Depois da crise, as flores estão de volta

É verdade que as flores, impressas ou em espécie, estão desde sempre na moda e na decoração. Mas há conjunturas em que aparecem mais que em outras. Como parece ser agora, pelo menos para o Business of Fashion.

O artigo do Business of Fashion está virado para as flores verdadeiras, as perecíveis e caras que se compram em floristas escolhidos, e sobre o reaparecimentos destes num período pós-crash, como o de agora.

Não é preciso ter um canudo para se perceber que numa crise os bens mais supérfluos são os primeiros a deixar de ser consumidos e os mesmos, num período de conjuntura florescente, são também os primeiros a conhecerem a retoma.

Em Portugal esta reconquista florida pós-crise ainda não chegou, pelo menos não na mesma medida em que o vimos acontecer no final de 90 e no início do novo milénio, em que os floristas passaram a ter uma cara e um nome que facilmente lhes associávamos, tornando-se pequenas celebridades.

O uso de flores verdadeiras é um barómetro para as retomas económicas. Em 2012, um tímido e low-profiled Raf Simons, na sua primeira apresentação de alta-costura para a Dior, pediu que lhe forrassem, de alto a baixo, as salas de desfile da sua coleção estreante naquela casa com flores naturais. Chão e paredes, cobertos com orquídeas, rosas e mimosas – foram executados pelos mestres parisiense Eric Chauvin e pelo belga Mark Colle, num verdadeiro trabalho de engenharia biológica: como manter frescas, olorosas e vivas tantas flores, entre o inicio da empreitada e o final do desfile? Eram flores vivas, caras, frágeis, e montadas de forma tão pouco ortodoxa, em vastos escaparates ao alto, cobrindo as paredes. Em termos académicos financeiros, este desfile dizia ao mundo, normalmente regulado, abalado ainda pela crise de 2008, que melhores dias viriam e que ele o provava.

O desperdício é a marca dos tempos das vacas-gordas. Ponto. Um bom pé de peónia pode custar até 100 euros. Ou mais, mas aí o cenário já é de filme ou de Hong-Kong. E mais tarde ou mais cedo o pé de peónia vai para o lixo. Talvez muitos pudessem aprender com este desperdício de luxo, que acaba no fundo por ser a onda capitalista que tanto perseguem.

Outra conjuntura interessante e relevante é podermos estar à beira de uma reviravolta cíclica de género. Elas existem, sabia? E esta não seria a primeira vez. A Creta Minoica ou o século XVIII francês, no final do Ancien Régime, por exemplo, são orientados na moda, en voille de oiseaux, por critérios efeminados: saias, maquilhagem, acessórios, cabeleireiros e flores são omnipresentes. Como agora, afinal.

A reviravolta de género, sublimada mas presente, pode passar também pela assiduidade cada vez mais forte das flores na moda, tanto estampadas, impressas ou bordadas na roupa como nas apresentações em desfile, como parte mais ou menos importante das propostas cénicas.

Sim, é verdade que o desfile é feminino, mas nem este nem a passerelle são secos nem apolíneos. Nem pretos nem escuros, nem depurados nem racionais. São quase, e sem puxar muito os ferros, uma nova homenagem a Gaia, à Deusa e à Terra.

E aqui o tema faz ponte para uma nova mudança de conjuntura que se começa a desenhar, com o peso que começam a ter os millenials na economia. No seu cerne aproximam-se imenso do ideário da geração hippie da década de 70, quebrando fronteiras, especialmente as de raça e as de género. São de alguma forma uma espécie de hippies com upgrade digital e virtual, mas na intenção são exatamente a mesma coisa. E qual o padrão favorito de ambas as ondas? As flores.

As flores são, claro, belas também e por isso gostamos tanto delas, mas isso é apenas o que veem os olhos. De uma forma mais profunda e telúrica, as flores são o motor reprodutivo do mundo vegetal e por isso uma mola que impulsiona a vida. Como o são elas todas, em geral, afinal. Não deveria ser uma moda, como tantas vezes no passado tentou ser, deveria ser “a moda”, e desta vez definitiva e permanente.