Flavia Bustreo: “As migrantes têm de estar legalizadas para depois as ajudarmos”

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Flavia Bustreo [Fotografia: DR]

Italiana, Flavia Bustreo, 57 anos, é, consultora especial na Federação Internacional de Ginecologia e Obstetrícia, que pugna pela saúde física, mental e sexual das mulheres um pouco por todo o mundo.

À margem da conferência da União para o Mediterrâneo, que decorreu em Lisboa no início de outubro, a médica – que já trabalhou na Organização Mundial da Saúde, com a UNICEF, com o Banco Mundial no Sudão e no aconselhamento de políticas infantis, de família e femininas com vários governos europeus e dos Estados Unidos da América -, falou das mulheres migrantes.

Um drama, um “problema muito importante” – como lhe chamou Flavia Bustreo -, de quem está presa numa condição da qual é difícil escapar: ser-se mulher migrante e não poder contar com as entidades para ajudar. Sem a legalização concluída, só as organizações não-governamentais podem entrar em campo, reitera esta especialista que já trabalhou com crianças e adolescentes deficientes em campos de refugiados da antiga Jugoslávia.

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Ao mesmo tempo, Flavia pede profissionais mais treinados para lidar com a violência contra as mulheres e fala numa realidade em que só 60 países apresentam estatísticas sobre aquela problemática

O que estão a fazer nas Nações Unidas neste momento em matéria de saúde das mulheres?

Muito concretamente, a Assembleia da Organização Mundial da Saúde (OMS) aceitou a definição de uma estratégia de combate à violência contra as mulheres. Especialmente, concordou em definir a importância do papel dos profissionais de saúde. Concretamente, há já muitas formações que estão a correr com esses profissionais que são, muitas vezes, as primeiras pessoas a ver as mulheres. Mas, muitas vezes, também não têm as ferramentas necessárias.

Como assim?

Não sabem muitas vezes como fazer uma entrevista confidencial. E se a mulher é acompanhada pelo companheiro que a violenta, ela não vai falar na presença dele. Todas estas ferramentas são necessárias para sensibilizar os profissionais de saúde. E se um dos aspetos em que trabalhamos é a violência contra as mulheres, um segundo plano é a recolha de dados.

 

[Fotografia: Pierre Albouy/Reuters]
Que dados em concreto?

Quando olhamos para os relatórios, vemos que apenas 60 países do mundo apresentam os dados de violência contras as mulheres. Por isso, é preciso formação de profissionais, tornar a recolha de dados mais clara e visível e, numa terceira linha de ação, é preciso definição de políticas. E preciso criar campanhas de consciencialização para a capacitação das mulheres, para que elas falem. Mas não é fácil.

Há algum calendário definido para implementar medidas mais concretas?

Sim, há um plano de implementação que define um horizonte principal de 2020, embora a estratégia seja até 2050. O que vai acontecer dentro de dois anos é voltar a discutir o que está a ser definido.

Numa Europa do Mediterrâneo cheia de realidades tão distintas, há um problema de saúde das mulheres que se impõe: o das migrantes.

Exatamente.

Que programas estão a ser definidos neste momento para proteger essas mulheres que chegam à Europa sem nada?

Esse é o grande desafio neste momento e alarga-se não só as mulheres migrantes em geral, mas também às questões de violência que elas vivem durante a travessia que fazem e mesmo quando chegam aos países que as recebem: Itália, Portugal, Grécia, tantos outros. A questão é que elas, e isto é um problema muito importante, não estão ainda legalmente reconhecidas.

Só as podem ajudar se estiverem legalizadas?

Sim, elas têm de estar legalizadas para depois as ajudarmos. Por isso, a questão passa pelas organizações não-governamentais que trabalham com migrantes e que as apoiam na sua luta pelos cuidados de saúde, mas que também percebem as suas questões relativas a violência. O que podemos fazer, a partir da frente legislativa, é apoiar a legalização das mulheres.

Imagem de destaque: DR

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