Fórum civil contra a violência vai ter encontro anual

catarina Furtado

Primeiro a carta aberta, depois a petição, a seguir um debate em torno da violência de género e doméstica e agora uma promessa de um regresso anual para monitorizar a evolução das iniciativas que estão em marcha e em prol da erradicação desta negra realidade que, em 2019, está a registar números há muito não vistos.

Mas a lista de trabalhos que acaba de sair deste primeiro encontro, que decorreu esta terça-feira, 9 de abril, na Faculdade de Ciências Sociais e Humanas, em Lisboa, e que juntou artistas, apresentadores, organizações não governamentais, políticos e a sociedade civil é tudo menos curta. “Temo que a nossa batalha esteja a ficar mais difícil e temos de estar mais atentos”, antecipa a investigadora e elemento do Observatório Nacional da Violência e Género. E não parece mesmo…

Já ouviu bem se anda a cantar a violência de género?

De entre as prioridades, tirar os agressores de casa – e não as vítimas -, a articulação das forças de segurança, saúde e magistratura, a definição de estatuto de vítima para as crianças que vivem a violência doméstica dos pais e, entre outras medidas, a assistência e acompanhamento nas primeiras 48 horas após a denúncia ganharam renovado fôlego em tarde de debate. A estas medidas junta-se a formação, que deve ser estendida ao pré-escolar e para começar, bem cedo, a lutar contra os preconceitos

Tirar os agressores de casa e mais “atitude musculada”

O investigador e psicólogo forense não é brando nas palavras que escolha. Para Rui Abrunhosa, que acompanha casos de muito perto, a solução tem de ser posta em marcha: “O meu triângulo é punir, tratar e controlar. Não há forma de se intervir sem punição do agressor, seja com cartão amarelo, laranja ou vermelho. Isso é um começo. Depois é preciso intervir e, por fim, acompanhar”.

Rui Abrunhosa Gonçalves

E dá o exemplo: “Em 2016, foi publicada uma revisão sobre agressores nos Estados Unidos da América e uma das conclusões diz que só o facto de o agressor ser chamado à policia, fazer um cool off (arrefecimento) de 48 horas, tal é eficaz na mudança de comportamento do agressor”, diz o especialista, “pedindo uma atitude musculada”.

“Na realidade, e usando o exemplo em Espanha, a parcimónia acabou-se, quem sai de casa é o agressor”, referiu o investigador, arrancando aplauso e concordância de um auditório cheio para ouvir o em torno da Violência Doméstica e de Género e sob o tema O que falta fazer, como e com quem?.

“O meu triângulo é punir, tratar e controlar. Não há forma de se intervir sem punição do agressor”, diz Rui Abrunhosa

Uma iniciativa, recorde-se, que está a correr em paralelo com a petição pública – que já conta com mais de cinco mil subscritores – da Carta Aberta lançada a 8 de março e que está a ser promovida pela apresentadora da RTP e presidente da Corações com Coroa, da responsável da União Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) Elisabete Brasil, de Alice Frade da P&D Factor e de Sandra Correia, do Women’s Club Portugal.

Mais articulação e menos preconceitos na magistratura

Entre os pedidos de pacotes de leis mais contundentes e os que sustentam que as normas legislativas que já existem chegam, mas carecem de aplicação, o que todos pediram foi uma maior articulação entre as estruturas e a formação. É precisamente disso que Marlene Matos fala quando o tema é Procedimentos e Práticas Profissionais: Saúde, Justiça e Policias.

“A arquitetura está montada, o que precisamos é de otimizar essas funções entre justiça, saúde e policias”, pede a investigadora da Universidade do Minho e psicóloga forense. “É preciso uma cultura de networking, uma filosofia que deve passar pelas três áreas, e isso nem sempre existe”, reitera, considerando que, quando uma vítima não se revê na Justiça, tal é porque “muitos outros sistemas falharam antes”.

“Há falta de apoio na queixa, porque a formação que existe é muito académica, falta treinar a competências”, lembra a investigadora Marlene Matos

E quais? “Logo na saúde, os médicos e os enfermeiros que acompanham as mulheres são as pessoas mais próximas que podem detetar os primeiros sinais”, exemplifica Marlene Matos. E prossegue: “Há falta de apoio na queixa, porque a formação que existe é muito académica, falta treinar a competências.”

Mauro Paulino, embora num outro painel que discutia a especialização e formação, poderia concordar com aquela leitura. Afinal, revela o psicólogo clínico e forense, a falta de provas “que não vão sendo recolhidas ao longo do processo” quer no âmbito de queixas, quer em matéria de processos médicos podem bem culminar em “suspensões provisórias do processo ou mesmo numa não sentença mais tarde”. E explica: “Quando a vítima nos diz – e é muito comum – que das várias violências que sofreu a mais comum é a psicológica e, numa análise que fiz a processos em tribunal ficou claro que essa é a mais desvalorizada, tudo isto demonstra o desrespeito para com este sofrimento”, vinca.

“Uma das áreas que mais me aflige é a do Tribunal de Família e Menores, é onde há menor sensibilização”, analisa o médico Mauro Paulino

E o especialista volta a convocar a magistratura para lembrar que deve largar preconceitos e basear-se em estudos científicos. “Uma das áreas que mais me aflige é a do Tribunal de Família e Menores, é onde há menor sensibilização. É onde se chega a dizer: ‘Ele pode bater na mulher, mas é um excelente pai’. Ora, isto não tem qualquer fundamento. Os magistrados, nas suas sentenças, podiam seguir a psicologia, em vez de juízos morais e preconceitos. São múltiplos os estudos do quão prejudicial a Violência doméstica pode deixar na criança que a ela assistiu, e sem nunca que o agressor lhe tivesse encostado um dedo”, lembra Paulino.

Imagem de destaque: DR

Carta Aberta dá origem a fórum e debate sobre a violência doméstica