capital de risco”, conclui.