Futuro da Irlanda do Norte depende destas duas mulheres

Leaders of political parties in Northern Ireland O'Neill of Sinn Fein and Foster of the DUP pose before a television debate ahead of the forthcoming Northern Ireland Assembly elections in Belfast
Michelle O'Neill do Sinn Fein e Arlene Foster do DUP. (REUTERS/William Cherry/Pool)

Michelle O’Neill é o rosto de uma reviravolta nas eleições antecipadas na Irlanda do Norte. O escrutínio foi realizado no passado dia 2 de março, e os resultados, divulgados este sábado, 4 de março, revelaram que o Sinn Féin, liderado por O’Neill, conquistou 27 dos 90 lugares da Assembleia autónoma. O histórico partido republicano e braço político do extinto IRA (Exército Republicano Irlandês) ficou assim a um lugar do Partido Democrático Unionista (DUP), da primeira-ministra Arlene Foster, que perdeu 10 deputados face às últimas eleições, ocupando agora 28 assentos.

Michelle O'Neill (REUTERS/Clodagh Kilcoyne)
Michelle O’Neill (REUTERS/Clodagh Kilcoyne)

Na prática, o que muda em relação ao último ato eleitoral, realizado em maio de 2016, – quando o DUP conquistou 29% dos votos, equivalentes a 38 assentos na Assembleia, contra os 24% do Sinn Féin, correspondentes a 28 deputados – é a redistribuição dos lugares neste órgão – que passaram de um total de 108 para 90 por contenção de custos – e um reequilíbrio das forças unionistas e protestantes e das republicanas e católicas, já que foi sobretudo a perda de votos desta formação unionista que pesou na reconfiguração da assembleia.

Este cenário foi uma possibilidade traçada por alguns analistas, que definiram estas eleições como “as mais importantes desta geração”. A atual composição do parlamento autónomo da Irlanda distribui-se por 40 assentos para os partidos unionistas e 39 para as forças republicanas, com os restantes lugares a pertencerem a deputados que não estão associados a nenhuma dessas duas tradições políticas.

Enquanto os unionistas defendem a integração da Irlanda do Norte no Reino Unido e são maioritariamente protestantes, os republicanos, na sua maioria católica, reivindicam a integração da região do Ulster na República da Irlanda.

Questões sociais, Brexit e diferenças históricas
A 10 de Abril 1998, o chamado Acordo de Belfast, também conhecido como Acordo Sexta-feira Santa, estabeleceu a paz e pôs fim a um conflito, entre católicos e protestantes, IRA e militares britânicos, que durante 30 anos alimentou um conflito no qual morreram cerca de 3.500 pessoas.

Esse acordo estipulou também que o governo da região integre unionistas e republicanos e que o partido mais votado na Irlanda do Norte teria direito a nomear o chefe do executivo e o segundo mais votado o lugar de número dois. Nos últimos dez anos foi o que aconteceu entre o DUP e o Sinn Féin, respetivamente.

Mas depois do último ato eleitoral, o vice primeiro-ministro Martin McGuinness, ex-líder do Sinn Féin, demitiu-se, em divergência com a dirigente do DUP e primeira-ministra Arlene Foster, a quem atribuiu responsabilidades nas alegadas irregularidades de um programa de incentivo às empresas para uso de energias renováveis.

Arlene Foster (REUTERS/Clodagh Kilcoyne)
Arlene Foster (REUTERS/Clodagh Kilcoyne)

Esta será, no entanto apenas a ponta do iceberg, uma vez que, segundo os analistas há diferenças históricas e em diversas matérias políticas a separar os dois partidos. Apesar de o cessar-fogo de 1998 ter sido respeitado até hoje, as comunidades católicas e protestantes continuam divididas e subsistem focos de tensão em algumas cidades, como refletem alguns muros em Belfast.

Entre as mais recentes está o Brexit. Os unionistas fizeram campanha a favor da saída do Reino Unido da União Europeia, enquanto o Sinn Féin é defensor da permanência.

Por outro lado, o DUP opõem-se ao casamento homossexual e a uma lei que promova o ensino do gaélico irlandês ou a legalização do aborto, causas apadrinhadas pelo Sinn Féin, e em relação às quais o DUP usou o direito de veto que os mais de 30 lugares na Assembleia lhe conferia.
Novo capítulo e novo desafio
Estas eleições antecipadas para a Assembleia autónoma da Irlanda do Norte foram também uma oportunidade para renovar a liderança do Sinn Féin. Michelle O’Neill, substituiu, na liderança do partido, Martin McGuinness, uma figura histórica no movimento republicano.

McGuinness, que esteve em funções 10 anos e que é apontado como um dos antigos líderes do IRA, durante os anos 70 e 80, apesar de o próprio sustentar que saiu da organização em 1974, alegou problemas de saúde para se retirar.

Como nova líder do Sinn Féin, Michelle O’Neill estreou-se nestas eleições como um espécie de vencedora ao conseguir quase o mesmo número de lugares que o DUP de Arlene Foster e as suas primeiras declarações sobre os resultados da votação soaram nesse sentido:

“Acredito que é um grande dia para a igualdade, um grande dia para a democracia”, declarou a nova líder e segunda mulher à frente do partido, depois de Margaret Buckley, entre 1937 e 1950.

Já Arlene Foster pode ver posta em causa a sua liderança à frente do DUP, por estes resultados eleitorais mas também pelo seu alegado envolvimento no caso das irregularidades na política de energias renováveis do governo em fim de mandato.

Michelle O’Neill, já avisou que não aceitará formar governo enquanto não for esclarecido o papel de Arlene Foster no descarrilamento do programa de energia em vários milhões de euros.

O ministro do Reino Unido para a Irlanda do Norte, James Brokenshire, alertou para o risco de as incompatibilidades se agudizarem, impossibilitando a formação de um governo de coligação. Em último caso, disse, isso poderia levar a que a autoridade política em Belfast voltasse a ser exercida em governação direta a partir de Londres.

“Esta eleição pode acentuar divisões e ameaçar a continuidade das instituições autónomas”, alertou.

O Sinn Féin e o DUP têm agora três semanas para formarem governo. Se não chegarem a acordo, poderão ter de ser convocadas novas eleições.

 

Imagem de destaque: REUTERS/William Cherry/Pool