A ministra da Justiça, Francisca van Dunem, primeira mulher negra a integrar um governo em Portugal.
A magistrada desempenha o cargo pela segunda vez desde 2015 e após exercer durante 36 anos funções de magistrada do Ministério Público (MP).
De Luanda para Portugal
Nascida em Angola, em 1955, Francisca Eugénia da Silva Dias van Dunem, independente, de 65 anos, pertence a uma das famílias históricas e mais influentes de Angola, que tem vários ramos, descendente de um mercador holandês de origem flamenga, Baltasar Van Dunem.
Ligado a um desses ramos está também o ex-presidente de Angola José Eduardo dos Santos, batizado como José Eduardo van Dunem. Por sua vez, Francisca tem como padrinho de batismo o seu familiar Fernando van Dunem, que foi embaixador de Angola em Portugal.
Ainda em 1977, os pais de Francisca partiram de Angola para Portugal e levaram com eles o neto órfão, João Ernesto Valles van Dunem, “Che”, que tinha poucos meses e que a futura ministra da Justiça ajudaria a criar, em Lisboa.
A perda do irmão em Angola, a entrada de Francisca no MP
Em 1979 passou a ser magistrada do Ministério Público, depois de ter concluído a licenciatura em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Lisboa (UL), em 1977.
Nesse mesmo ano, o irmão José Van Dunem, destacado dirigente do Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), e a cunhada Sita Valles foram presos em Luanda e assassinados sem julgamento, na sequência do seu envolvimento nos acontecimentos político-militares que ficaram para a história como uma alegada tentativa de golpe de estado liderada por Nito Alves.
Nessa época, o médico Agostinho Neto, que estudou nas universidades de Coimbra e Lisboa, era presidente de Angola e dirigente máximo do MPLA.
Percurso profissional
Enquanto magistrada do MP, calma, discreta e apaziguadora, Francisca van Dunem pautou sempre o seu trabalho pela contenção na abordagem pública dos assuntos à sua responsabilidade, características que mantém como governante.
O portal do XXII Governo Constitucional, o segundo chefiado por António Costa, destaca que a ministra foi monitora de Direito Penal e Direito Processual Penal na Faculdade de Direito da UL, entre 1977 e 1979.
Em comissão de serviço, van Dunem foi também assessora de sindicância e inquérito na Alta Autoridade contra a Corrupção, de 1985 a 1987.
Segundo a biografia oficial, assumiu em Lisboa funções de delegada do MP no Tribunal do Trabalho, no Tribunal de Instrução Criminal e no Departamento de Investigação e Ação Penal (DIAP), além de ter integrado o gabinete do procurador-geral da República, entre 1999 e 2001.
De 2001 a 2007, foi diretora do DIAP da capital, tendo depois tomado posse como procuradora-geral distrital de Lisboa, de 2007 a 2015, ano em que suspendeu essas funções para ingressar no Governo como ministra da Justiça.
Foi ainda membro da Rede Judiciária Europeia em matéria penal, entre 2003 e 2007, e representante do Conselho Superior do Ministério Público na Unidade de Missão para a Reforma Penal.
Membro da comissão de revisão do Código de Processo Penal, de 2009, Francisca van Dunem representou igualmente Portugal em reuniões e comités técnicos de organizações internacionais, como o Comité Europeu para os Problemas Criminais, do Conselho da Europa, e o Observatório Europeu dos Fenómenos Racistas e Xenófobos, da União Europeia.
Fazendo parte do Conselho Superior do Ministério Público, a jurista e magistrada foi representante deste órgão no conselho de gestão do Centro de Estudos Judiciários (CEJ).
Ministra da Justiça desde 2015 e a polémica do currículo
Estreou-se em 2015 como titular da pasta da Justiça do XXI Governo Constitucional, o primeiro liderado por António Costa, secretário-geral do PS.
No centro de uma polémica relacionada com incorreções na informação curricular do procurador europeu José Guerra, Francisca Van Dunem é ouvida esta quinta-feira, 7 de janeiro, às 17:00, no parlamento “com caráter de urgência”.
Na quarta-feira, a Comissão de Assuntos Constitucionais, Direitos, Liberdades e Garantias, presidida pelo deputado social-democrata Luís Marques Guedes, aprovou para o efeito por unanimidade requerimentos do PS, PSD, CDS-PP e BE, numa fase em que a governante tem estado na mira da oposição e vários partidos reclamam a sua demissão.
O primeiro-ministro, António Costa, mantém, no entanto, “total confiança política” na ministra da Justiça e recusa-se a deixá-la cair, na sequência da controvérsia que já custou a demissão do diretor-geral da Política de Justiça, Miguel Romão, e motivou uma queixa-crime da Ordem dos Advogados no Ministério Público contra incertos e ainda um pedido de anulação do processo de escolha do procurador por parte de um dos candidatos preteridos.
CB com Lusa