Foi assim que nasceram as receitas mais famosas do mundo

Se é fã dos programas de culinária, certamente “trata por tu” o Stroganoff e o Carpaccio. Mas quando escolhe estes pratos no restaurante, faz ideia de como e onde surgiram? Se quer impressionar os amigos no próximo jantar, não deixe de ler este artigo.

James Winter, produtor do programa Saturday Kitchen da BBC1 e autor de “Who put the Beef in Wellington?” (Kyle Books), dá-nos a resposta a todas as questões sobre algumas das principais obras de arte gastronómica.

Salada César

A célebre salada César teve origem nos anos 20 nos Estados Unidos, em plena Lei Seca. Caesar Cardini, dono de um restaurante em S. Diego, na Califórnia, teve de lidar com o decréscimo do número de clientes, que a proibição do consumo de álcool lhe trouxe. Tentando dar a volta ao período de crise, e sabendo que no México as leis referentes ao álcool eram mais permissivas, teve a ideia de abrir um novo restaurante italiano na cidade mexicana junto à fronteira com os EUA, Tijuana.

O sucesso foi instantâneo e em poucas semanas grandes estrelas de Hollywood rumavam a Tijuana nos seus Cadillacs, em busca de uma refeição bem regada. Ora, no dia 4 de julho de 1924, a enchente foi tal que Caesar se viu sem stock de bens alimentares. Sem grandes opções além de alface, teve a ideia de preparar junto às mesas uma simples salada e anunciá-la pomposamente como a especialidade da casa. A partir daí, a salada César tornou-se a sensação gastronómica dos anos 20, adorada e celebrizada por vedetas como Clark Gable e a futura Duquesa de Windsor, Wallis Simpson.

Salada Waldorf

Atualmente em renovações, com reabertura prevista para finais de 2020, o Hotel Waldorf Astoria em Nova Iorque foi desde sempre ícone do luxo e da ostentação na cidade que nunca dorme. Propriedade de William Waldorf Astor (edifício Waldorf) e de John Jacob Astor IV (edifício Astoria), começaram por ser dois hotéis independentes que em pouco tempo estabeleceram uma ligação entre si, combinando os nomes.

Este foi o primeiro hotel a oferecer aos seus hóspedes o room service, e ninguém ficou indiferente à novidade de poder degustar uma refeição a qualquer hora do dia ou da noite sem sair do conforto do próprio quarto. O maître d’ encarregue de satisfazer as exigências gastronómicas na época era Oscar Tschirky, o próprio criador da salada Waldorf, que viu uma grande oportunidade de criar um prato assinatura que conquistasse os clientes juntando apenas alguns dos seus ingredientes favoritos. A salada Waldorf foi degustada por 1500 celebridades Nova Iorquinas, bem como dada a conhecer à imprensa uma semana antes da abertura oficial do hotel, e foi um sucesso estrondoso e imediato.

Ovo Benedict

Ao pequeno-almoço, almoço ou jantar, ou simplesmente quando a barriga dá horas. Os ovos Benedict seduzem adeptos em todo o mundo, mas foi em Nova Iorque, por volta de 1890, que este prato foi inventado, existindo várias versões sobre a sua criação.

O autor, um francês chamado Charles Ranhofer, de apenas 26 anos, era chef de cozinha no restaurante italiano Delmonico, perto de Wall Street, e adorava dar asas à criatividade. No dia em que um corretor da bolsa de Nova Iorque chamado LeGrand Lockwood Benedict entrou no Delmonico para almoçar com a sua esposa Sarah, um deles – a história não é precisa nesse ponto – pediu ao chef que lhe servisse algo de novo, dando assim carta branca a Ranhofer para criar esta delícia.

No entanto, outros afirmam que o ovo Benedict é da autoria do Comandante E. C. Benedict, enquanto residiu em França – até hoje ambas as famílias discutem a verdadeira propriedade do prato.

Outra versão ainda conta que mais tarde, em 1894, um outro corretor de Wall Street de nome Lemuel Benedict entrou no famoso hotel Waldorf Astoria e pediu encarecidamente uma cura para a sua ressaca… tendo-lhe sido servido pela primeira vez o ovo Benedict.

Carpaccio

Só um grande chef conseguiria transformar simples fatias de carne crua num prato elegante e sofisticado, mas a prova mostra-nos o contrário. O criador do carpaccio, Giuseppe Cipriani, não era chef, mas sim barman. Dono do Harry’s Bar, em Veneza, cedo se tornou famoso e atraiu celebridades como Alfred Hitchcock, Charlie Chaplin e Orson Welles.

Na ementa do bar constavam também alguns pratos de massa, marisco e carne e, um dia, servindo o habitual Martini à Condessa Amalia Nani Mocenigo, esta confessa-lhe os seus problemas de saúde e a última recomendação médica que recebera: comer mais carne vermelha. “Era um sacrifício”, dizia, por ser muito difícil de digerir. Cipriani decidiu então ir à cozinha, pegar num pedaço de lombo de vaca e cortá-lo em fatias o mais finas possível. Depois martelou-as para ficarem ainda mais finas, com menos de 1mm de espessura. Quando as colocou no prato não gostou do que viu, por isso salpicou-lhes um pouco de mostarda. A reação da Condessa à iguaria não ficou registada, mas a clientela habitual do Harry’s Bar ficou rendida. Cipriani decidiu dar à criação o nome de um pintor veneziano, Vittore Carpaccio, que nesse ano tinha exposto uma obra que realçava traços vivos de cor vermelha sobre uma tela creme.

Bife Stroganoff

Rússia, século XIX, no auge do seu poder imperial. Um conde de nome Pavel Stroganoff, diplomata conhecido pelo seu grande poder económico e pelas festas extravagantes, tinha ao seu serviço um chef conceituado e dono de alguma notoriedade, Charles Briere. Por iniciativa das grandes famílias de S. Petersburgo, em jeito de diversão e entretenimento, foi organizada uma competição entre os chefs a seu cargo para perceber afinal quem tinha mais “mão” para a cozinha. O prato apresentado por Briere, bife Stroganoff, foi o vencedor e foi posteriormente destacado pela prestigiada revista L’Art Culinaire, que lhe proporcionou o reconhecimento internacional que hoje conhece.

Outra versão afirma que este prato é da autoria do chef (anónimo) de um outro conde Stroganoff, Grigory, algumas décadas antes de Briere. Numa idade já considerada avançada, Grigory tinha falta de dentes e só podia comer a carne mais macia e tenra, de preferência em pedaços – o que pode ter inspirado o seu dedicado chef a criar propositadamente para si este prato. Originalmente, o bife Stroganoff era servido sem quaisquer tipo de acompanhamentos, mas graças à influência chinesa é hoje combinado com arroz ou noodles.

Bife Wellington

Este é um dos ex-libris gastronómicos da Grã-Bretanha, um país onde o orgulho culinário é coisa recente. Apesar de não haver registos documentais sobre a criação do bife Wellington, calcula-se que se refira ao homem que derrotou Napoleão na Batalha de Waterloo, em 1815.

Arthur Wesley, 1º Duque de Wellington, conhecido pelo pragmatismo, não era grande gourmand, nem oferecia, como Napoleão, festas sumptuosas para celebrar as suas vitórias. No entanto, regressado a Inglaterra, foi coberto de honras, títulos e medalhas, tendo inclusive se tornado Primeiro Ministro em 1828. Por isso não seria de estranhar que, em sua honra, um chef promissor se tivesse aventurado na criação de um prato tão magnífico, digno de envergar o seu nome. Hoje o bife Wellington é um exemplo de destreza culinária, um prato difícil de confecionar e que exige uma precisão quase militar, sob pena de se tornar um autêntico desastre. É uma das iguarias mais apreciadas em todo o mundo.

Galinha Kung Pao

Em finais do século XIX, quando a China estava prestes a assistir ao fim da sua última dinastia imperial, Qing, um homem extraordinário chamado Ding Baozhen foi nomeado Governador da província de Szechuan. O seu maior feito foi a reconstrução de um sistema de irrigação que acabou com a ameaça constante de inundações nas aldeias circundantes, além de ter tornado a região numa das mais prósperas para a agricultura. Por isto, foi atribuído a Ding o título de Gongbao (guarda do palácio).

No entanto, com a decadência crescente da dinastia Qing, e perante a escassez de bens alimentares em toda a China, era necessário que os chefs ao serviço dos palácios procurassem formas de dar vida aos seus pratos. E foi em Szechuan que encontraram o ingrediente que marcou a diferença: grãos de pimenta. Ao juntarem grãos de pimenta de Szechuan à galinha salteada deram-lhe todo um novo sabor, quase viciante. Ding adorou o novo prato e, em sua honra, este foi batizado como Gõng Båo.

Piza Margherita

A simplicidade e versatilidade deste prato foram provavelmente as razões que o tornaram tão apreciado e famoso em todo o mundo. Originária de Nápoles, adorada por ricos e pobres mas inicialmente considerada “imprópria” para membros da monarquia, a piza napolitana tornou-se rapidamente reconhecida por toda a Itália. Ora, em 1889, por ocasião de uma visita da família real a Nápoles, foi pedido ao famoso pizzaiolo napolitano Raffaele Esposito que criasse uma piza em honra da Rainha Margherita. Esposito preparou então três opções: uma com banha de porco, queijo e manjericão; outra com alho, azeite e tomate; e outra com mozarela, manjericão e tomate – ilustrando as cores da bandeira italiana. E foi pela última versão que a Rainha se apaixonou. Nascia, assim, a Piza Margherita.

Na galeria em cima irá descobrir os ingredientes de cada receita.


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